Schjelderup travado em falta por Reece James durante o Benfica-Chelsea do Mundial de Clubes
Benfica caiu no Mundial de Clubes diante do Chelsea, nos oitavos de final da competição realizada nos Estados Unidos (Foto Miguel Nunes)

Transição rápida

Visão de golo é o espaço de opinião de Rui Águas, treinador e antigo avançado internacional português

Capítulo encerrado: foi uma participação positiva do Benfica na primeira edição do novo Mundial de Clubes, dentro das expectativas consideradas no início razoáveis de passar a fase de grupos. Foi possível contrariar um ilustre e poderoso adversário nunca antes batido e discutir até ao fim a qualificação para os oitavos de final, com o já semifinalista Chelsea. Mas isso tudo já lá vai.

O acabar e o recomeçar, desta vez, quase colam e não há tempo a perder. Uma transição atípica por ser curta, como nunca, que obrigará as equipas participantes no Mundial a trabalhos forçados. Uma gestão especialmente complicada, podemos dizer inédita, que obrigará à criatividade das equipas técnicas, em conjunto com a resistência física e mental dos atletas.

Serão as esperadas dificuldades possíveis de minorar para uma época de sucesso? Os clubes tentam, entretanto, e em tempo recorde, resolver os sempre complicados dossiers que no final das épocas se acumulam. Quem sai e quem entra, é a questão. Agentes, negociações, empréstimos e regressos. Uma canseira estendida até ao fecho do mercado.

PSG

A equipa mais portuguesa do Mundial mantém-se como uma das favoritas depois de ter vencido o jogo com o Bayern cheio de peripécias. Além da emoção e incerteza do resultado, a lesão do jovem Musiala foi chocante, semelhante a uma outra que vivi há já muitos anos.

Então como agora, a lesão não resultou de entrada especialmente violenta, mas sim da posição mais vulnerável em que o lesionado é atingido. A dor é mais mental e resulta da imagem assustadora que vemos e não tanto da dor física provocada pelo choque. Pelo menos, comigo foi assim.

Claro que será sempre uma lesão muito grave, mas relativamente ao passado, o jovem alemão tem a seu favor não só a sua idade, que ajuda às recuperações físicas, como também uma realidade científica bem mais hábil e estabilizada, no que diz respeito aos meios de cirurgia e recuperação. Têm a palavra agora, não só o staff clínico que acompanhará este jovem especialmente talentoso, mas também a sua própria persistência e solidez mental.

De regresso ao jogo, o Bayern foi superior ao PSG na primeira parte, mas sentiu e muito o drama de Musiala, cujo episódio diminuiu a equipa. Mas a vida e o jogo são mundos de momentos e contrastes. Por um lado, João Neves desarma um adversário no momento certo e sem falta, soltando imediatamente na frente para o golo de Doué. Por outro, a melhor maneira que os colegas Pacho e Lucas Hernández arranjaram para festejar foi fazerem-se expulsar incompreensivelmente, colocando em risco a vantagem conseguida. Normalmente quem sofre é que se desorienta, mas não desta vez. Um teste aos nervos de qualquer mister.

O adivinho

Ao contrário do que Neuer vociferou publicamente, condenando Donnarumma pelo sucedido com Musiala, tratou-se de um lance como muitos outros, mas que por vezes correm mal.

A frustração do resultado e o próprio rendimento descontrola alguns atores. No que diz respeito ao guarda-redes alemão, foi dos jogadores em pior nível desta eliminatória. Falámos no recente exemplo de Trubin e do golo sofrido perante o Chelsea. Tentar adivinhar a intenção do avançado é, por vezes, fatal. Foi o que voltou a acontecer neste jogo, agora com o alemão. Descurar o lado pelo qual se é mais responsável deu em golo de Doué, outro jovem fenómeno da atualidade.

Também as saídas a jogar de Neuer só não deram mais golos ao PSG por acaso, tal o ridículo das suas decisões. Para completar, achei cobarde e muito injusto, responsabilizar um colega adversário, ainda mais num momento tão infeliz e traumático para os intervenientes.

Os manos

Embora católico, cada vez mais duvido do critério divino.

Havendo justiça, ela devia manter os melhores em vida. Tolerância pede-se para quem mais a merece, para as boas pessoas.

O efeito da consolação é, nestas alturas, impossível para qualquer família que perde os seus filhos. Diogo Jota, como o seu irmão André, mesmo vítimas do acaso, do destino, ou do que raio for, são homenageados não pela sua capacidade com bola, mas pela sua bondade e valor humano. É por isso que todos nós um dia gostaríamos de ser lembrados. Duas pessoas conhecidas e queridas que não veremos mais.

Luis Enrique também perdeu a sua pequena filha. Quando a ela se refere, consegue extraordinariamente suavizar a perda e dar-lhe um raio de luz e algum sentido, contrariando a natureza que nos arrasta para o desgosto. É um exercício único e que admiro muito, mas que é quase sobrehumano.

É assustador, entretanto, o que o mundo nos continua a trazer diariamente, com a morte de crianças anónimas, sem cara e muito menos culpa. É uma normalidade triste que já ouvimos sem reagir.

Estar ou não estar

Cada um lida com as cerimónias fúnebres consoante a sua religião, vontade e liberdade. No entanto, sem os dramatismos que ouvimos e lemos, penso que a condição de capitão da Seleção Nacional teria merecido de Cristiano Ronaldo a sua presença.

As pessoas são livres de criticar, sim, e fazem-no de preferência pela negativa. Nesse aspeto somos fortíssimos. Mas também há liberdade para decidir estar ou não estar. Na minha vida pessoal, desde a morte dos meus pais, dificilmente vou além do velório da pessoa falecida. Hoje, vejo e sinto o fenómeno triste da morte muito mais espiritual do que presencial.