Um clube já não chega: maiores tentáculos vêm da Premier, Sporting no radar
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Um clube já não chega: maiores tentáculos vêm da Premier, Sporting no radar

INTERNACIONAL17.01.202410:00

Doze clubes da Premier League dominam pelo menos um outro emblema além fronteiras; império do Manchester City é já vastíssimo; só a Red Bull tem projeção mais ou menos semelhante

Dinheiro gera dinheiro. E, no futebol, não há dúvidas onde está. Em Inglaterra, há muito que os clubes abriram as portas de casa ao investimento estrangeiro, fosse este participações maioritárias e entrega absoluta do controlo ou pequenas fatias do bolo, ao ponto de casos como o Luton, o único detido pelos associados nos principais escalões britânicos, ou ainda Tottenham, Brighton e Brentford, liderados por ingleses, serem cada vez mais raros. No entanto, se esse fenómeno se tornou inevitável e sem retrocesso, há um outro que emerge. 

Já ser dono de um clube não basta, é preciso mais. Por um lado, entrou-se na era da multipropriedade, em que cada emblema, enquanto empresa, é dividido em várias fatias, cada uma com o seu proprietário. Por outro, os donos dos maiores clubes já não se contentam apenas em contratar grandes jogadores e grandes técnicos, compram agora outros clubes (ou fatias noutros clubes), quantos mais melhor. Entrou-se na era dos grupos ou das holdings aplicadas ao futebol, em que o império criado pelo City Football Group, que detém o Manchester City, está à vista de todos.

Há várias e diversas razões para que tal aconteça. Ter um clube num país como França, verdadeiro viveiro de jovens craques, com evidente ligação à África francófona, é de interesse estratégico. Em Portugal, além da qualidade da formação e de ser um mercado intermédio, há um elo fortíssimo com um outro filão inesgotável, como é o brasileiro. E, na Bélgica, que tem vários emblemas já no circuito, além do talento que consegue criar há questões legais relacionadas com a simplicidade com que um futebolista adquire a licença de trabalho, um processo muito mais complexo e muitas vezes impeditivo quando se trata de atletas mais jovens em Inglaterra, igualmente importantes.

Há, por isso, tentáculos a sair da Velha Albion para o resto do Mundo, incluindo Portugal. Marinakis, o dono do Nottingham Forest, controla já o Rio Ave, enquanto o Chelsea, depois de garantir o Estrasburgo, ronda o Sporting há meses, com os leões finalmente a parecerem deixar-se querer.

Ponto da situação: Tottenham, Luton Town, Brighton & Hove Albion e Brentford são os únicos quatro clubes entre os 20 da Premier League controlados exclusivamente por ingleses. Se começarmos a descer na hierarquia, há 6 no Championship, 13 na League One e 11 na League Two, divisões com 24 equipas. Ou seja, mesmo o quarto escalão inglês tem 12 emblemas com participações estrangeiras, oito destas maioritárias. Por outro lado, 12 dos vinte emblemas do escalão principal partilham dono ou têm ligações com outros além-fronteiras. Algo que vai obrigar a UEFA a desdobrar-se em pareceres quando possa haver situações de conflito de interesse na participação nas provas europeias. E há mais nas restantes divisões. 

Todd Boehly, dono do Chelsea, quer expandir o seu portfólio de clubes (Foto: IMAGO/PA Images)

Chelsea não larga o Sporting

Chelski é o nome pelo qual ficou conhecido o Chelsea a partir de 2003, quando foi comprado pelo empresário multimilionário russo Roman Abramovich, quando ainda detinha parte da Sibneft, empresa produtora de petróleo, vendida dois anos depois à Gazprom estatal por um valor recorde. Os Blues recuperaram o estatuto de grande equipa em Inglaterra, com José Mourinho a reconduzi-los ao primeiro título em 50 anos logo em 2005, e mais tarde, em 2012, conquistaram a Liga dos Campeões de forma surpreendente com o interino Roberto di Matteo, que sucedeu ao português André Villas-Boas, no comando. 

Forçado a fazê-lo devido às ligações com o presidente russo Vladimir Putin e à invasão da Ucrânia, Abramovich vendeu o Chelsea a 7 de maio de 2022 ao norte-americano Todd Boehly, que, em conjunto com o sócio Mark Walter, detém os Los Angeles Dodgers (basebol), os Los Angeles Lakers (basquetebol) e os Los Angeles Sparks (basquetebol feminino), e já depois dos londrinos passou a controlar os franceses do Estrasburgo.

O empresário nunca escondeu a vontade de juntar mais escudos ao seu portfólio e há meses que se fala no interesse do Chelsea no Sporting, com Frederico Varandas a admitir finalmente, já no último mês, que uma participação minoritária poderia ser de interesse para os leões.

Manchester City com um ano repleto de conquistas (IMAGO / Xinhua)

O exemplo Manchester City

A Premier League é o El Dorado para investidores de todo o mundo, fruto dos valores astronómicos pagos pelos direitos televisivos. Muitos investiram para reinvestiram. Esse não é o caso do Manchester City, porque simplesmente não precisa. 

O campeão do mundo de clubes e vencedor da última Liga dos Campeões, integra o vasto império do City Football Group, detido em 81% pelo Abu Dhabi United Group (Emirados Árabes Unidos), 18% pela Silver Lake (Estados Unidos) e 1% pela CITIC Capital (China). 

Em 2008, o Sheik Mansour comprou a parte do primeiro ministro da Tailândia Thaksin Shinawatra e a expansão começou: New York City (2013), Melbourne City (2014), Yokohama Marinos (2014, mas apenas 20%), Montevideo City Torque (2017, ex-Club Atletico Torque), Girona (2017, 44%), Sichuan Jiniu (2019, 46,7%), Mumbai City FC (2019, 66%), Lommel (2020, 99%), Troyes (2020, 100%), Bahia (2022, 90%) e Palermo (2022, 94,9%). Há ainda parcerias com o Bolívar (Bolívia), o Vannes (França) e o Geyland International (Singapura).

Do outro lado da cidade, o Manchester United viu a família Glazer comprar cada vez mais participações até dominar por completo em Old Trafford, não evitando, no entanto, que um grupo de associados desertasse e fundasse, em 2005, o FC United of Manchester, hoje o clube com maior número de adeptos como donos e que compete no sétimo escalão inglês. Entretanto, no clube-mãe a dívida cresceu até atingir, no final de 2019, cerca de 580 milhões de euros. Os Glazer começaram a mostrar disponibilidade para vender, e Jim Ratcliffe, dono da INEOS, a quarta maior empresa química do mundo, aceitou comprar 25 por cento das ações e tomar conta do futebol, juntando os Red Devils aos franceses do Nice, aos suíços do Lausanne e… à parceria com a Mercedes na Fórmula 1.

Bruno Fernandes em ação diante o Aston Villa (Foto: Sportimage/IMAGO)

O maior rival de qualquer mancunian, o Liverpool, pertence à Fenway Sports Group, que depois de ser parceiro do Fulham viu nos Reds um muito melhor investimento. A empresa detém ainda a histórica equipa de basebol Boston Red Sox. O antigo banqueiro Gerry Cardinale, que conta com uma participação na Fenway, é igualmente o fundador da Red Bird Capital, sociedade de investimento com ligações a atletas como LeBron James, que adquiriu os italianos do Milan e os franceses do Toulouse, adversário do Benfica na Liga Europa.

Em Birmingham, o Aston Villa é liderado pelo egípcio Nassef Sawiris, o segundo homem mais rico de África. Ao seu lado nos Villains, aquele que se tornou também o diretor supervisor da Adidas em 2016 tem Wes Edens. O norte-americano é igualmente coproprietário desde 2014 da franchise da NBA Milwaukee Bucks, para além de ter criado uma empresa de desenvolvimento de energias renováveis à escala global assim que vendeu a Fortress, que tinha fundado, dedicada ao capital de risco. Em fevereiro de 2023, a dupla entrou no V. Guimarães, com a aquisição de 46 por cento por cinco milhões de euros e a obrigatoriedade de desenvolver em dois anos o complexo desportivo e criar uma linha de crédito de 20 milhões.

No lendário Nottingham Forest, vencedor de duas Taças dos Clubes Campeões Europeus, mora o grego Evangelos Marinakis. Compositor, letrista, político e apaixonado por cinema, é proprietário de uma companhia marítima e de uma frota de 170 barcos. Acumula os Reds com o Olympiakos e, há poucas semanas, viu luz verde para se tornar principal acionista do Rio Ave, onde investirá 20,5 milhões, comprometendo-se ao reforço do plantel. 

Evangelos Marinakis (IMAGO/ANE Edition)

Bill Foley, empresário proprietário dos Vegas Golden Knights (hóquei no gelo) e de uma das maiores companhias de seguros norte-americanas, a Fidelity Antifonal Financial, adquiriu o Bournemouth em 2022 e ainda 40% dos franceses do Lorient no ano seguinte. 

O Crystal Palace ainda tem ao comando o norte-americano John Textor, que assumiu 45% dos Eagles (que agora quer vender), e manteve o inglês Steve Parish como presidente, espalhando posteriormente a sua influência por Lyon (França), Botafogo (Brasil), Molenbeek (Bélgica) e FC Florida (Estados Unidos), após piscar o olho ao Benfica. Parish tinha salvado o clube da insolvência pela segunda vez em 2010 e foi abdicando progressivamente da sua quota. Joshua Harris, bilionário e dono dos New Jersey Devils (NHL) e dos Philadelphia 76ers (NBA); e David S. Blitzer, que tem participações não só nessas duas franchises, mas também nos belgas do Beveren, nos neerlandeses do Den Hag, nos alemães do Augsburgo (esteve ainda interessado no Chelsea na altura de Bohely), mantêm cada um 18% após a chegada de Textor, que reduziu sim a fatia do antigo dono a apenas 10%.

John Textor (Foto: IMAGO)

Ainda em Londres, o West Ham é propriedade do galês, ex-pornógrafo, David Sullivan (51%), conhecido por ser o antigo dono dos jornais Daily Sport e Sunday Sport, vendidos em 2007 por 40 milhões de libras. Vanessa Gold, filha do falecido inglês David Gold, antigo presidente do Birmingham, conta com 25,1%, e o norte-americano Albert Smith, responsável por uma empresa de serviços financeiros 8%. Em 2021, registou-se uma alteração no equilíbrio de poder nos Hammers, com o bilionário checo Daniel Kretínsky, que detém o Sparta Praga, a comprar 27%, tornando-se o segundo acionista mais poderoso e diminuindo as fatias de Gold e Sullivan. Kretínsky, proprietário ainda da maior companhia de energia da Europa Central e com participações (15%) no Royal Mail e na companhia de investimento Vesa Equitity Investment (19%) foi o responsável por levar para Londres jogadores como Vladimir Coufal, Tomas Soucek e Alex Kral.

Nos Blades de Sheffield, mora o filho de um príncipe saudita: Abdullah bin Nusa’ad bin Abdulaziz Al Saud, também proprietário do Beerschot de Antuérpia, na Bélgica. Depois de ter liderado o Al-Hilal FC de 2002 a 2004 no seu país natal, tornou-se dono do Al-Hilal United no Dubai em 2020. Além das franchises desportivas, possui interesses na produção de papel. 

No Brentford, as decisões são tomadas desde 2012 por Matthew Benham, que é ainda o principal acionista dos dinamarqueses do FC Midtjylland. Fundador da Smartodds, uma companhia de pesquisa para gamblers profissionais, e dono da Matchbook, empresa de apostas, Benham implementou um modelo de tomada de decisão assente em dados analíticos. O Brentford subiu da League One à Premier, já o Midtjylland foi três vezes campeão. 

À frente do Brighton & Hove Albion (75,61%) está o jogador profissional de póquer, ligado às apostas e ao investimento imobiliário, Tony Bloom, também CEO dos belgas do Saint-Gilloise. 

Benham e Bloom são as exceções: na Premier, são os únicos ingleses também donos de um clube no estrangeiro.

Mais capital estrangeiro

Ainda só a pensar em si próprios estão vários emblemas, embora isso também deva ser considerada situação a curto prazo, face ao que se passa com o vizinho do lado. Com o investimento estrangeiro e sucesso correspondente, a tendência será para continuar a expansão.

Jogadores do Newcastle celebram a vitória (IMAGO)

A 7 de outubro de 2021, não sem enorme polémica associada e que terá envolvido pressões, posteriormente negadas, sobre o então governo de Boris Johnson e sobre o presidente da Premier League, Gary Hoffman, 80% das ações do Newcastle foram adquiridas pelo Public Investment Fund. Nada mais do que um instrumento do regime saudita, mesmo depois de liga ter pedido garantias de que o clube não seria controlado por um Estado. O atual presidente Yasir Al-Rumayyan é inclusive um membro do governo saudita. A Amnistia Internacional chegou a requerer que a situação fosse investigada, o que não terá acontecido até hoje, pelo menos de uma forma pública. 

Adversários do FC Porto na Liga dos Campeões, o Arsenal é propriedade do norte-americano Enos Kroenke e da Kroenke Sports & Entertainment, que detém ainda os Los Angels Rams da NFL (futebol norte-americano), os Denver Nuggets da NBA (basquetebol), os Colorado Avalanche da NHL (hóquei no gelo), os Colorado Rapids da MLS (futebol) e os Colorado Mamoth (Lacrosse), vários canais de televisão e ainda as infraestruturas SofiStadium na Califórnia, o Emirates em Londres, a Ball Arena e o FirstBank Center em Denver e o Dick’s Sporting Goods Stadium no Colorado. Como se percebe, o grupo evoluiu bastante no ramo imobiliário.

Em dezembro de 2020, a empresa de investimento ALK Capital comprou 84 por cento do Burnley através da sucursal Velocity Sports Partners. A ALK é liderada por Alan Pace, um guru de Wall Street com experiência em investimentos na área do desporto e da tecnologia. Pouco antes da aquisição do clube, gerido pela primeira vez sem ser por empresários ou adeptos, mas que acumulou uma dívida que antes não tinha devido ao investimento ter sido via crédito bancário com juros elevados, registou investimentos avultados em software de análise como o AiScout e o Player LENS. 

O Fulham de Marco Silva e João Palhinha é dirigido pelo norte-americano de origem paquistanesa Shakid Khan, dono da Flex-n-Gate, empresa de produção de peças de automóvel, da equipa de futebol americano Jacksonville Jaguars e da All Elite Wrestling, uma liga profissional de luta livre. 

O Wolverhampton, que ainda conta no plantel com os portugueses José Sá, Nélson Semedo, Toti Gomes e Pedro Neto, é controlado pela chinesa Fosun, uma holding que opera na tecnologia, farmacêutica, seguros e aço, entre outros. Jef Shi é o seu diretor-executivo e as ligações ao futebol português surgem através da relação existente com o agente português Jorge Mendes.

O Everton tem como dono o anglo-iraniano Farzhad Moshiri, presidente e acionista da USM, holding russa com um espectro de interesse que vai da tecnologia e internet à exploração mineira, que 2016 vendeu as ações que detinha no Arsenal para assumir o lado azul de Merseyside. Os Toffees sofreram uma dedução de 10 pontos por irregularidades financeiras, relacionadas com as consequências das sanções aplicadas ao oligarca russo Alisher Usmanov, que patrocinava o clube por vários meios, na sequência da invasão da Ucrânia.

Goodison Park (Foto: Luís Mateus/A Bola)

Os resistentes de Sua Majestade

Já falámos no Brentford e do Brighton acima, mas quais são então os outros dois resistentes com dono inglês na Premier League

O Luton Town é o único clube que pertence aos sócios, o que o torna bem especial num ecossistema em que situações semelhantes são raras.

Por sua vez, o Tottenham é detido em 86,6% pela ENIC (English National Investment Group), que por sua vez tem dois acionistas: o investidor Joe Lewis (70,6%) e o presidente desde 2001, aquele que há mais tempo está no cargo na Premier League, Daniel Levy (29,4%). Ambos são de origens judaicas, e Levy chegou a ser diretor do Rangers, onde a ENIC detinha uma participação (teve outras no AEK, Vicenza e Basileia, respetivamente na Grécia, em Itália e na Suíça). Adepto dos Spurs, Levy tentou comprar, sem sucesso, o Tottenham a Alan Sugar em 1998 e 2000, mas o descontentamento dos adeptos pressionou mesmo o antigo dono a vender, o que aconteceu no final desse ano. 

Lois Openda festeja com os companheiros mais um golo pelo Leipzig (Foto: opokupix/IMAGO)

Red Bull e um PSG a preparar o caminho?

Fora do Reino Unido, comparável ao império do City Group só aquele que Dietrich Mateschitz construiu na Red Bull e que, com a sua morte, passou para o filho Mark. O Leipzig e, depois, o Salzburgo estão no topo de uma pirâmide que conta ainda com os brasileiros Bragantino e Bragantino II (ex-Red Bull Brasil) e os New York Red Bulls, nos Estados Unidos.

Já em França, não se saberá bem se o SC Braga, do qual adquiriu 21,7 por cento das ações, é ou não o início de uma expansão à medida saudita por parte da realeza do Catar, que detém, através da Qatar Sports Investment, o Paris Saint-Germain, contudo é certo que há alguma ideia nesse sentido em Nasser Al-Khelaifi, o rosto dos parisienses e ainda diretor-executivo da BeIN Media Group. 

Os minhotos vão votar, por sua vez, em fevereiro a anulação do artigo dos estatutos que obriga que a maioria da SAD seja controlada pelo clube, o que poderá abrir a porta a um maior (e eventualmente dominante) investimento proveniente do Golfo Pérsico.