João Costa recorda com saudade todos os 'montros' com quem tanto aprendeu nos azuis e brancos (Foto: Miguel Nunes)
João Costa recorda com saudade todos os 'montros' com quem tanto aprendeu nos azuis e brancos (Foto: Miguel Nunes)

ENTREVISTA A BOLA Ganhou todos os títulos na formação, trabalhou com Casillas, Helton e José Sá e recorda «exigência» de Sérgio Conceição

NACIONAL17.06.202511:00

Pode não ser caso inédito, mas muito comum não será com toda a certeza. João Costa ganhou todos os títulos que havia para ganhar ao longo do seu percurso formativo. Foi uma das grandes esperanças dos dragões e das equipas jovens de Portugal, sendo que, chegado à equipa principal, trabalhou com autênticos vultos das balizas dos dragões. O orgulho, os sonhos que ainda tem e a ambição tricolor para 2025/2026

Ainda que não jogando na equipa principal do FC Porto, teve sucesso na equipa B, com a conquista da Liga 2. Esse período começa a dar o sentimento de vem aí uma carreira?

- Foi. Até ali, tinha sido tudo fácil e eu dava tudo como garantido. Ganhei os títulos todos na formação e a equipa B foi o culminar desse êxito. Tudo muda quando passo para a equipa principal, continuo a jogar na equipa B e tenho uma lesão grave. Aí já comecei a mudar a maneira de pensar e a perceber que num clube grande, em que os nossos colegas também têm muita qualidade, uma lesão faz com que outro colega se mostre e nós temos de conquistar tudo de novo. Mas até aí foi uma formação dourada, porque conquistei tudo o que havia para conquistar.

Sente-se um privilegiado por ter feito a formação num clube com a dimensão do FC Porto?

- Hoje, sinto-me ainda mais privilegiado ainda. Porque percebo que as bases, humanas e desportivas, fazem-me ser quem sou. E foi o que me ensinaram naquele clube, a mística que me transmitiram, que me levou a não baixar os braços em determinados momentos de dúvida. Na formação do FC Porto temos de ser homens muito mais cedo, temos de ir para a escola sozinhos e isso leva-nos a crescer muito mais rápido. Claro que temos acompanhamento, mas temos de ter cuidados com a alimentação, com o tempo de descanso e tudo isso numa casa e não numa academia. Era liberdade com responsabilidade.

Trabalhou com autênticos vultos da baliza do FC Porto, como Casillas, Helton e José Sá. Mesmo sem jogar, foi um ano importante?

- Muito importante, mesmo. Porque começo a pensar desde muito jovem o que é necessário para jogar ao mais alto nível. Eles eram exemplos de qualidade, liderança, títulos, e aprendi muito com eles. Hoje consigo passar essa liderança e tento ser um exemplo para os mais jovens e um profissional de excelência. Aprendi a tirar o melhor de cada um. Todos eles eram abertos a ensinar e eu era adorado por todos. Acho que era um menino querido [risos]. Não é por acaso que o Helton foi ao meu casamento e que quando eu fui para Espanha o Iker [Casillas] dava boas indicações minhas a quem lhe ligava. O José Sá também vinha de um processo de ser uma jovem promessa e vi como é que estava a lidar com isso, sendo também um exemplo para mim. Tal como quando fui para Espanha [Granada] estive com o Rui Silva, outro grande guarda-redes e que foi muito importante para mim.

Teve sempre bases familiares de apoio às decisões?

- A base de tudo está em quem nos rodeia. Família, amigos mais próximos, a minha mulher, a minha filha, o tipo de agentes e a equipa pessoal que trabalha comigo. Quando passamos todos a mesma energia faz toda a diferença para que não caiamos e para que não nos metamos por caminhos que não devemos meter. Sou um privilegiado porque sinto um orgulho enorme em poder fazer este percurso com o meu seio mais próximo.

Foi internacional dos sub-16 aos sub-20. Também um percurso de orgulho?

- Claramente. Tive uma formação muito forte nas seleções e apenas ficou a faltar participar num Europeu ou num Mundial. Mas levo as amizades que fiz e os grandes craques com quem ainda me dou, tal como os grandes treinadores que ainda continuam a formar jovens. Aprendi muita coisa e sou muito grato por isso. Gostaria de ter chegado aos sub-21 e à seleção principal, mas depois acabei por ter uma lesão grave.

Está com 29 anos. Chegar à seleção principal é um sonho ou um objetivo que tem?

- Costumo dizer que todos os sonhos são metas, são objetivos. Não só no futebol como na vida. É isso que eu faço e para mim isso é um sonho. A idade não impede nada, até porque como já disse não coloco limites e gosto de superar-me. Ao longo da minha carreira, quando dizem que eu não consigo, é quando mais gosto de dar a resposta. Acredito que ainda possa conseguir.

Que treinadores mais o marcaram?

- Já tive grandes treinadores. Mas diria que o que me marcou mais foi o último que tive em Espanha, o Mario Simón, no Murcia, porque no momento mais difícil da minha carreira, em que eu estava a ser contestado na equipa onde estava, acreditou em mim, segurou-me, e eu atingi um grande nível e conquistei todos os adeptos do clube. Se naquele momento ele não me segurasse, se não acreditasse em mim como acreditou, a minha carreira poderia ter tido outro rumo. Houve outros dois treinadores que me marcaram, o mister Luís Castro, que já me acompanhava na formação do FC Porto, porque era o coordenador, e que depois foi meu treinador na equipa B, onde ganhámos a Liga 2 numa equipa que desfrutava muito a jogar, e depois o Sérgio Conceição. A exigência que ele tinha todos os dias é algo com que eu me identifico muito hoje. Na altura talvez não tenha dado tanto valor, mas hoje dou mesmo muito valor [a essa exigência].

E quais os jogadores que mais o marcaram?

- Além do Rui Silva, como já falei, há também o Jorge Fernandes [ex-Vitória de Guimarães], um grande amigo que está na Arábia Saudita. Jogámos juntos no FC Porto, fomos campeões e até chegámos a estar juntos na primeira equipa. Somos amigos há mais de 20 anos. É uma pessoa muito importante para mim. A carreira, os títulos e o dinheiro passam, mas não há nada que pague as amizades e as histórias. O Rui e o Jorge são as pessoas que mais me marcaram ao longo da minha carreira.

Guarda-redes dos tricolores abriu o coração e falou sobre tudo... e todos (Foto: Miguel Nunes)

Voltemos à atualidade e ao Estrela da Amadora. Como perspetiva a próxima época?

- Uma época com mais regularidade. A título pessoal, desejo demonstrar durante um ano aquilo que fiz nos últimos seis meses. Isso seria também outra conquista para mim. Enquanto clube e equipa, espero que consigamos fazer uma época mais regular e dar continuidade ao trabalho que fizemos. Desde que eu cheguei hoje muitas mudanças, com entradas e saídas de jogadores, e ter de assimilar rápido, sem uma pré-temporada, faz muita diferença. Penso que podemos dar um salto grande enquanto equipa. Em conjunto podemos pegar nos processos do mister e colocá-los em prática para fazermos tudo com mais regularidade.

O presidente Paulo Lopo confirmou que José Faria vai continuar a ser o treinador. Esse facto vai permitir subir a qualidade?

- Claro que sim. Nós já conhecemos o mister e as suas ideias, ele já nos conhece e é uma pessoa da casa. Sabe onde vai ter dificuldades e nós sabemos aquilo em que ele acredita. Trazendo essa bagagem, vai ser tudo muito mais fácil. Aproveito também para dizer que também sou muito grato ao mister José Faria, que me deu oportunidade de jogar na Liga.

Olhando para a frente, ainda ambiciona chegar a patamares superiores?

- Ambiciono sempre jogar ao mais alto nível. Mas sou uma pessoa que vivo muito o presente e neste momento o meu pensamento é o Estrela da Amadora e a Liga. Quero dar o meu melhor todos os dias e provar que tenho capacidades para jogar na Seleção Nacional e/ou nas competições europeias. Acredito sempre que o trabalho dá esses frutos e que o melhor está para chegar. Mas neste momento a minha cabeça está no Estrela da Amadora.

A «exigência» de Sérgio Conceição

João Costa fez toda a sua formação no FC Porto, ganhou títulos nas camadas jovens e na equipa B e esteve, depois, um ano a trabalhar com a elite, com Sérgio Conceição ao leme. Durante esse período não jogou, até porque a concorrência era feroz, mas os métodos de trabalho e o profissionalismo do técnico encheram-lhe as medidas.

«Quando somos jovens achamos que estamos sempre prontos para o desafio. Mas hoje é que estou mesmo pronto para o desafio. Na altura, se calhar não dava valor. Não é que eu não trabalhasse, porque trabalhava, mas hoje faço-o de uma maneira exímia, não falho em nada e dou tudo de mim. Eu meço o sono, tenho cuidado com tudo o que como, às vezes até em exagero. Às vezes gostava de ajudar mais a minha mulher, mas tenho de ir dormir. E isso a longo prazo faz-me manter a regularidade que tenho tido. Tudo o que vivi com o mister Sérgio [Conceição] é tudo aquilo com que me identifico, hoje, a nível de trabalho. O profissional de excelência que tem de ser-se para jogar no topo é tudo o que tento ser. Ainda há pouco tempo a mulher do Cristiano [Ronaldo] disse que ele se priva de tudo e mais alguma coisa e que as pessoas acham que ele é obcecado e louco. Para mim não é loucura, por isso é que é o maior exemplo. Eu pego em tudo o que possa melhorar e talvez por isso é que neste momento estou no auge da minha carreira», admite.