Alessia Zecchini, a mulher que vive debaixo de água
Alessia Zecchini aprendeu desde muita nova que a respiração pode ser a maior ligação que pode existir entre o corpo e o oceano. Hoje, aos 33 anos, a apneísta italiana é conhecida como a rainha do abismo, título conquistado à custa de disciplina extrema, coragem e uma relação visceral, de alegria, porém também de tristezas profundas, com o mar.
Nascida em Roma, em 1992, descobriu a apneia durantes umas férias de família no Mediterrâneo. A curiosidade tornou-se paixão e, aos 13 anos, já realizava o seu primeiro curso federado. Ainda assim, só quando atingiu a maioridade pôde competir oficialmente, iniciando uma carreira que rapidamente a levaria às maiores profundidades já alcançadas por uma mulher.
O currículo impressiona: 17 títulos mundiais, dezenas de medalhas internacionais e quase 40 recordes mundiais estabelecidos. Em 2017, nas Bahamas, quebrou a barreira dos –104 metros e derrubou um recorde feminino que se mantinha há seis anos. Mais recentemente, em 2023, nas Filipinas, voltou a fazer história ao mergulhar até –123 metros na disciplina de constant weight monofin, fixando a marca mais profunda de sempre.
A preparação é quase tão dura quanto as provas. Alessia dedica de três a quatro horas diárias ao treino, divididas entre piscina, ginásio e técnicas de respiração e concentração. Para ela, a apneia não é apenas resistência física: é autoconhecimento. «Cada mergulho é também uma viagem interior», já referiu inúmeras vezes.
Mas a italiana não se limita a perseguir recordes. Em 2021, publicou o livro Apnea: Viaggio nelle profondità del corpo e dell’oceano (Apneia à profundidade do corpo e do oceano), no qual partilha a experiência de viver em permanente contacto com os limites humanos. Paralelamente, tem-se envolvido em projetos de proteção ambiental, consciente de que o oceano que lhe dá sentido também precisa de ser preservado.
A sua vida chegou ao grande público através do documentário The Deepest Breath (2023), produzido pela Netflix, que retrata não só a sua trajetória desportiva, mas também a relação com Stephen Keenan, o safety diver irlandês que perdeu a vida quando a acompanhava e cuja memória permanece indissociável do percurso de Alessia.
Keenan era o mergulhador de segurança de Zecchini. Morreu tragicamente em julho de 2017, aos 39 anos, enquanto supervisionava um mergulho da italiana no Blue Hole do Egito, um dos locais de mergulho mais perigosos do mundo. Apesar ter sido meticulosamente preparada a descida, que incluía nadar por um túnel subaquático sem corda-guia, esta não correu exatamente como planeado. O irlandês deveria reencontrá-la no outro lado do túnel, mas, quando Zecchini conseguiu atravessá-lo, não conseguiu localizar a corda que a guiaria até a superfície e acabou a nadar na direção errada.
Keenan alcançou-a a cerca de 50 metros de profundidade e ajudou-a a chegar à superfície, mas acredita-se que tenha desmaiado em algum momento e acabado por morrer ao salvar Zecchini. No final do documentário da Netflix, Zecchini reflete sobre o mergulho que levou à morte de Keenan, dizendo: «Talvez eu pudesse ter feito mais. Se estivesse mais consciente, não sei. O pior é que não pudemos fazer nada, não pudemos salvá-lo. Ele me salvou, mas eu não pude salvá-lo.»
«A única razão pela qual concordei em participar no documentário foi para que o mundo soubesse que pessoa maravilhosa e especial ele era, para que mesmo aqueles que não sabem o que é mergulho livre possam apreciar a sua imensa humanidade.»
Com uma mistura de fragilidade e força, Zecchini redefiniu o que significa desafiar os limites humanos debaixo de água. Vive entre recordes, treinos e uma paixão quase obsessiva pelo mar. Talvez por isso, entre jornalistas, fãs e rivais, todos a conheçam de forma simples: a mulher que vive debaixo de água.