O não-português que foi campeão e não pôde receber o título: decisão interessante do TAD
'Dire(i)to ao Desporto' é o espaço de opinião semanal de Marta Vieira da Cruz, jurista
Foi publicada no site do TAD um Acórdão muito interessante, proferido no processo n.º 63/2024.
No caso, a Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting (FPAK) entendeu, após consulta ao IPDJ, não poder atribuir o título de Campeão Nacional do CPR de 2024, em consequência de o piloto mais pontuado no referido campeonato não ser cidadão nacional. Com efeito, o Demandante no processo, e o mais bem pontuado na referida prova, tem nacionalidade irlandesa e está regularmente inscrito na Federação.
Entendeu o Colégio Arbitral, por maioria, que apesar de o Regime Jurídico das Federações Desportivas estipular que os títulos nacionais só podem ser atribuídos a cidadãos portugueses «afigura-se-nos que o legislador, no citado n.º 2 do art.º 62.º do RJFD, não cuidou de analisar com a atenção devida o preceituado no art.º 15.º, n.os 1 e 2, da Lei Fundamental. Sejamos claros: emitiu normatividade inconstitucional e que, nessa medida, não pode ser jurisdicionalmente aplicada,» dizendo ainda que “a possibilidade dada a um estrangeiro de competir legitimamente numa competição individual e ao final, quando fica em primeiro lugar na tabela classificativa, não lhe atribuir o título de campeão só em razão da sua nacionalidade, afigura-se-nos que poderá ser atentatório da verdade desportiva, princípio basilar e fundamental de qualquer competição desportiva.”
Existe, porém, um voto de vencido nesta decisão. Diz o árbitro que a subscreve que «o Demandante ficou em primeiro na tabela classificativa, esse resultado foi reconhecido e homologado pela Demandada e dúvidas não subsistem de que o mesmo foi o justo e legítimo vencedor da prova designada por Campeonato Nacional de Ralis 2024, e como tal foi reconhecido publicamente pela Demandada. Nessa medida, não concebo que possa estar em causa a verdade desportiva da competição (…). A norma especial constante do n.º 2 do artigo 15.º da Constituição determina que se excetuam do disposto no número anterior os direitos reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses. (…) Ora, uma das exceções ao princípio geral ínsito no artigo 15.º, n.º 1, da Constituição é precisamente aquela que se encontra na norma vertida pelo legislador no n.º 2 do artigo 62.º do RJFD, sendo a mesma plenamente justificada pelo objetivo que visa prosseguir, de apuramento do melhor atleta português de cada modalidade». Conclui, dizendo que a solução prevista na Lei de atribuir títulos de campeão apenas a cidadãos portugueses não é inconstitucional e, por isso, a FPAK deveria ter atribuído o título ao atleta irlandês.
Quid iuris?