Dérbi mas pouco
Era um dérbi como sempre muito aguardado, mas que viria a ser estranho, este que vimos na Luz. O Benfica, do qual se esperava um início vigoroso em função de estar em casa e de ter de fazer pela vida, pareceu amarrado sem se libertar da teia adversária.
A intranquilidade chegou cedo, com uma falha inabitual de Aursnes, perdendo para Luis Suárez, que quase marcava. Entre o susto anterior e a opção de saída temerária de Trubin para Enzo Barrenechea, pouco tempo passou e levou à indesejada desvantagem. O Sporting tinha controlado calmamente o período inicial da primeira parte e o Benfica lutava ainda por encontrar o antídoto para a armadilha adversária.
Sofrer primeiro e cedo, era tudo o que não convinha. Não podia ser pior o começo de um jogo que era considerado vital. O desconforto estava instalado desde cedo, dentro e fora do campo.
Lá dentro, era notória a falta de um líder com bola que assumisse a pretendida revolta. Sudakov, o mais capacitado, não se libertava de Fresneda, que o pressionava de perto, onde quer que ele fosse, contando ainda com a cobertura de Geny Catamo. Na frente, Pavlidis não conseguia dar o habitual e precioso apoio frontal, por menor inspiração, mas também por superior atenção da estrutura adversária. Acabaria por vir de Richard Ríos o impulso e atitude que deu a reviravolta na disputa da posse de bola, contando com a ajuda de Leandro Barreiro.
O empenho-extra e o coração contam muito, desde que alguma razão os acompanhe. Dessa reação acabou por surgir o bem construído golo do empate, que repôs a estabilidade.
Mesmo com algum ascendente do Benfica, o jogo foi pautado pelo menor risco e pelo equilíbrio que ambas as equipas priorizaram. O período final de ataque à vitória viu-se prejudicado pelas constantes interrupções e pela destemperada intervenção de Prestianni, há pouco entrado. Mourinho procurou repetir a receita de sucesso usada na Madeira, mas desta vez a aposta no temperamental jovem argentino resultaria desastrosa. Não só limitou o previsível assalto final do Benfica à baliza de Rui Silva, como ainda colocou em risco o empate, o mínimo proveito nas contas finais.
A fórmula
Com o andar dos tempos, muito se alterou no futebol profissional. Incomparáveis os meios humanos e técnicos que hoje as equipas têm à disposição. Os primeiros minutos do clássico mostraram que algo havia a fazer para inverter o à vontade do Sporting com bola. Mesmo que, no caso, a posse de bola se tenha feito longe da baliza rival, o facto de só haver uma bola impede que se seja atacado.
O Sporting teve, assim, tempo e espaço para jogar. Mourinho revelou depois do jogo que recorreu a um dos seus analistas para que preparasse para o intervalo um vídeo que assinalasse com a maior clareza como a equipa devia ajustar a pressão para recuperar o domínio.
Imagino o stress de alguém que, na hora, pode ter nas mãos a fórmula vencedora. A verdade é que o Benfica foi melhor na segunda parte e esteve mais perto de ganhar, embora dispondo de poucas situações de finalização. Sudakov fez diferença no segundo tempo, provavelmente instruído para atacar mais por dentro, fugindo do marcador direto.
O Benfica recuperou assim o seu melhor construtor de jogo ofensivo, provocando a desorganização adversária, que contrastou com a calmaria inicial. Quando se apostava no forcing final para chegar à vitória, veio a expulsão de Prestianni, que obrigou a medir o risco. Não foi o ideal, mas é bem diferente empatar do que perder, quando se trata do rival e se joga no nosso estádio.
Substitutos
Corro o risco provável de me repetir, mas alguns comportamentos também se repetem, relativamente aos substitutos e à importância que podem ter para desbloquear jogos ou, como foi o caso do dérbi, adensar as dificuldades. Cada vez mais acho que quem sai do banco para o campo deve ser instruído para a missão que lhe é confiada, mas também avisado dos cuidados a ter.
Prestianni foi protagonista na Madeira, decisivo para a reviravolta final. Antes do belo golo chegar, porém, o jovem argentino já tinha entrado em despique com um adversário, mas sem consequências disciplinares. É verdade que estar no banco significa acumular tensão, ainda mais num dérbi. Julgo que as equipas poderão ter no elemento da equipa técnica que dirige o aquecimento alguém que também reforce ao substituto o essencial. A necessidade de agitar e incomodar o adversário, sim, mas que também o alerte para eventuais excessos, que, como no caso, prejudicam a própria equipa.
Cultura do apito
Em semana de mais duelos europeus, recupero o histórico claramente negativo dos clubes portugueses, principalmente relativo a equipas inglesas, alemãs e italianas.
Ao longo dos anos, este desequilíbrio pode tentar explicar-se por vários fatores influenciadores. Desde logo, o superior poder económico que permite às ligas mais fortes recrutar os melhores jogadores, é evidente. Também o futebol marcadamente físico contrasta com o nosso futebol de predominância técnica.
Finalmente, e associado ao aspeto anterior, o parâmetro mais diferenciador destas realidades estará no ritmo e intensidade dos jogos. Quando, como cá, se apita muitas vezes, por pouca coisa ou por simulação frequente, o jogo pára e o povo boceja. Quando tal acontece continuamente, o jogo quebra irremediavelmente. Quanto mais se interrompe menos se joga e menor intensidade se verifica. Esta componente acaba por fazer a diferença bem visível em duelos europeus, em que tudo conta e em que o ritmo de jogo a que se está habituado é decisivo.
Por isso, senhores que lideram a arbitragem, que tal finalmente evoluir para valorizar o nosso campeonato e ajudar as equipas portuguesas?