«Depois da Alemanha foi uma descarga de emoções, pensei no Quintana»

- Foi mais difícil essa derrota com o Nantes na Champions ou com a França, no Mundial?

- São as duas muito difíceis de digerir! Sei lá, não sei…Contra a França, talvez… Estava em disputa uma medalha e se fossemos à final four podíamos ficar em quarto.

- No Mundial estava mais perto?

- Estava mais perto, estávamos mesmo perto, mas acho que as duas derrotas são, se calhar, as duas derrotas mais difíceis de digerir que tive na minha carreira até agora. Bom [risos], também tenho 20 anos, ainda não tive muitos jogos importantes, mas estes dois foram, até porque Portugal nunca esteve assim tão perto de conseguir uma medalha. Faltou um golo…, mas também uma equipa portuguesa nunca esteve tão próximo da final-four… Mas havemos de conseguir!

- O que lhe trouxe de novo, acrescentou essa experiência no Mundial?

-  Trouxe-me a certeza que o que estamos a fazer está a ser bem feito, que as pessoas novas que estão a chegar, eu, o Salvador, o Martim, estamos a fazer o trabalho bem feito, estamos a levar o nome de Portugal ao mais alto nível, já enfrentamos as melhores seleções do mundo, olhos nos olhos, eles já têm medo de nós, já sabem quem somos. Trouxe-nos muita confiança, muito mais seriedade da parte deles, de terem medo de saberem com quem estão a jogar. E isso também torna o jogo mais difícil para eles, jogam com mais pressão.

- Portugal já não vai chegar ao Europeu como um ‘outsider’?

- Não. Agora temos mais responsabilidade, conseguimos um 4.º lugar no Mundial, no último Europeu ficámos em 7.º. Por isso, não vou prometer que vamos lutar para uma medalha.

- Mas sabe que agora é o que toda a gente vai pedir…

- É o que toda a gente vai pedir, mas temos de ter noção das equipas que vamos defrontar, se passarmos do fase de grupos, temos as melhores seleções do Mundo.

- A fase de grupos até não foi, teoricamente, complicada [Dinamarca, Roménia e Macedónia do Norte], o cruzamento será pior

- Teoricamente não é difícil, só temos a Dinamarca. [sorri]. É verdade, o pior é cruzamento. Alemanha, Espanha, França, por aí… A fase de grupos é mais acessível, temos só a tetra campeã do mundo, que é difícil, mas não vou dizer já que é uma derrota garantida porque não é. Todos os jogos começam 0-0 e algum dia eles vão perder e quem sabe contra nós!?

- Qual foi a seleção que mais gostaste de defrontar no Mundial?

- A Dinamarca. O nível de jogo que eles apresentam é fora de série. Eles conseguem estar a defender e em três segundos uma defesa do Nielsen passa para o contra-ataque, golo, e voltam para trás. Em três segundos conseguem defender, correr para a frente, marcar, voltam para trás. E fazem isso na competição toda, não é só no início! Nós começámos o Mundial, estávamos bem, fresquinhos, mas depois na parte final já se notava, não tínhamos muitos jogadores para rodar. O Iturriza, eu, o Salvador, o Martim, o Rui já estávamos cansados. E isso nota-se, e a Dinamarca nisso tem feito um trabalho excelente porque chegam à parte final das competições e estão sempre ao mais alto nível.

- Foi eleito o melhor jogador jovem do mundial, o que significou esse prémio?

- Na altura não fiquei assim tão contente, preferia ter ganho a medalha de bronze do que ganhar o melhor jovem do mundo, mas é claro que é muito bom. Dá-me força para continuar o trabalho e pensar que um dia estarei a lutar não por este troféu, mas pelo de melhor atleta do Mundo [sorri].

-  Fala disso desde miúdo, é o seu objetivo?

- Disse isso num entrevista tinha 15 ou 16 anos [sorri]. Sei que é muito difícil, sei que há muitos jogadores e muitos bons jogadores e para chegar ao nível de um  Gidsel [MVP do Mundial], duas vezes seguidas, melhor do mundo, é preciso ser muito bom e é preciso trabalhar todos os dias.

- E ter como adversário nessa corrida, alguém que dorme na mesma casa [o irmão Martim, eleito para o sete ideal], como é?

- Só torna isso mais divertido, mais engraçado, ter o meu irmão também na luta, também dá-me mais força. E se for ele e não eu, também fico contente. Se não for nenhum dos dois é que vou ficar triste. É só mais uma coisa engraçada para competir com ele.

- Competem muito?

- Ah sim! Estamos sempre a competir nos treinos, às vezes costumamos ficar em equipas diferentes, e é sempre ali uma picardia com ele, mas é engraçado estar a competir com ele, porque ele não gosta de perder e eu também não.

- Qual é que tem pior a perder?

- Pior é o Martim. Ele passa-se [risos]. Mas é engraçado. Ele não gosta, eu também não, ele dá o máximo e isso leva o treino para um nível, e isso é muito bom.

- Muitas emoções, que exterioriza fácil, como naquela primeira página que fizemos quando chora agarrado ao treinador

- Sim [sorri]. Chorei quando marquei 19 golos ao FC Porto porque perdi o campeonato. Marquei 19 golos e perdi o campeonato, é frustrante, é duro. Mas também temos outro exemplo, marquei um golo no ano passado contra o FC Porto e fomos campeões! Se for sempre assim, não tem mal [risos]. O jogo contra a Alemanha foi muito especial muito, muito, muito…

- Por quê?

- Por tudo… Por causa do Quintana não estar lá connosco, por eu nunca ter experenciado estar no Mundial a lutar para ir a uma meia-final, por estares a jogar pelo teu País, pela tua nação. E foi um jogo difícil, o Frade levou vermelho, ficámos só com um pivot, o Martim não estava no jogo, já tinha falhado para aí 10 remates, estava difícil. E depois quando vamos a prolongamento, eu vi que não escapava a vitória e foi uma descarga de emoções. Lembrei-me logo do Quintana, toda a gente abraçar-se…

- Lembras-te sempre dele nesses momentos?

- Ah sim. Tenho um ritual que é sempre que saio do balneário vejo a tatuagem dele [AQ, no pulso]

 - Já se pode saber o que é que essa frase quer dizer? [tem tatuada uma frase em árabe no braço que é um segredo que tinha com o guarda-redes portista que morreu durante um treino]

- Ainda não, um dia mais tarde. Vejo sempre o Quintana antes de entrar em campo. Sei que ele está sempre connosco e na Seleção dá-nos uma força extra. Quer as pessoas acreditem ou não, o que fizemos no Mundial também foi uma força extra, acredito que da parte dele, porque depois também não tivemos o Miguel Martins por causa daquele escândalo [doping], depois do Cavalcanti lesionou-se, ficamos sem jogadores e havia muitas pessoas que não tinham ainda feito uma competição a sério. O Salvador, eu, o Martim…

- Um impacto enorme para os miúdos, o palco do Mundial? Mas os miúdos safaram-se.

- Muito bem. Acho que demos um show. Foi a melhor competição em que já estive! Acho que sim, havia muita gente que estava lá que, quando jogámos contra a Alemanha, muitos adeptos queriam que nós ganhássemos. Eles gostavam mesmo de nós. E havia um cantinho dos portugueses, estavam lá muitos, que nós ouvíamos quando marcávamos. Foi muito bonito.

- Em termos de Seleção, imagino que o foco sejam os Jogos

- Los Angeles será sempre um objetivo! Mas para estarmos lá temos de continuar a trabalhar, temos de fazer boas classificações nos Europeus e nos Mundiais. Temos a oportunidade de ter o Europeu em Portugal em 2028, antes dos Jogos, e isso poderá ajudar. Se continuarmos assim, se calhar podemos encher o MEO Arena, se as coisas correrem bem e fizermos uma boa classificação, já somos mais maduros, pode ser uma oportunidade de nos afirmarmos a sério e de conquistar algo para irmos aos Jogos Olímpicos e viver aquela aventura!