Destaque do Vasco da Gama, Akoi Yuot tem uma história inspiradora (Foto: Vítor Maia)

Akoi: o MVP que fugiu à guerra e escapou a um campo de refugiados

Depois de todas as dificuldades, o canadiano chegou a Portugal e foi uma das figuras da época história do Vasco da Gama. O treinador Nuno Freitas potenciou uma equipa com um estilo muito próprio e devolveu-a ao primeiro escalão sem perder a identidade do clube. Uma das boas histórias do desporto nacional

20 anos depois, o Vasco da Gama voltou à primeira divisão do basquetebol nacional. Foi o culminar de uma época histórica devolveu o clube sui generis ao convívio entre os grandes.

Assente num estilo de jogo peculiar, os vascaínos somaram vitórias e deram a conhecer mais um talento, Yout Akoi, o MVP das finais que contrariou todas as probabilidades: fugiu de uma guerra civil e escapou a um campo de refugiados.

«Nasci no Sudão do Sul numa altura em que o país estava mergulhado numa guerra civil. A minha mãe teve de procurar uma solução e acabámos por ir para um dos maiores campos de refugiados do Mundo no Quénia. Era pequeno, mas a minha mãe já me contou o quão duro foi. Ninguém quer viver aquela vida», começou por partilhar o extremo a A BOLA.

Embora as recordações sejam escassas, há pequenos pedaços que nem o tempo apaga. «A preocupação da minha mãe era sair dali. Lembro-me de passar os dias a fazer amigos. Ali todos eram refugiados, havia pessoas do Gana, Etiópia e Somália. Era difícil ter sonhos, mas a minha mãe fez o que tinha de fazer para cuidar da nossa família», referiu.

Com a ajuda de um tio (e quando o basquetebol ainda não havia surgido no horizonte) Akoi mudou-se com a família para o Canadá.

«A obtenção do Visa foi um processo caro e longo. Foi complicado no início, era muito novo, não falava inglês. Começámos por viver em casas do Estado, mudámo-nos algumas vezes, mas acabei por conseguir adaptar-me», contou.

Akoi com Nuno Freitas, treinador que tem uma longa carreira no basquetebol nacional

Foi, de resto, já inserido na cultura canadiana que a atual figura do Vasco da Gama se dedicou a vários desportos até optar pelo basquetebol. A razão é simples: era o menos dispendioso.

«Joguei vários desportos desde futebol a hóquei no gelo. Inicialmente o basquetebol nem era o meu desporto favorito. Aliás, o que praticava mais era hóquei no gelo, mas era um desporto caro, era necessário gastar muito dinheiro em equipamento. Portanto, no oitavo ano, por influência dos meus amigos, optei pelo basquetebol e dediquei-me à modalidade», disse.

E ganhou-se um excelente jogador, sublinhe-se. Akoi completou o percurso académico no Canadá, jogou competições universitárias e uma equipa comunitária até ter a oportunidade de se tornar profissional bem longe de casa – encontrou o seu lugar após vários anos em constante sobressalto.

«A minha carreira profissional começou este ano. O meu agente tinha boas ligações com as pessoas do Vasco por causa de outros jogadores que já tinham jogado aqui e vim para cá. O basquetebol é diferente em Portugal, joga-se mais em equipa», fez questão de realçar.

Um estilo de jogo que, de resto, fez sobressair as maiores qualidades de Akoi. O canadiano foi o melhor marcador do Vasco da Gama (de forma destacada) e contribuiu decisivamente para um ano que irá perdurar na longuíssima (e riquíssima) história do emblema portuense.

«O que fizemos prova que quando todos estão comprometidos e fazem a sua parte, é possível ter sucesso. O facto de ter encontrado uma família, de ter pessoas que me ajudaram imenso, permitiu-se ter sucesso. Estou e estarei sempre muito grato. No futuro quero cuidar dos meus amigos e da minha família enquanto faço o que mais amo. Não é uma vida má, certo?», concluiu.

«Foi à Vasco: fizemos muito com pouco»

Akoi é um dos três estrangeiros do Vasco da Gama. Os restantes atletas nacionais são todos jogadores com passado na formação, um facto que o clube utiliza (orgulhosamente) como bandeira. Outrora treinador dos mais jovens, Nuno Freitas foi o timoneiro da epopeia vascaína.

«Estou há seis anos no Vasco da Gama. Sou coordenador da formação e treinador da equipa principal. Este ano aceitei trabalhar com a equipa sénior com o objetivo de conseguirmos a manutenção. Em dezembro, sentimos que podíamos aspirar a mais e ficar entre os quatro primeiros da fase regular. Já no grupo de promoção, percebemos que podíamos ganhar aquilo tudo. Era algo surreal mas, à Vasco, fizemos muito com pouco e conseguimos», rememorou.

Aos 49 anos, o técnico foi capaz de construir uma equipa à imagem do clube e acrescentou-lhe cultura de vitória. 

«A minha equipa joga à Vasco. Tem algumas coisas minhas, mas a forma de jogar é um pouco diferente. É à Vasco. O Vasco joga de forma muito rápida, procura vantagens, situações de um contra um e nunca se rende independentemente do resultado», explicou.

Nuno Freitas foi treinador da formação do Vasco da Gama, coordenador da formação (cargo que ainda mantém) e este ano, conseguiu a promoção ao primeiro escalão ao comando da equipa sénior

Em qualquer desporto, a qualidade é um dos primeiros critérios para o sucesso. Não é, todavia, o único, conforme Nuno Freitas sublinhou.

«Numa competição tão equilibrada, penso que o amor à camisola fez a diferença em momentos chave. Há jogadores que estão há mais de 20 anos no Vasco, o que acaba por ser importante. Esteja o Vasco em que divisão esteja, não podemos perder o ADN. Mesmo na primeira divisão, não podemos descaracterizar a equipa. As regras permitem que tenhamos mais estrangeiros e vamos jogar com as mesmas regras dos outros, mas os restantes jogadores do plantel vão ser portugueses que jogaram na nossa formação», frisou, antecipando ligeiramente o futuro que está à porta.

Os campeões fazem-se de triunfos, de trabalho e dedicação, mas também de lágrimas e de momentos de dificuldade. No entanto, como cada um trilha o seu percurso, Nuno Freitas considerou que o momento mais duro da temporada foi o jogo que deu o título e a subida de divisão.

«Chegar ao último jogo da final para garantir a subida foi um momento difícil. Entendíamos que já devíamos ter conseguido a promoção na fase regular. Os jogadores estavam numa posição na qual nunca tinha estado, era uma pressão positiva, mas custou. Mostrámos o caminho e não mudámos nos momentos difíceis. Se tenho algum mérito, é o facto de os ter deixado serem como são», esclareceu.

O Vasco da Gama regressou, por fim, à elite nacional. As dúvidas são várias, mas há um par de certezas para o futuro.

«O desafio vai ser incrível, mas a história do clube é feita de impossíveis que se tornaram realidade. Não vamos perder o ADN do clube nem descaracterizar a equipa. Os portugueses que vamos ter no plantel vão ser jogadores que passaram pela formação. O desafio vai ser incrível, mas a história deste clube é feita de impossíveis que se tornam realidade», concluiu Nuno Freitas.

Sugestão de vídeo