Porta fechada e tribuna aberta!...
Normalmente, durante a semana, vou pensando o tema ou temas a abordar nesta pagina. Procuro não falar muitas vezes no mesmo assunto, embora alguns, pela sua constante actualidade e actualização, a isso nos obriguem. Esta semana, por exemplo, como aliás já vinha acontecendo enquanto estava na minha pausa eleitoral, muitas pessoas me pediram explicação sobre a responsabilidade criminal das pessoas colectivas. Evidentemente que se estavam a referir às acusações que recaem sobre a SAD do Benfica, designadamente um crime de corrupção activa, um crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem e vinte e oito crimes de falsidade informática.
Acontece, porém, que tinha pensado com os meus botões escrever sobre qualquer outro tema e deixar a questão referida para outra ocasião. Rui Vitória revogou esta minha decisão, pois irritou-me a arrogância com que aquele funcionário do Benfica abordou o empate que este clube acabara de ter com o Desportivo de Chaves: «Respeitem-nos, somos chefes de família. Exigimos respeito de toda a gente. Aceito coisas que a maioria das pessoas não vê, mas há outras que também percebo como são feitas».
Não, sr. Rui Vitória, não percebe! Sabe, que é uma coisa bem diferente e que o senhor não diz por falta de coragem! Lata, porém, não lhe falta ao exigir que os respeitem, porque são chefes de família, só porque o árbitro decidiu expulsar um jogador, ainda por cima um central, logo na semana em que dispensou um e viu outro lesionar-se nesse jogo! Não fora o «respeito» do árbitro do jogo anterior pelo chefe de família Rúben Dias, que deu uma cotovelada num adversário que o senhor deve pensar que não é chefe de família, e talvez agora só tivesse um chefe de família central para desrespeitar!...
Mesmo quando o Benfica ganha, Rui Vitória normalmente vê um jogo diferente dos outros, designadamente daqueles que percebem de futebol, que não é o meu caso! Quando empata ou perde, é o discurso dos chefes de família, como se só ele e os seus jogadores fossem chefes de família. Se calhar tem razão: como normalmente se sente abrigado, os outros são uns sem abrigo.
Por outro lado, constata-se que Rui Vitória domina bem a língua portuguesa, empregando a palavra respeito com propriedade, isto é, mostrando que sabe os significados que essa palavra pode ter. Com efeito, respeito não é apenas o «sentimento que nos impede de fazer ou dizer coisas desagradáveis a alguém», ou o apreço, consideração, deferência que temos por outra pessoa, mas também acatamento, obediência, submissão, medo, receio, temor. Explicando melhor: o árbitro que não expulsou Rúben Dias, quando toda a crítica apontou nesse sentido, respeitou os chefes de família; Conti foi expulso, e bem, segundo os críticos da arbitragem, e Capela não acatou o que devia acatar, não obedeceu ao que devia obedecer, não se submeteu ao que se devia submeter, não teve medo do que devia ter medo, não teve receio do que devia recear, não teve temor diante do que devia temer. Desrespeitou os chefes de família encarnados, segundo Rui Vitória...
Rui Vitória, e já não é de agora, esta infectado pelo princípio da cartilha de que tudo o que é feito ou dito que não é agradável para o Benfica é falta de respeito a esta instituição. Está enganado porque eu, quase toda a gente, não temos nada contra a instituição, antes pelo contrário, temos apreço, consideração, deferência, numa palavra, respeito.
E daqui passo justamente para uma explicação por que é que, por exemplo, a SAD do Benfica é acusada de corrupção quando todos temos a ideia de que uma pessoa colectiva não pode cometer crimes, sendo a responsabilidade criminal própria e exclusiva das pessoas singulares.
Acontece que, segundo a lei, as pessoas colectivas, como a SAD do Benfica, podem ser responsabilizadas, por exemplo, pelo crime de corrupção, quando cometido «em seu nome e no interesse colectivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança» ou «por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem». Independentemente daquela sociedade anónima desportiva vir ou não a ser submetida a julgamento, vir ou não a ser condenada, são aqueles que praticaram os factos que não respeitaram o Benfica, grande instituição nacional e internacional. Não são os críticos ou comentadores que cometeram os factos que se enquadram em corrupção, que escreveram mails ou fizeram ofertas a árbitros e outros agentes desportivos. Foram assumidos benfiquistas ou conhecidos pela sua ligação ao Benfica, seja profissional ou simplesmente afectiva, que não respeitaram o Benfica, enquanto instituição.
Esses sim é que não respeitam o Benfica e, na maior parte das vezes, por uma razão tão simples quanto é a de que não se respeitam a si próprios. A instituição não é culpada por actos de corrupção, oferta indevida de vantagem ou falsidade informática. É responsabilizada por actos cometidos por quem ocupa posições de liderança ou por violação do dever de vigilância ou controlo, e, como diz a lei, «entende-se que ocupam uma posição de liderança nos órgãos representantes da pessoa colectiva e quem nela tiver autoridade para exercer o controlo da sua atividade».
Tempo de concluir com uma curiosidade relacionada com os conceitos de respeito da administração da SAD do Benfica e de Rui Vitória, mas que se integram nos que acima referimos. Exige-se a Capela acatamento, obediência, submissão, medo, receio, temor; por sua vez, a administração da SAD ao cessar o contrato de trabalho com Paulo Gonçalves e ao convidá-lo para a tribuna de honra, disse-lhe coisas agradáveis, manifestando apreço, consideração e deferência.
E um conselho a Rui Vitória: furte-se ao ridículo de exigir respeito pelos chefes de família quando não ganha. E quando ganha com arbitragens «manhosas e tendenciosas», como diria Sílvio Cervan, lembre-se das toupeiras manhosas, das ofertas e dos mails tendenciosos, que não respeitam os chefes de família que também existem nos outros clubes Olhe para dentro e verifique bem onde é que está a falta de respeito. Vai ver que a falta de respeito ao Benfica não está na punição de um jogo à porta fechada, mas numa tribuna demasiado aberta!...
Artigo 11.°
Responsabilidade das pessoas
singulares e colectivas
1 - Salvo o disposto no número seguinte e nos casos especialmente previstos na lei, só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal.
2 - As pessoas colectivas e entidades equiparadas, com excepção do Estado, de outras pessoas colectivas públicas e de organizações internacionais de direito público, são responsáveis pelos crimes previstos nos artigos 152.° - A e 152.° - B, nos artigos 159.°e 160.°, nos artigos 163.° a 166.°, sendo a vítima menor, e nos artigos 168.°, 169.°, 171° a 176°, 217.2 a 222.°, 240.°, 256.°, 258.°, 262.° a 283.°, 285.°, 299°, 335.°, 348.°, 353.°, 363.°, 367.°.