Em dia de clássico no Dragão, A BOLA lançou o desafio a dois dos comentadores habituais em A BOLA TV e em abola.pt, Alexandre Costa e Paulo Robles. Cada um veste a pele de treinador de um dos rivais e explica o que faria para vencer o adversário desta sexta-feira. Aqui, Alexandre Costa faz de Martín Anselmi
Construir identidade como desafio supremo
Construir uma identidade de jogo é, talvez, o desafio supremo de um treinador. Este ganha dificuldade acrescida quando a época vai a meio: não só é preciso reconfigurar processos de treino e de jogo, adaptar as soluções existentes no plantel, como ainda é preciso fazê-lo treinando poucas vezes, e não tendo espaço para errar a cada jogo.
Não está sozinho o FC Porto neste desiderato, uma vez que os seus rivais passaram por parecido nesta época. O principal desafio de Martín Anselmi, mais do que os referidos antes, será o de transformar um plantel preparado para o 4x3x3 de Vítor Bruno num 3x4x3 que assumiu desde o dia zero, em Belgrado. Como se não bastasse, perdeu duas referências do plantel neste mercado. Galeno poderia actuar como médio ofensivo ou até como lateral e Nico foi, talvez a par de Samu, o melhor jogador do FC Porto na primeira metade da época.
As dúvidas no onze titular começam logo no eixo da defesa, sector que, através de erros infantis, entregou um ponto aos vila-condenses na última jornada. Otávio e Nehuén Pérez redimiram-se com um golo cada, mas cometeram erros inaceitáveis e deixaram dúvidas sobre a viabilidade da sua utilização nesta forma de jogar. Poderão crescer, claro, até porque as alternativas são poucas. Otávio é o único central canhoto do plantel (Marcano não conta), o que será útil numa linha de três, e tem características físicas únicas. Está, contudo, fora devido a suspensão. Nehuén Pérez é uma aposta que chegou para liderar o setor, mas é inegável que a equipa perdeu qualidade na saída de bola por comparação com a utilização de Eustáquio na mesma posição no jogo frente ao Maccabi. Outra possibilidade é ainda a integração de Zé Pedro, quer seja a jogar por fora, quer seja no centro. Não é o melhor central do FC Porto, mas parece menos propenso ao erro que os restantes.
É claro que a equipa ataca melhor com Eustáquio, ganha qualidade na construção e emerge a possibilidade de uma sub-dinâmica, em que o central se posiciona para receber nas costas da primeira pressão. Contudo, a saída de Nico pode forçar Eustáquio a subir para jogar ao lado de Alan Varela, a menos que Anselmi opte por Vasco Sousa. Tomás Pérez terá também chegado para jogar nestes lugares, mas não sabemos em que condição física se encontra. Este setor é decisivo para o FC Porto, quer seja na saída de bola (em que muito errou a equipa no último jogo), quer seja na forma como, em organização defensiva, os centrais serão forçados a saltar na pressão entre linhas, para impedir a superioridade numérica do Sporting por dentro.
Não há motivos razoáveis para Moura e João Mário não repetirem a titularidade. João Mário mais por dentro e Moura mais à largura, criaram desequilíbrios e contribuíram para uma exibição que, ofensivamente, foi mais competente do que em Belgrado. Mora foi o melhor frente ao Rio Ave e, actuando como um terceiro médio, complementa bem as incursões de Moura à largura. Gonçalo Borges continua sem convencer e pode dar lugar a Pepê frente ao Sporting. Alan Varela e Eustáquio (ou caso seja utilizado a central, Vasco Sousa) deverão repetir a titularidade. Samu será o titular na frente de ataque.
O FC Porto joga em casa e tem de ganhar. Uma derrota cavará um fosso sem retorno. Como tal, é expectável que a abordagem corajosa de Anselmi, com referências individuais numa pressão a campo inteiro, e a envolvência de muitos jogadores em zonas de finalização, seja para continuar. Contudo, como será caso o Sporting consiga bater essa primeira pressão? Como já vimos, falta tempo e trabalho ao FC Porto, e ser lento ou pouco eficaz a pressionar abrirá espaços. A possível entrada de Eustáquio trará qualidade na construção e mais soluções na chegada ao último terço, mas pode criar novos problemas na coordenação da linha defensiva. Diga-se que o FC Porto deixou pontos em Vila do Conde por erros ofensivos, com bola, embora tenham sido protagonizados por defesas. A equipa com Eustáquio como central será, inevitavelmente, mais permeável sem bola, ainda para mais quando se perspectiva o regresso de Gyokeres.
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O Sporting de Rui Borges tem sentido dificuldades sempre que o adversário sobe de nível (Bolonha, RB Leipzig e V. Guimarães) e a equipa parece esgotada pelas sucessivas lesões. A lesão de Catamo juntou-se a um rol do qual se perspetiva, para este jogo, a saída de Morita e de Gyokeres. Em sentido contrário, um empate não será terrível para os leões, que mesmo que vejam o Benfica aproximar-se, circunscrevem a corrida a dois candidatos. Isso e a quebra física dos leões pode justificar uma abordagem mais especulativa da equipa leonina, que pode aproveitar a pressa da equipa portista para ser mais incisiva com bola, procurando o ataque à profundidade de Gyokeres ou de Harder. Assumindo a entrada forte da equipa do FC Porto, obrigada a correr atrás na classificação, a qualidade individual dos jogadores do Sporting poderá desmontar a pouco rotinada pressão portista, criando espaços para Quenda e Gyokeres explorarem.
Por outro lado, também o jogo entre linhas leonino, exponenciado por Trincão e Queda (caso jogue pela direita), pode ser problema para uma tripla de centrais que ainda não se conhece a si própria. Se o meio-campo está em inferioridade numérica, quem salta na pressão? Com um dos centrais a saltar no jogo entre linhas adversário, como se organizará a linha de cinco?
Tem sido também notório que a equipa do Sporting, muito em função das inúmeras ausências, está fisicamente esgotada. Isto pode oferecer uma explicação para as dificuldades que a equipa tem tido em jogos de nível superior, mas pode tornar-se num problema, mais não seja pela dificuldade em gerir a fadiga ao longo do jogo. Rui Borges pode ir trocando jogadores, mas as segundas linhas serão, inevitavelmente, piores opções.
Por fim, é curioso verificar que depois de anos a ver o 3x4x3 de Amorim e o 4x3x3 de Conceição digladiarem-se, veremos uma inversão de sistemas. Borges tem a vantagem do tempo e da classificação, Anselmi conta com o arrojo de ideias e com a pressa de vencer. Será, certamente, uma grande batalha.