Feminino: que passe a chamar-se Futebola, que ela aqui é mais bem tratada...
Nos últimos dias, regressei, por imposições de agenda profissional, à cobertura de uma grande competição internacional de futebol no feminino.
Uma espécie de déja vu em relação a duas viagens à Nova Zelândia, em 2023, para acompanhar os dois momentos mais marcantes da modalidade e do género, em Portugal: o apuramento — pela primeira vez — para a fase final de um Mundial e, seis meses depois, a participação em pleno na competição, com os sonhos, os desafios, as promessas e, sobretudo, a verdadeira assunção internacional do futebol feminino das quinas, mostrando a evolução, aprendendo com os erros, aguentando a pressão e, do outro lado do Mundo, deixando um perfume que garantia o crescimento e a melhoria gradual, em termos competitivos, quando confrontado com as grandes potências mundiais.
O Euro 2025 (que, para Portugal, é o terceiro consecutivo, depois dos Países Baixos, em 2017, e de Inglaterra, há três anos), é apenas mais uma peça na construção de um espírito, de uma ideia, de uma demonstração de capacidade que, degrau a degrau, vai nivelando a seleção portuguesa por parâmetros internacionais, vai concedendo palco às melhores jogadoras e abre portas à massificação da modalidade dentro das fronteiras do país.
Relembro e sublinho, aliás, que esse foi um dos objetivos fundamentais da criação do Canal 11, em agosto de 2019, e da gestão programada e estratégica de Fernando Gomes, primeiro com Tiago Craveiro, depois com Luís Sobral, tentando aumentar o número de praticantes federadas e a dimensão das competições disponíveis.
Muitos foram, como devem calcular, os entraves encontrados. Desde as componentes puramente logísticas ao grau de pouco desenvolvimento ideológico que, há uns anos, ainda grassava em Portugal relativamente à expansão do futebol no feminino. Nunca o projeto tinha sido estruturado no espaço e no tempo, nunca todas as vias apontavam para a prossecução do mesmo objetivo.
Há um nome, vindo das Índias, a quem, pé ante pé, com racionalidade, conhecimento e abertura, o futebol no feminino e a sua explosão competitiva muito devem. Francisco Neto não é apenas um excelente gestor de balneário e de mentalidades. É um conhecedor profundo da realidade do futebol no feminino por todo o mundo. É respeitado e faz-se respeitar, mas é tolerante com os imponderáveis e sabe que Roma e Pavia não se fizeram num dia.
Nos últimos anos, a seleção portuguesa esteve em três fases finais de Europeus e, pela primeira vez, na fase derradeira de um Mundial. Numa lógica de consolidação e crescimento, o que se pede às Navegadoras é que consigam carimbar a viagem ao Brasil, para o Mundial de 2027. Mas aqui é essencial ter os pés na relva e perceber o quão difícil será alcançar esse objetivo, porque as soluções não são lineares, a bola é redonda, a concorrência é muito forte.
Tanto quanto a que tenho visto na Suíça, numa fase final de Europeu esplendorosa. A qualidade individual das jogadoras, a capacidade tática, física e coletiva são exponenciais, e têm proporcionado espetáculos fantásticos para quem enche os oito estádios helvéticos ou observa, com todo o detalhe, nas transmissões televisivas.
Mas também no empenho, na garra, no desportivismo, no fair play, na capacidade de entender o jogo como um conjunto de momentos em que «o máximo» tem de ser palavra de ordem.
Passados à fase de eliminação direta (com os quartos-de-final), o degrau superior é atingido à velocidade da luz e da crença de grupos muito coesos e selecionadores que têm tempo e lastro para efetuar o seu trabalho. É justamente isso que Francisco Neto tem tido (e, salvo inflexão de última hora, continuará a ter), na Cidade do Futebol com as Navegadoras.
Os principais nomes presentes na Suíça dispõem, exatamente, de estruturas altamente profissionais para apresentar resultados. E a elas ligam-se jogadoras de topo, muitas delas a partilharem balneário num clube durante a temporada e, agora, em terras helvéticas, adversárias de ocasião.
Podia escolher várias, que os exemplos são imensos e em cada jogo, mas é impossível ficar indiferente a Lucy Bronze. A defesa lateral da seleção inglesa, campeã europeia em título e vice-campeã mundial, é o exemplo acabado de determinação e empenho, de uma osmose cativante com as suas companheiras de seleção, com adversárias e com o público, cuja interação é notória.
Tem 33 anos e corre como uma miúda, joga como uma veterana e representa todos os valores que o futebol no feminino pode aportar. Se estamos fartos de perdas de tempo, manhas, pequenas faltas e sorrisos marotos nos jogos da vertente masculina (mesmo ao mais alto nível), atenhamo-nos nesta imagem renovada, de estádios cheios, jogos imprevisíveis e disputados até ao apito final, excelentes arbitragens, variantes táticas surpreendentes e uma capacidade de inovar, com margem ampla de progressão, que o futebol no masculino talvez já não tenha.
Não sei quem sucederá à Inglaterra como campeã europeia. Mas sei que a UEFA tem, nos Europeus femininos, tal como a FIFA a nível global, um filão a explorar que retorna ao jornalista e ao adepto o prazer de ver e sentir o futebol
Que passe a chamar-se Futebola, porque ela, a bola, é muito mais bem tratada.