De Jorge Gomes a Marcos Leonardo: 40 avançados brasileiros do Benfica
Jorge Gomes ficou na história como o primeiro estrangeiro a jogar no Benfica (ASF)

De Jorge Gomes a Marcos Leonardo: 40 avançados brasileiros do Benfica

NACIONAL05.01.202412:52

Da AG de 1 de julho de 1978 até hoje, a relação do Benfica com o Brasil trouxe de tudo. Houve Jonas e houve Clóvis. E Marcos Leonardo?

Marcos Leonardo é a mais recente aposta do Benfica no mercado brasileiro, que já lhe deu de tudo. O maior goleador, Jonas, chegou a custo zero, na condição de desempregado, oriundo de Valência; craques acima de qualquer suspeita, como Paulo Nunes ou Gabigol, tiveram passagens efémeras; e acabaram por ser apostas no mercado interno, Isaías adquirido ao Boavista e Lima ao SC Braga, a mostrarem-se influentes e inesquecíveis. No Benfica houve de tudo, desde a fase em que vinham grandes nomes, como Valdo, até alturas em que tudo o que mexia no Brasil tinha direito a atravessar o Atlântico rumo à Luz. Os últimos anos trouxeram alguma assertividade, mas nem mesmo assim existem certezas absolutas, porque no futebol não há apostas à prova de bala. 

Na corrente temporada, para suprir a falta de Gonçalo Ramos, o Benfica pagou 24 milhões por Arthur Cabral que, em tese, tinha tudo para dar certo. Mas, até ver, não deu, essencialmente por não mostrar capacidade de enquadramento no modelo de jogo pressionante de Roger Schmidt.

Chega agora Marcos Leonardo, 40.º avançado brasileiro da história do Benfica, rotulado de grande esperança, que deverá dizer, no futuro próximo, se já está pronto a ajudar os encarnados nesta época decisiva de 2023/24, ou se só irá entrar nas contas da próxima temporada.

Importância do 25 de abril

Tudo começou com o 25 de Abril de 1974. A Revolução dos Cravos acelerou o processo de independência das Colónias, e até 11 de novembro de 1975, data em que Angola, a penúltima das possessões espalhadas pelo Mundo de Portugal, se tornou independente (faltaria Timor-Leste, que só o conseguiu em 1999, por razões que a história registou), os campos de recrutamento fora do Continente e Ilhas de todos clubes nacionais, mas especialmente do Benfica, que estatutariamente só permitia que a sua camisola fosse envergada por portugueses, eram escrutinados no Ultramar por centenas de olheiros amadores. De Moçambique chegaram, entre muitos outros, Mário Coluna, Costa Pereira, Eusébio da Silva Ferreira, Sheu-Han, Messias e mesmo Nené, que apesar de ter nascido em Leça da Palmeira cedo foi para a cidade da Beira, onde começou a jogar futebol no Ferroviário da Manga; Cabo Verde era o local de origem de Alberto e Carlos Alhinho; de Angola vieram Rui Jordão, José Águas, Santana, Iaúca ou Cavungi; e da Guiné-Bissau, Reinaldo, e mesmo de Samuel ou Kenedy, que nasceram com a nacionalidade portuguesa antes da independência de Bissau.

Em simultâneo com a perda deste filão africano que tinha cobertura estatutária (será bom lembrar que entre os futebolistas de eleição que tornaram o Benfica bicampeão europeu na década de sessenta do século XX, estavam os ultramarinos Costa Pereira, Coluna, José Águas, Santana e Eusébio, que marcaram seis dos oito golos do Benfica a Barcelona e Real Madrid), ocorreu outro facto, também gerado, muito justamente, aliás, pelo 25 de Abril de 1974, que debilitou o Benfica: o fim da lei da opção, que impedia que os jogadores, mesmo finalizado o contrato, assinassem por outro clube sem autorização/compensação da sua entidade patronal cessante, um pouco à imagem do que foi feito durante décadas, com os atores de cinema, pelos estúdios de Hollywood. Foi já nesse contexto pós-lei da opção que o Benfica viu sair jogadores tão importantes como Rui Jordão, Artur Correia, Eurico Gomes ou Nelinho, todos internacionais, o que provocou um desequilíbrio estrutural no funcionamento do clube, que passou de tricampeão nacional (1974/75, 1975/76 e 1976/77) a não ganhar nenhum dos três títulos seguintes, dois conquistados pelo FC Porto e um pelo Sporting. Estes rivais históricos do Benfica, sem limitações estatutárias, sempre procuraram jogadores estrangeiros que enriquecessem as suas fileiras, e contrataram, entre dezenas de futebolistas, desde a década de 20 do século passado, nomes como Siska, Herédia, Cubillas e Flávio (FC Porto), ou Juan Seminario, Mokuna, Osvaldo Silva e Yazalde, e mais tarde o divino Salif Keita (Sporting). 

Apercebendo-se do perigo que o Benfica corria de ser ultrapassado, a 12 de outubro de 1976, ainda na presidência de Borges Coutinho, houve uma primeira tentativa de um grupo de sócios, liderados por Jaime Catarino Duarte, de fazer passar em Assembleia Geral uma norma que alterasse os estatutos e permitisse a contratação de estrangeiros. Depois de muita e acalorada discussão, foi marcada para 29 de outubro nova reunião magna para discutir especificamente esse tema. Porém, com o Benfica a correr para o tri, as vistas foram curtas e a letra da lei manteve-se. Mas esta tradição fundacional benfiquista, pela alteração de circunstâncias, tinha os dias contados.

Dois anos mais tarde, a 1 de julho de 1978, já no consulado de José Ferreira Queimado, o assunto voltou a votação e numa Assembleia Geral que juntou 534 sócios foi decidido, com 347 votos a favor, que o Benfica poderia passar a contratar jogadores estrangeiros. Feita a ponderação, e já que cada sócio com mais de dez anos valia vinte votos enquanto os que tinham menos de uma década de associado só tinham direito a um voto, a proposta de alteração dos estatutos acabou por passar com 5952 votos a favor e 3550 contra. Em A BOLA, pela pena de Cruz dos Santos, foi relatada assim essa histórica AG, presidida por Adriano Afonso: «O desencontro de opiniões deu origem ao que pode tomar-se por espelho da falta de civismo do pobre país que somos, pois a decisão só foi tomada quase ao cabo de 8 horas de discussão de uma das assembleias mais deploráveis a que temos assistido, porque ninguém foi poupado quando usou do direito de dizer o que pensava sobre o assunto, tudo aquilo esteve largo tempo transformado em pandemónio de tumultos, entre apupos, assobios e gritos em coro.»

O passo estava dado e o capítulo que se seguiria seria o da chegada de não-portugueses ao clube da Luz, ainda de forma tímida, em função de uma legislação federativa que limitava o número de estrangeiros em campo, embora atribuísse dupla nacionalidade aos futebolistas brasileiros que preenchessem determinados requisitos. 

Um início comedido

Jorge Gomes da Silva Filho, agora com 69 anos, natural do Rio de Janeiro, foi o primeiro estrangeiro a representar o Sport Lisboa e Benfica, corria a temporada de 1979/80. Contratado ao Boavista, Jorge Gomes, chegado à Luz pela mão de Mário Wilson, que o utilizou nessa temporada em 15 jogos, sagrar-se-ia campeão nacional em 1980/81 sob o comando de Lajos Baroti, que na época seguinte o colocou em campo em 30 partidas. Depois, na pré-temporada de 1982/83, antes de um treino no Estádio da Luz, colidiu frontalmente com Sven-Goran Eriksson, e acabou por ser transferido para o SC Braga. O Benfica ficava, então, no plantel com um outro estrangeiro, César, contratado ao América do Rio de Janeiro já depois de Jorge Gomes estar no clube. Mas César — que tinha dado ao Benfica a Taça de Portugal de 1979/80, ao marcar a João Fonseca um golo de extraordinária qualidade, numa final que ficou para a história pelo número de bandeiras do Sporting que estiveram no vale do Jamor a apoiar o Benfica, numa altura em que a clivagem Norte/Sul no futebol estava no auge — não enchia as medidas de Eriksson, que contava no plantel com Nené, Filipovic, Diamantino e Padinha para a mesma posição. A solução foi, no final do ano civil de 1982, transferir César para o Grêmio de Porto Alegre, onde foi figura de proa na conquista da Taça Libertadores e da Taça Intercontinental de 1983. Foi então, aproveitando a vaga de César (era possível inscrever dois estrangeiros, embora nas provas nacionais apenas pudesse jogar um, e na UEFA dois, e Zoran Filipovic era um deles e intocável), que o Benfica foi contratar um ex-pupilo de Sven-Goran Eriksson no Gotemburgo, Glenn Stromberg.

Espaço para os estrangeiros...

Na época seguinte, a lei alterou-se e passou a ser possível jogar com dois estrangeiros, simultaneamente, nas provas nacionais. Filipovic continuou no Benfica, mas Fernando Martins quis levar para a Luz Cláudio Adão, craque brasileiro, que não agradava ao treinador sueco, que queria contratar o compatriota Nilsson, que tinha sido seu jogador no Gotemburgo e estava na Alemanha. Do braço de ferro em que nem presidente, nem treinador cederam, acabou por resultar a contratação de Michael Manniche, dinamarquês, alto e louro, extremo direito de origem, reciclado em ponta de lança, que acabou por ganhar lugar, em função de muitas lesões de Filipovic. Até 1984, esta foi a história dos jogadores estrangeiros no Benfica, que englobou duas contratações imediatamente cortadas por Eriksson, Jorge Gomes e César, e uma outra, Cláudio Adão, abortada pelo sueco.

Quando Eriksson partiu para Roma, dando o lugar primeiro a Ivic e depois a Csernai, o Benfica, que tinha transferido, por verba recorde, que deu para pagar o fecho do Terceiro Anel, Fernando Chalana para o Bordéus, contratou, ao SC Braga, Wando, excelente jogador que pagou o preço de não ser o pequeno genial.

A partir de aí, as contratações de avançados brasileiros multiplicaram-se, primeiro apontando alto, com Valdo, um dos mais extraordinários estrangeiros que vestiram de águia ao peito, e depois, com Lima, que era um goleador competente, que marcou um golo importante em Marselha, na meia-final que levou o Benfica à final da Champions com o Milan de Sarri, a seguir com Isaías, contratado ao Boavista, que atingiu números estratosféricos. 

A partir de então houve uma vulgarização da contratação de avançados no Brasil, que deu para tudo, de Donizete a Clóvis, de Geovanni a Leônidas, oscilando entre o bom e o medíocre. Mas houve ainda jogadores de primeira linha, como Paulo Nunes, Roger e mais tarde Gabigol, que nunca conheceram na Luz o enquadramento necessário para chegarem ao sucesso, algo que parece estar a repetir-se com Arthur Cabral.

O efeito da Lei-Bosman

Jonas festeja golo marcado ao Arouca, após passe de Ola John, na estreia pelo Benfica. Foto: Sérgio Miguel Santos/ASF

Nos anos de Vale e Azevedo, já depois da lei-Bosman, que virou do avesso todas as lógicas vigentes ao romper com as barreiras à utilização de jogadores do espaço da União Europeia, não houve avançados brasileiros no Benfica, tendo retornado em força a procura por esse mercado com Jorge Jesus, numa fase ainda empírica em que o mestre da tática dizia passar a noite a ver jogos do Brasileirão no PFC. Alan Kardek e Éder Luís são dessa fase, enquanto Keirrison, por quem o Barcelona pagou uma fortuna, e a seguir emprestou-o ao Benfica, foi um flop.

Foi então que os encarnados encontraram o mapa da mina. Primeiro foi a contratação de Lima ao SC Braga, que foi um sucesso. O brasileiro tornou-se num parceiro-operário de luxo, primeiro de Óscar Cardozo e depois de Jonas. Lima foi mais útil que Bruno César e até do que Talisca, deixando um legado na Luz. Seguiu-se Jonas, o melhor avançado brasileiro na história do Benfica, com a absurda média de 0,75 golos por jogo. E o mais interessante é que o Benfica contratou Jonas — que o Valência não quis — a custo zero, na condição de desempregado, e fez dele titular da seleção brasileira. A marca do Pistolas, fina, elegante e letal, perdurará na história do Benfica, e prova que é possível, desde que se ande de olhos bem abertos, encontrar oportunidades de retorno desportivo onde menos se espera. A partir de Jonas, apesar da proficuidade mal compreendida de Carlos Vinícius, e da aposta firme e mal sucedida em Everton Cebolinha, que se seguiu ao flop de Pedrinho, David Neres acabou por revelar-se de grande qualidade e utilidade, num Benfica de Schmidt que precisa desesperadamente de abre-latas, e que apostou em Arthur Cabral para suprir o adeus de Gonçalo Ramos, sem que o brasileiro mostre qualquer conforto na adaptação ao plano de jogo do antigo treinador do PSV.

Marcos Leonardo, de quem dizem maravilhas, é o senhor que se segue, e parece chegar num estado de prontidão razoável. E a questão não é saber-se se é bom jogador, mas se consegue encaixar-se no futebol de Roger Schmidt. Trata-se de uma aposta de futuro, que precisa de mostrar serviço num presente em que a grande e mais cara aposta dos encarnados, Arthur Cabral, sem dúvida bom de bola, tem sido quase sempre um peixe fora de água no mar da Luz. 

Tags: