As dores de crescimento de Bruno Lage

PELA primeira vez vi Bruno Lage emocionalmente descontrolado. Tinha terminado um jogo marcante, no sentido exato de ser um jogo que deixa marcas, um jogo que valia uma eliminatória que o Benfica deveria ter ganho e perdeu, um jogo em que o jovem treinador do Benfica decidiu testar a equipa e testar-se a si próprio, comprometendo a habitual mecanização do grupo em função de uma ideia, de uma nova conceção de jogo, de um sistema que pretendia assente, não na sua própria equipa, mas no adversário.


 Acredito que Bruno Lage se tenha sentido, mais do que responsável, culpado. E daí o descontrolo das emoções, a revolta perante as perguntas que, de facto, podem doer, quando tocam na ferida do orgulho próprio, embora sejam essas perguntas que diferenciam o bom do mau jornalismo e sejam essas perguntas que podem fazer crescer um jovem treinador que tem potencialidades, mas ainda tem muito que aprender.


Bruno Lage não estava preparado para mais do que as habituais perguntas convenientes, inócuas, indigentes. Por isso, quando lhe lembraram que não terá sido boa ideia colocar João Félix sobre a esquerda, respondeu com a sabedoria de copos e garrafas em movimento. Não foi preciso tocar na questão central de que ele próprio, Lage, tinha adivinhado o desastre quando, há alguns dias, disse que o segredo de vencer o Eintracht estava na dinâmica de ataque e na ausência de um ponta de lança de raiz, o que atarantava uma defesa que não tinha ninguém para marcar por perto. A jogar na Alemanha para defender uma vantagem perigosa e que reclamava marcar golos, o treinador decidia mudar mais de sistema do que de jogadores e com isso transformou uma equipa num grupo de nómadas atarantados à procura da sua casa.


Quando Félix deixa de ser o apoio direto de Seferovic, quando Rafa passa a ser o inesperado companheiro de André Almeida na ala direita, quando Seferovic se transforma, para pior, num avançado mais fixo e, por isso, mais controlável, o Benfica oferece-se, necessariamente, mais previsível, mais controlável, mais improdutivo. E se a isto juntarmos a infeliz ideia de premiar Jardel e Fejsa com uma titularidade que, nesta altura, nenhum deles merece, criamos condições objetivas para que as coisas corram mal. Por norma, diz a experiência, quando tudo aponta para que corra mal, corre sempre pior.


As dores de crescimento de Bruno Lage são tão previsíveis quanto necessárias. Ninguém cresce na profissão sem cometer erros, ninguém, por mais sobredotado que seja, consegue eliminar todas as etapas de progressão.


Bruno Lage deve encarar essa realidade com um espírito de humildade, porque esse não é um sinal de fraqueza, mas de inteligência. Porque não basta anunciar que é «magrinho, mas aguenta tudo». Primeiro, porque ninguém aguenta tudo, muito menos quando não reconhece os seus limites.


Vejamos: não seria expectável que o Benfica optasse por um treinador de 42 anos que não cometesse erros naturais da sua juventude e da sua inexperiência. O Benfica deveria estar preparado para isso e o seu jovem treinador, também. O importante é reconhecer a evidência, perceber a inevitabilidade das disfunções emergentes do crescimento humano.


É por isso que nem o país, nem o mundo se podem dividir em géneros ou em idades. Tal como uma equipa, o que importa não é a soma das partes, mas o resultado inteiro. Lage é, apenas, um elemento, mesmo que de grande importância, no complexo e diverso mundo de uma equipa de futebol. Para avançar, tem, primeiro, de ter a consciência disso. O importante não é saber o que aguenta, mas o que consegue aprender.