José Mourinho, treinador do Benfica - Foto Miguel Nunes
José Mourinho, treinador do Benfica - Foto Miguel Nunes

Só a «matemática pura» travará o Benfica, ausências que «fazem chorar» e José Neto – tudo o que disse Mourinho

Treinador das águias fez a antevisão do duelo desta quarta-feira com o Nápoles, da Champions

—  É uma vantagem para si conhecer bem as equipas italianas? 
—  Não sei se será vantagem ou não... Se calhar demoro menos tempo a analisar do que demoraria se fosse uma equipa ou uma cultura que eu não conhecesse. Mas só isso. O facto de eu conhecer bem não significa que as dificuldades sejam menores ou que as qualidades que eles têm passem a ser inferiores. É uma equipa muito forte. Ganhou dois scudettos num curtíssimo espaço de tempo. Que neste momento joga diferente daquilo que jogava na parte inicial da época, mas eu pessoalmente digo, infelizmente para nós, joga de modo diferente, porque eu gosto muito mais da maneira como eles estão a jogar agora do que aquela que jogavam antes.

— Que conclusões tirou do dérbi com o Sporting para este jogo com o Nápoles
— Acho que nós contra o Sporting fizemos um bom jogo. Fomos mais fortes do que um adversário que é o bicampeão nacional e que é efetivamente uma ótima equipa. Fomos penalizados por um início de jogo mau, com um erro individual, ou de dois elementos, que é uma coisa que nos tem penalizado ao longo destas últimas jornadas. Com o Bayer Leverkusen, por exemplo, foi na minha opinião o nosso jogo mais conseguido desde o primeiro ao último minuto, um jogo onde o empate seria já um resultado, quanto a mim, não à imagem daquilo que foi o jogo, onde fomos muito superiores ao Bayer. Acabámos por perder com um erro individual. No Chelsea fizemos um ótimo jogo, perdemos com um autogolo. Com o Casa Pia tivemos outro autogolo. Contra o Nacional ganhámos, conseguimos dar a volta, mas começámos a perder com outro erro individual. Ou seja, a equipa na minha opinião, sob o ponto de vista da organização e da coesão tática, está muito mais forte. Mas quando tu chegas a este nível e cometes erros individuais, normalmente pagas por eles.

Vai defrontar um Nápoles também com algumas baixas... 
— Não me faça rir... Não me faça rir porque uma coisa é tu não teres Lukaku, mas teres Hojlund. E mesmo tendo Hojlund, tens Lukaku no banco. Portanto, não me falem de ausências, porque as minhas ausências fazem-me chorar. Não ter Kevin De Bruyne, mas ter Scott McTominay e ter Elmas... Não me falem de ausências. As minhas ausências fazem-me chorar. 

Pode fazer uma comparação entre o nível competitivo em Portugal e em Itália? 
— Olhe, sinceramente não lhe sei dizer porque não vejo jogos do campeonato italiano. É assim que eu sou. Fixo-me onde trabalho, vejo os jogos todos possíveis e imaginários do campeonato onde estou, e depois resta-me pouco tempo para ver jogos de campeonatos onde não estou. Aquilo que eu digo é que, de um modo geral, em Itália existe uma cultura tática elevadíssima. Os treinadores trabalham, todos eles, muito bem o lado tático do jogo. Há uma cultura muito forte ao nível das marcações individuais e dos duelos individuais. São equipas com uma fisicalidade muito grande e muito adaptadas a isso mesmo. E as equipas de melhor qualidade individual, como é o caso do Nápoles, conseguem aliar aquilo que de bom fazem sob o ponto de vista tático com aquilo que de bom têm as individualidades fortíssimas que as equipas têm. Eu, para mim, o Nápoles é uma equipa fortíssima. Fortíssima.

— Surgem notícias de que os adeptos do Real Madrid gostariam do seu regresso ao clube... Quer deixar os adeptos do Benfica descansados relativamente a essa situação e fechado de uma vez o assunto? 
— Nem sequer precisa de fechar, já está fechado. O assunto já está fechado. Foi você que o abriu. Esqueça lá isso.

—  Champions pode mexer com o mercado de janeiro, está pronto para não ter os reforços que pretenderá? 
—  Primeiro, não penso em mercado. E ao não pensar em mercado, e ao pensar em tirar o que de melhor posso tirar dos jogadores que tenho e dos jogadores da formação, já estou a trabalhar de um modo onde estou a partir do pressuposto de que não há mercado. É assim que eu estou a trabalhar. Estou a partir do pressuposto de que não há mercado. Amanhã [hoje], não lhe vou dizer quem joga quem não joga... Mas só para ter uma ideia, e depois pode começar a fazer contas de cabeça: amanhã, nos 23 jogadores temos 10 jogadores da formação do Benfica. E desses 10, três chegam pela primeira vez comigo. Portanto estamos a falar inclusive de miúdos que chegam recentemente, não estamos a falar de jogadores como o António Silva ou o Tomás Araújo... Temos três que é verdadeiramente acabar de chegar e entrar. Portanto, tudo aquilo que aconteça no jogo e a influência que possa ter no mercado ou não, ocupa zero no meu pensamento. Porque eu parto do pressuposto de que não há mercado. Depois, se houver mercado... muito obrigado, ótimo, precisamos, ajudará. Mas eu parto do princípio de que não há mercado. Partindo do princípio de que não há mercado, o resultado de amanhã só interessa num aspeto, que é o aspeto puramente desportivo e não no aspeto económico e de transferências. No aspeto puramente desportivo, eu penso sempre que, enquanto a matemática me der esperança, eu tenho esperança. Só a matemática pura é que me pode tirar a esperança a qualquer nível, seja na Champions, seja no campeonato. Não sei se 9 pontos chegam ou não... pode chegar. Eu acho que 10 chegariam de certeza. O que significa que nem o resultado do jogo amanhã me pode tirar as esperanças. Vamos partir do pior pressuposto de todos: perdemos amanhã e ficamos com 3 pontos. Temos que jogar com a Juve, temos que jogar com o Real Madrid... É difícil? É ultra difícil. Mas continua a ser possível sob o ponto de vista matemático. Se ganharmos amanhã, 3 e 3 são 6. Se empatarmos fazemos 4, podemos chegar a 10. Portanto, eu acho que qualquer coisa que aconteça amanhã, não vai matematicamente acabar com o meu sonho. É a maneira como um treinador tem que olhar para as coisas, tem que ter a sua gente até ao limite daquilo que é possível, até ao limite da motivação. Agora, como diz o Leandro, nós vamos olhar para o jogo de amanhã a pensar que temos que ganhar. E que ganhando amanhã, obviamente ficamos com maiores possibilidades.

Que tempo precisam os jovens para ter maior preponderância na equipa? José Neto é uma das suas apostas?
O José Neto está convocado para amanhã e, se está convocado, pode jogar. O que precisam os miúdos? Precisam quese errarem não os martelem muito é a primeira coisa de que precisam. Já é suficiente a pressão inerente à estreia Acrescentar mais pressão é a pior coisa que pode acontecer. Mas os jogadores com talento, alguém depois tem de os meter lá dentro, se não os meter serão sempre jogadores com talento, mas um ponto de interrogação. O que falta para jogarem mais tempo? Falta-lhes jogarem mais do que os outros. O McTominay, houve alguém que o meteu lá dentro na vez do Pogba [no Manchester United] . Com o José Neto esse alguém vou ser eu.

 Acha que se tivesse começado a época estaria em posição de classificação na Champions e não a 8 pontos do líder no campeonato? 
— Eu não posso dizer que se tivesse começado estaria melhor ou se tivesse começado estaria pior. Acho que é uma leviandade dizê-lo. Não quero entrar por aí. Não é uma coisa que eu me sinta confortável a dizer. Senão depois também teria que dizer ’se fosse eu a começar o campeonato, não tinha começado o campeonato com este plantel’. Mas não comecei. Foi o treinador anterior que começou, foi o treinador anterior que decidiu, foi o treinador anterior que pediu. Também me podia dizer assim: ‘Ah, se ele estivesse cá neste momento podia estar melhor, porque estava com uma equipa que foi ele que escolheu, com os jogadores que foi ele que escolheu’. Talvez sim, talvez não. Acho que é uma leviandade ir por esse tipo de comentário. Eu, pelo menos, não sou capaz de dizer que comigo estaríamos melhor. Não consigo.

Há muitos elementos emocionais para si neste jogo, certo? 
— Não. Estas coisas emocionais para mim são... só antes da partida, depois da partida... e nada mais. Durante a partida não tenho tempo para pensar ou que qualquer coisa deste tipo me possa fazer viajar para longe daquilo que é a partida. Partida que temos necessidade de vencer, contra um adversário que tenho a humildade de dizer que é fortíssimo. Que será uma partida dificílima para nós. Mas faremos de tudo para conseguir o resultado de que precisamos.

— Preparou plano especial para o Nápoles e para Neres? 
— Enquanto matematicamente é possível, para nós será sempre possível. Nós somos o Benfica, o Benfica é um dos clubes maiores do mundo, não há outra cultura que não seja de 'vamos com tudo até à última'. E pluribus unum, como diz o nosso lema. E, obviamente, quem vencer amanhã deixa-nos numa posição boa; não vencer complica-nos verdadeiramente a vida, mas temos ainda outros 6 pontos para jogar. E esta é a situação, muito clara para nós. O Neres está a jogar bem, mas o Politano é bravo. Se não joga o Neres, joga o Politano, não muda nada. Se inicia o Neres e depois sai e entra o Politano, não muda nada. E este é o Nápoles. É uma equipa que vive dos talentos individuais, mas vive também de uma cultura tática muito forte, de um trabalho tático de um grande treinador, muito forte. E por este motivo, pensar que é só o Neres... não é suficiente para nós.

— O Nápoles é letal nas transições ofensivas; como pensa travá-las? 
— O Nápoles é forte em transição ofensiva, o Nápoles é forte nas bolas paradas, mete sete gigantes na área,, o Nápoles é forte em organização ofensiva, faz construção a três, faz construção a quatro, têm tanto tempo de trabalho com o Antonio... Antes de Antonio havia também outro bravíssimo tático como Spalletti. É uma equipa que tem tudo. Obviamente que são fortes em transição ofensiva, mas não se pode dizer que esta transição ofensiva é feita somente por Hojlund. Porque se é feita por Hojlund, eu digo ‘Ok, eles têm o Hojlund, eu tenho também dois bravos defensores centrais’. Mas a transição ofensiva não é Hojlund. a transição ofensiva são os outros dois atacantes, são os alas, os quintos... Rafael Leão à esquerda, Olivera ou Di Lorenzo à direita... São as inserções de McTominay que é um box-to-box e que te faz 50 metros de sprint para chegar à área. Mesmo a transição ofensiva, eles não a fazem de um modo individual, fazem-na de um modo coletivo. É uma grande equipa.