«Valores por Kokçu e Osimhen foram uma loucura, mas é bom para o futebol turco»
Miguel Cardoso, de 31 anos, é avançado do Kayserispor, da Turquia. Entra agora na quinta época ao serviço do clube vindo de um dos melhores anos da carreira. Em entrevista a A BOLA, o extremo formado no Benfica fala da vida no país e no impacto que jogadores como Orkun Kokçu ou Victor Osimhen, ou portugueses como José Mourinho, Rafa ou João Mário têm no campeonato turco.
— Vem da melhor época individual a nível de números. Está na melhor fase da carreira?
— Considero que fiz uma época muito positiva. Os números assim o dizem, apesar de não ser só esse o barómetro, eu penso que também a nível de performance individual, principalmente na segunda volta do campeonato, foi muito boa. E agora é continuar. Penso que tenho todas as condições para isso e espero fazê-lo já esta época. Se puder aumentar os números individuais de forma a ajudar o coletivo, ótimo.
— Já está há quatro anos no futebol turco e, nos últimos anos, chegaram José Mourinho, Gedson Fernandes, João Mário, Rafa, etc. Como é que foi vista a chegada destes portugueses ao futebol turco?
— O futebol turco sempre olhou para nós como um mercado atrativo. O jogador português tem muita qualidade, tem uma capacidade de adaptação muito forte.
São tudo pontos que jogam a nosso favor. E como país, a Turquia é excelente para se viver, acolhe-nos muito bem. Eu penso que conseguimos juntar o útil ao agradável, tanto a nível desportivo como a nível económico. Os clubes turcos têm esse poder. E claro que trazer José Mourinho ainda aumenta mais essa capacidade. Todos os jogadores acabam por querer vir para este campeonato, por termos essas figuras à frente do futebol turco.
— Vimos que Osimhen foi contratado por 75 milhões de euros e Orkun Kokçu, do Benfica, foi contratado por 30. É um sinal de crescimento?
— Sem dúvida. A liga turca não faz parte dos melhores campeonatos europeus. Temos as melhores ligas europeias e a Turquia acaba por vir a seguir. Ao mesmo tempo, a nível económico, acredito que não consiga competir com a Arábia Saudita, mas os turcos são um povo muito emocional. São loucos por futebol. E o Osimhen, por aquilo que fez na época passada, fez chegar a essa loucura. A meu ver é uma loucura tanto dinheiro. Mas o futebol turco tem essa capacidade e demonstrou-o. Ele é claramente a figura do Galatasaray, sente-se isso. E certamente pesou na decisão dele também em regressar à Turquia. Apesar de, na minha opinião ele ter capacidade para jogar na Premier League, na LaLiga, tanto pela idade como pela capacidade que tem. Mas o futebol turco é, como disse, mesmo isso. São muito apaixonados por futebol e se tiverem de cometer loucuras por um jogador, cometem. Noutro patamar, com o Kokçu, não deixam de ser também uma loucura os valores de que se fala. Mas acho que isso é tudo muito positivo para o futebol turco. Aumenta a capacidade individual dos jogadores. Faz com que seja mais atrativo o campeonato. E acho que só tem pontos positivos para o futebol da Turquia.
— Vemos o ambiente dos estádios, a forma como os reforços são recebidos à chegada, a apoteose nas redes sociais quando se associa o nome de um jogador a um clube turco.
— Quem gosta realmente de futebol gosta do futebol turco, por todo o envolvimento que há à volta do jogo. Falo a nível dos fãs, que são fanáticos em cada cidade. Eles são fanáticos pelo clube. Nós sentimos aqui no Kayserispor. No ano passado, nas decisões e quando a equipa mais necessitava, tínhamos vinte e tal mil pessoas no nosso estádio. Quando se fala de uma loucura, claramente que é uma loucura positiva. É certo que dá alguma pressão e quando as coisas correm mal também há um pouco do reverso da medalha, mas faz parte. Temos de saber lidar com isso, mas eu olho sempre para o lado positivo, porque é o apoio que nós temos. Qualquer jogador gosta de jogar com o estádio cheio, de ser recebido no aeroporto com centenas ou milhares de fãs, como no caso do Besiktas ou do Galatasaray. Acho que isso é positivo para o futebol, para o jogador. Sentimo-nos importantes. Basta sair à rua que somos reconhecidos. Fotografias, autógrafos. Também estou numa cidade onde só há um clube na primeira divisão e as pessoas acabam por viver muito para o clube. Representamos uma região, temos alguma força no futebol turco e isso faz-se sentir também na vida privada, quando vamos a algum restaurante, a algum centro comercial. Somos sempre abordados. Acho que isso é muito positivo.
— Também há situações menos positivas, certamente…
— Infelizmente há sempre um pouco desse lado. Há uma minoria que acaba às vezes por confundir um pouco aquilo que é o futebol e a vida privada. O futebol turco tem-nos mostrado nos últimos dois, três anos com alguns episódios menos positivos. Lembro-me de um jogo, penso que do Fenerbahçe, que acabou mal. O presidente de um clube há duas épocas agrediu um árbitro. Não representa aquilo que é o futebol turco e o adepto turco.
Eles são muito apaixonados pelo futebol mas, como digo, no sentido positivo. Acho que isso é muito positivo para o espetáculo para o ambiente dos jogos para a intensidade dos jogos também ajuda muito. Claro que às vezes há episódios… Lembro-me, por exemplo, no ano passado, no Centro de Estágio tínhamos muitos adeptos à nossa espera, à espera da nossa justificação sobre o que se tinha passado após um jogo, mas não passou disso. São coisas normais que podem acontecer, mas felizmente nunca passei por um episódio menos positivo.