Paulo Jorge Pereira assume que gostava de ter tido uma melhor base no início da carreira de treinador

Inédito: dois treinadores portugueses na Champions… há mais na calha?

Paulo Jorge Pereira e Ricardo Costa vão defrontar-se na mais importante competição de clubes do andebol e nesta parte da conversa com A BOLA falam sobre as portas que ainda há por abrir

Os treinadores portugueses começam a mostrar-se internacionalmente. Mas esse é um capítulo que está apenas no início. Nesta parte da conversa, Paulo Jorge Pereira e Ricardo Costa falam sobre os desafios de ser português num mundo que é muito dominado por técnicos espanhóis, presentes nos melhores campeonatos e em muitas das equipas mais fortes da Europa.

Lembram-se das perguntas abertas ao público? É daí que vem o mote para este tema. Também recebemos uma questão de uma senhora chamada Montse Alvarez. A esposa de Paulo Jorge Pereira indagou o que ele gostaria de ter sabido no início no início da carreira?

PJP: Talvez a importância de ter uma base de conhecimento ainda melhor. Que me ajudasse a chegar um bocado mais rápido. Eu demorei muito tempo. Demorei mais do que acho que podia ter demorado. Porque eu tenho 60 anos e só agora é que sinto que consigo fazer bem as coisas. E ainda podia fazer melhor. Mas também trabalho muito. O Ricardo tem a base prática e teórica. Eu tinha mais a base teórica, algumas experiências com alguns treinadores, mas depois demorei muito tempo a colar as peças todas.

O Ricardo teve contacto com a Liga dos Campeões quando muito poucos jogadores portugueses tinham essa oportunidade. Isso certamente deu uma bagagem importante para quando avançou para a carreira de treinador.

RC: Eu tive a felicidade de ter ido para Espanha e ter como amigos o Manolo Cadenas e o Jordi Ribera. Além de serem meus treinadores tornaram-se meus amigos. Eu gostava muito de aprender, sempre tive o sonho de ser treinador, mesmo quando jogava. E eles tiveram a amabilidade de me abrir a possibilidade de ter acesso a tudo. Eu apontava tudo o que fazíamos nos treinos e fazia uma análise crítica. Por exemplo, eu tenho um livro com toda a semana de preparação para quando jogámos a final-4 da Taça EHF [2006-2007]. Apontava o que eu fazia e final ainda tenho a análise do jogo e do que poderia ter feito [se fosse treinador].

Depois, foi passar da teoria à prática.

RC: Quando deixei de jogar, aos 36 anos, tive a felicidade de o FC Porto ter contratado o David Davies. Ele tinha jogado muito tempo nas equipas do [Juan Carlos] Pastor, eu jogava contra as equipas dele e havia coisas que não conseguia perceber como eles as faziam. Por exemplo, como é que a equipa trabalhava para que os pontas rematassem sempre com quatro ou cinco metros. E ele quando jogava já tinha cabeça de treinador e abriu o livro. Nós acabávamos os nossos treinos no FC Porto e íamos ter com a equipa de juvenis que eu treinava no Colégio dos Carvalhos e trabalhávamos. Com aquilo que eu já sabia, mais o que ele me ensinou, de olhar para outra forma de ver o andebol, ter mais atenção a questões de pormenor, foi decisivo. A partir daí, construí o meu modelo e as coisas que eu achava que o jogo precisava.

Esta época, pela primeira vez teremos dois treinadores portugueses na Liga dos Campeões. Ricardo Costa pelo Sporting e Paulo Jorge Pereira no Dínamo Bucareste.

PJP: Eu já disse ao Ricardo que não gostava nada de o apanhar já na fase de grupos. Não gostava. Era ótimo sinal defrontarmo-nos depois, mais à frente, na fase a eliminar. E aí, o que tivesse de ser, seria!

O desejo do treinador do campeão romeno, pronunciado dias antes do sorteio da Champions, não se concretizou. As duas equipas integram o grupo A e garantem que haverá pelo menos dois jogos entre eles na mais importante competição de clubes da Europa. Será o início de um capítulo de sucesso também para os portugueses nos bancos?

RC: Eu tenho a certeza de que há treinadores que mereciam oportunidades. Infelizmente, o mercado é assim. Os treinadores espanhóis têm muito boa cotação. Tem grandes treinadores, mas nem todos são bons. Alguns são bons, a outros dão-lhes oportunidade por serem espanhóis. E eu sei que há um conjunto de treinadores portugueses que mereciam ter essa sorte. Oxalá se possam abrir mais portas, porque o treinador português é bom.

PJP: Concordo com o Ricardo. Mas temos de ser mais corporativos. Os espanhóis são muito corporativos. Sai um treinador espanhol e normalmente entra outro. Mas também temos de arriscar mais. Porque muitas vezes pensamos que ir para fora é ir ganhar muito dinheiro. E concordo que nem todos os treinadores espanhóis são bons, mas há muitos que vão trabalhar para fora sem ganhar aquilo que nós achamos que eles estão a ganhar. Nós cá, às vezes, não temos currículo, oferecem-nos alguma coisa e dizemos que só vamos se... e tem de se começar por algum lado. Os espanhóis trabalham, são sérios e ainda aprendemos muito com eles. Mas já começamos a ser uma ameaça e isso é bom.

Paulo Jorge Pereira Ricardo Costa, selecionador nacional e treinador da equipa de andebol do Sporting (Bernardo Sol)

E quem é que o professor vê com possibilidades de fazer carreira internacional?

PJP: Este ano tentei que o Nuno Farelo me substituísse no Celje [Eslovénia]. Por uma questão de contenção de custos, eles optaram por um treinador da formação e ele vai para o Baia Mare. Vamos ser adversários na Roménia. Mas ainda parece que por vezes temos receio por nos atravessarmos por aquela pessoa. Mas temos de nos proteger um pouco mais e arriscar também.

Por quem é que o Ricardo se atravessava?

RC: Olha, o Farelo. Fui eu que o convidei para ser treinador no Colégio dos Carvalhos. Ele sempre me mostrou ser um apaixonado pelo andebol e tem conhecimento. E há muitos treinadores que trabalharam comigo no Colégio dos Carvalhos que acho que podiam trabalhar na 1.ª divisão: o João Faria, que esteve no Águas Santas, o Ricardo Moreira... por exemplo. Ele optou por trabalhar na Câmara Municipal do Porto, mas é um treinador com muito potencial. E há mais dois de que me estou a lembrar, um no FC Porto e outro no Sporting: Carlos Martingo e Ricardo Candeias. Que por acaso também fazem dupla na Seleção sub-21. São dois treinadores que não estão com nenhuma equipa sénior da 1.ª divisão, mas têm ambos muita qualidade. Trabalhei com os dois e tenho a certeza de que tanto um como o outro teriam qualidade para trabalhar fora.

Ricardo Candeias e Carlos Martingo, treinadores da Seleção Nacional de andebol sub-21 no Mundial 2025 na Polónia.  Foto Anze Malovrh / kolektiff
Ricardo Candeias (1.º à esq) e Carlos Martingo (2.º à esq), treinadores da Seleção Nacional de andebol sub-21 no Mundial 2025 na Polónia. Foto Anze Malovrh / kolektiff

Mas está preparado para perder o Candeias, que é também adjunto do Sporting?

RC: Não, não quero perdê-lo [risos]. Ele é uma ajuda enorme. Além de excelente profissional é muito boa pessoa. E claro que não quero abdicar dele, mas se ele tiver oferta de uma equipa e quiser ir, que remédio o meu.