De Paris ao Piódão à boleia de João Neves
Na serra do Açor há milagres a acontecer todos os dias. O milagre de uma natureza que morre antes de voltar a nascer. Mais, uma natureza que foi morta pela crueldade do fogo e que se inventa de novo, brotando o verde de cada árvore em sinal de resistência. E aqui se percebe melhor porque o verde é a cor da esperança. Porque é de esperança que se fala quando, serpenteando a serra a caminho do Piódão, vejo um Açor desfigurado de negro. Despido, dorido, queimado. Silencioso, mas fervilhando por baixo em gritos de resistência. E das árvores brotam as primeiras folhas verdes.
Talvez a imagem mais marcante seja aquela que se intui sem ser tão óbvia. A do susto que tantas pessoas apanharam, rodeadas de fogo por todos os lados. Com as casas em perigo e em zona de difícil acesso para os bombeiros. Brilhante trabalho fizeram todos, verdadeiros heróis. Casas inteiras. Intactas. Rodeadas de queimado por todo o lado, mesmo à porta. Ficaram os dedos...
É neste pensar que o serpentear da serra chega ao fim e Piódão se assume em todo o esplendor como um dos mais bonitos bilhetes postais deste país. Uma aldeia pintada de xisto, com as casas encavalitadas à espera de se assumir, no Natal, como Aldeia Presépio. Uma das 12 aldeias históricas de Portugal, sendo que seis delas já nem aldeias são. Nesta altura do ano, são poucos os turistas. Muito poucos. Piódão exige esforço do visitante, no acesso e na visita. E essa é uma riqueza. Mas também uma fragilidade para quem aqui investiu e tem contas a pagar dozes vezes por ano.
A visita ao Guarda Rios, na Barriosa, é obrigatória para quem quer degustar um belo almoço. O bacalhau e o cabrito provam que para brilhar nem é preciso inventar. É ter mãozinhas, claro, mas é também deixar os ingredientes falarem. Há algumas semanas, dizem-me com orgulho, João Naves estava ali sentado a olhar para as cascatas do Poço da Broca. Optara por um lugar discreto e discreto passou a refeição. Reconhecido por alguns,sorridente para quem lhe sorriu. Dizem-me que gostaram muito do rapaz. E da namorada. Um miúdo sem manias, simples, discreto. Foi a terceira vez que utilizaram a palavra discreto.
Fico satisfeito por não ser o único que acredita ser Joao Neves um bom rapaz. Educado com valores, o rapaz da camisola por dentro dos calções. Hábito que lhe vem desde a formação no CFT do Algarve e do pai, Pedro Neves, agente da PSP e antigo forcado em Serpa, um homem rigoroso para quem a camisola dentro dos calções é sinal de respeito pela instituição que se representa.
Neste pequeno pedacinho do Açor, afastado do mundo mediático, sei apenas que João Neves marcou três golos à Arménia. Sei que é fácil gostar dele. E que tem tudo para poder ser apontado com o exemplo para os mais novos.
Sei também, sem muitos pormenores, que nestes dias muito se tem falado de Cristiano Ronaldo. De Portugal ter goleado sem ele. De não ter estado no Dragão para a festa da qualificação. De ter estado com Donald Trump. Voltou a dividir-nos e lamento não haver espaço para um meio termo, uma terra e mar de coisas que são boas e outras más. Mas isso fica para a semana, no regresso de férias, que hoje ainda tenho de passar a ponte suspensa da Foz d´Égua, caminhar 2,6 quilómetros a pé, sempre a subir, até Chãs d’Égua e jantar uma... sopa de legumes que me portei mal ao almoço...