Patrícia Sampaio: «Não sei se troco a medalha dos Jogos, foi a que me foi posta ao peito»
Patrícia Sampaio após ganhar a final na Accor Arena, em Paris Fotografia Emanuele Di Feliciantonio/IJF

ENTREVISTA A BOLA Patrícia Sampaio: «Não sei se troco a medalha dos Jogos, foi a que me foi posta ao peito»

JUDO07.02.202508:07

PARTE 1 - Seis meses depois da conquista do bronze olímpico, a judoca olímpica do Gualdim Pais foi buscar o ouro ao mas emblemático 'grand slam' do Circuito Mundial. Conta a A BOLA como se sentiu, do que pensa da alteração das regras, do que pensa por ter integrado mais uma elite nacional na modalidade e confirma como está deteriorado o bronze que recebeu em Paris2024

Em agosto conquistou a medalha de bronze dos -78 kg nos Jogos Olímpicos de Paris-2024. Passados seis meses voltou à capital francesa para, no passado domingo, ganhar o Grand Slam de Paris, a mais icónica etapa do Circuito Mundial. Este regresso acabou por ser melhor do que estava à espera?

— Na verdade habituei-me um bocadinho a vir sem esperar alguma coisa, sem expectativas. Já mesmo nos Jogos, e antes disso, foi assim. É a forma que arranjei para gerir melhor a situação emocionalmente. No entanto, vinha com boas sensações, especialmente depois de ter feito uma boa prova em Tóquio [Grand Slam, em dezembro, onde foi bronze] e, este ano, já fiz o estágio [internacional] de Mittersill [Áustria] e estive também a treinar em Itália. Além disso, fiquei muito feliz quando cheguei a Paris novamente porque revivi um bocadinho aquilo que senti quando cheguei à cidade para os Jogos Olímpicos. Senti, mais uma vez, que estava tudo alinhado para as coisas poderem correr bem.

 — Mas, desta vez, podia existir uma carga emocional que nos Jogos não havia, que era ter ganho em Paris uma medalha há 191 dias, não era? Ou não sentiu esse peso?

— Não, não meto essa pressão em mim. Não senti essa carga, muito pelo contrário, uso essa questão ao meu favor: se fui tão feliz em Paris porque não sê-lo novamente?

«No final até fiquei bastante feliz porque, nos treinos, tenho tentado aprimorar o meu trabalho no chão e, no combate, consegui fazer uma sequência muito boa no chão e acabei por ganhar dessa forma [imobilização]

Fotografia Emanuele Di Feliciantonio/IJF

— Na prova, onde ficou isenta da ronda inaugural, venceu os três combates que fez todos por ippon. Como é que se sentiu durante a competição?

— No primeiro combate, não me senti muito bem. Fiquei até um bocado assustada, quando fiz com a neerlandesa [Lieka Derks]. Quando saí, tinha os antebraços muito inchados de estar a fazer força. Estava a sentir-me um bocadinho cansada. Nunca tinha competido com ela, apenas em estágios. Não sabia como era lutar contra ela em competição. Também não me senti assim tão bem porque levava uma estratégia definida e ela tinha igualmente a sua, o que não me permitiu aplicar de forma mais limpa aquilo que planeara. Acabei por  aplicar outras soluções de que também tínhamos falado. Na verdade, no final até fiquei bastante feliz porque, nos treinos, tenho tentado aprimorar o meu trabalho no chão e, no combate, consegui fazer uma sequência muito boa no chão e acabei por ganhar dessa forma [imobilização]. Portanto, fiquei logo muito satisfeita.

«Além de inteligente, senti-me sempre muito concentrada no que era suposto fazer e não deixei levar-me em qualquer momento da luta e alterei a estratégia.»

— E o resto da competição, como é que se sentiu, porque foi muito dominadora nos dois combates seguintes? Então na final, foi impressionante. Teve noção desse domínio?

— Senti-me, se é que se pode dizer, inteligente a combater, que estava muito focada na estratégia e que consegui impô-la sempre muito bem. E com a Audrey Tcheumeo [francesa duas vezes pódio olímpico e quatro em Mundiais] passava muito por dominar aquela manga [direita] e consegui fazê-lo várias vezes. E mesmo quando perdi esse domínio solucionei as coisas de alguma forma. Aliás, com as duas a estratégia era muito parecida, pois eram ambas destras. Normalmente já tenho um ritmo elevado de ataques, mas estou a procurar controlar isso para realiza-los de forma mais segura para evitar situações de falsos ataques [dão castigos]. Na final a sensação foi ainda mais forte porque impus o meu ritmo e a estratégia que havia definido com o meu irmão [Igor, treinador no Gualdim Pais] e com o Marco [Morais, selecionador nacional] realmente estava certa. Além de inteligente, senti-me sempre muito concentrada no que era suposto fazer e não deixei levar-me em qualquer momento da luta e alterei a estratégia.

Fotografia Emanuele Di Feliciantonio/IJF

 — Foi para estar neste nível de forma no Grand Slam de Paris que havia decidido encurtar as férias após os Jogos Olímpicos e, em dezembro, foi a Tóquio?

— Isso foi porque já tinha muitas saudades de competir. É o que mais gosto de fazer. Em alguma altura teria de regressar e se não tivesse voltado em Tóquio teriam passado mais dois meses à espera para tornar a competir. Por isso, dissemos: porque não em Tóquio? Até calhava com a altura do Nacional, onde também fui porque gosto sempre de competir no Campeonato...

— Mas isso ajudou-a, agora, a chegar melhor a Paris?

— Provavelmente ajudou. A meio de setembro comecei logo a treinar certinho, a fazer uma preparação específica. Não deixei que as férias fossem assim tão grandes e por isso não perdi tanto a forma.

«Agora existe essa distinção do que é realmente um wazari e uma queda quase de barriga, que é um yuko. Acho mais justo. Mas sim, com os yukos é mais fácil os combates não se prolongarem para golden score.»

— Esta temporada, além de wazari e ippon, voltou a haver a pontuação de yuko. Acha que irá tornar os combates mais fáceis de serem resolvidos, sem haver necessidade de tantos prolongamentos?

— Penso que sim. Até me deu jeito porque marquei um yuko num dos combates [contra Lieke Derks]... [risos]. Mas acho que é bom porque nos wazaris que existiam, alguns eram quase ippon e outros quase nada. Agora existe essa distinção do que é realmente um wazari e uma queda quase de barriga, que é um yuko. Acho mais justo. Mas sim, com os yukos é mais fácil os combates não se prolongarem para golden score. As regras também se alteraram no tempo que nos dão para preparar o ataque,  mais facilmente um mau ataque é penalizado com um castigo. Vai fazer com que as lutas não durem tanto e que haja mais iniciativa e ataques mais fortes e os confrontos não sejam tanto decididos com castigos mas com pontuação. Para mim é bom, pois que estou sempre a atacar e a tentar pontuação.

«Não falando em Jogos Olímpicos ou Mundiais, medalhar e especificamente ganhar aqui em Paris, uma das provas mais prestigiantes do mundo do judo, é a ambição de qualquer um.»

— Como é que é ter passado a ser um dos apenas quatro judocas portugueses — Pedro Soares (1998), Telma Monteiro (2012 e 2015) e Bárbara Timo (2021) — a ter conseguido ganhar a medalha de ouro no Grand Slam de Paris? Sabia disso?

— Já tinha lido qualquer coisa, mas não sei. Não penso muito nessas coisas. Foco-me mais naquilo que quero ganhar, que tenho de vencer. É bom estar entre os quatro, num grupo elitista, mas se formos 15 portugueses a medalhar no Grand Slam de Paris ficarei ainda mais feliz porque não desejo apenas o meu sucesso, mas de toda a equipa. No entanto, o que me deixa feliz é estar nessa lista, não importa quantas pessoas tem. Penso que é o sonho de qualquer judoca. Não falando em Jogos Olímpicos ou Mundiais, medalhar e especificamente ganhar aqui em Paris, uma das provas mais prestigiantes do mundo do judo, é a ambição de qualquer um. Depois de, em Tóquio, ter conseguido uma medalha na casa do judo, vir a Paris e ser campeã, tornou tudo ainda mais especial.

«A competição passa muito por ser comigo própria. Não olhar tanto para as conquistas dos outros, mas aquilo que ainda tenho para conquistar.»

— E agora faço um desafio: a Telma Monteiro foi a única que venceu por duas vezes o 'grand slam' francês. Coloca agora isso como um objetivo?

— Mais uma vez, não tem nada a ver com a Telma. Para o ano, se voltar a competir em Paris, vou querer ganhar de novo. Não importa se alguém já tenha vencido cinco ocasiões, vou querer fazê-lo mais vezes do que já fiz anteriormente. A competição passa muito por ser comigo própria. Não olhar tanto para as conquistas dos outros, mas aquilo que ainda tenho para conquistar. Portanto, para a próxima época, se vier, quero que seja a segunda vez. E depois a terceira… Desejo ganhar todas as provas onde estou.

— O Pedro Soares foi o primeiro português a vencer o ouro em Paris e agora estava na prova como selecionador nacional masculino. Vi que tirou uma fotografia consigo e a medalha e colocou-a online. Ele disse-lhe alguma coisa em especial?

— Deu-me parabéns.

«Não sei se a quero trocar porque foi aquela medalha que me foi posta ao peito, não é? É um pau de dois bicos. Não sei mesmo… Mas que está um bocadinho estragada, isso está.»

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PARTE 2 - Judoca fez questão de pagar a ida a Paris do seu jovem, 14 anos, parceiro de treino no Gualdim Pais. Depois do ouro, a Torre Eiffel a brilhar e um crepe de chocolate. Garante que a via não mudou muito depois do bronze olímpico: mora na mesma casa, a família continua igual e os amigos são os mesmo. Até a euforia das pessoas na rua acalmou e ela prefere assim.

— E antes de ter viajado para Paris, foi ver a sua medalha dos Jogos Olímpicos?

— Não. Está guardada na respetiva caixa.

— Nem se lembrou de ir vê-la para se motivar e inspirar?

— Por acaso pensei ir lá tocá-la ou qualquer coisa do género, só que depois saí à pressa de casa e não deu tempo. Mas a medalha está todos os dias na minha memória. E, sim, está bem guardada.

— E encontra-se realmente bastante estragada, como tem acontecido a muitos atletas? É preciso mesmo trocá-la? Deteriorou-se muito?

— Estou a ponderar essa questão. Não sei se a quero trocar porque foi aquela medalha que me foi posta ao peito, não é? É um pau de dois bicos. Não sei mesmo… Mas que está um bocadinho estragada, isso está.

— Apesar de se encontrar nessas condições, aquela tem um significado especial para si, é isso?

— Sim, foi  a que realmente conquistei. Substituí-la vai ser um bocado estranho.

— O melhor seria dar-lhe uma nova e ficar com as duas?

— É, no mundo ideal seria assim.

— E agora esta do Grand Slam de Paris. Já que disse que a prova tem tanto significado para um judoca, tem direito a ficar guardada ao pé da dos Jogos ou essa terá sempre de ficar num lugar especial?

— A dos Jogos, como disse, continua guardada na caixinha. Por acaso na do Japão também me deram uma caixa e está lá, colocada na sala. Mas agora ofereceram-me um móvel com portas de vidro para meter os troféus e medalhas especiais. Ainda irei ponderar quais é que lá irei colocar. Mas, com certeza que esta estará lá.

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