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Neymar volta a bater à porta que Gyokeres ainda não abriu
Viktor Gyokeres acredita que já se senta à mesa de Kane, Lewandowski e Haaland. Disse-o numa entrevista e, ao fazê-lo, colocou de lado falsas modéstias e assumiu perante o planeta que se sente entre pares quando está ou fala com os melhores pontas de lança da atualidade. No entanto, e creio que o nórdico também o sabe, apesar de estar muito perto, ainda precisa de subir de patamar. Tomar de assalto uma grande liga como fez com a portuguesa.
Talvez seja por aí que sinta que é agora, aos 27 anos, custe o que custar, que terá melhores condições para fazê-lo. Corre à frente do rasto de duas temporadas alucinantes e tem, ao que tudo indica, pretendente e campeonato certos a desejá-lo. O resto não passará de uma novela que já há muito perdeu interesse e se esgotou a si própria. Em que as cenas mais emotivas não passam da mistura de testosterona com falta de bom senso e de empatia, disfarçadas sob a capa da defesa dos próprios interesses por cada uma das partes.
Haverá negócio ou um problema sério, e este não se resolverá apenas com multa pesada e um pedido de desculpas. O tempo mede-se de forma diferente no futebol, os golos apagam tudo, inclusive faixas pintadas de descontentamento nas bancadas — confirmando que muitos ídolos escondem pés de barro —, porém o desfecho está longe de ser tão fácil como Frederico Varandas, o Irredutível, o pinta. Enquanto tudo parece bloqueado por um ou outro bónus, resta esperar que entre um adulto na sala ou alguém ganhe consciência de que existe essa responsabilidade. Enquanto tal não acontecer, não há razão para que seja o tema deste espaço. O que não quer dizer que não sirva de pretexto.
Se o sueco tem já o convite para passar a comer na mesma mesa dos melhores avançados da atualidade, Neymar sentou-se mesmo ao lado de Lionel Messi e Cristiano Ronaldo durante parte da carreira. Mostrou um talento absurdo enquanto emocionalmente conseguiu viver na sombra do argentino, obrigou depois o PSG a bater todos os recordes de transferência ao chegar aos 222 milhões de euros, porém faltou-lhe então o que outros dois foram aprendendo, com os anos, a ser, tornando-se líderes. Quis tanto ser el puto amo que depois, num país em que os parisienses já ganhavam quase tudo e quase sempre, não conseguiu colocar sobre as suas costas e levantar o nariz do Concorde para outros voos.
Hoje, a dimensão de Ney é mais próxima de um Ronaldinho Gaúcho do que da Pulga ou do Bicho. Ou sequer de Pelé. Um potencial melhor da história do pescoço para baixo. Ainda assim fora de série, claro, mas aquém do que chegou a prometer.
Não tenho nada contra jogadores que se divertem em campo, bem pelo contrário, até pela forma sisuda que o futebol tem assumido, contudo, quando veem o truque mais importante do que o golo, a humilhação mais saciante do que a finta bem-sucedida, algo se perde nos objetivos do jogo e, se quisermos, nos princípios do desportivismo e do respeito pelo próximo. Com Neymar, um pouco como já acontece, por exemplo, com o também Júnior Vinicius, que parece ter saído do mesmo molde, passou-se várias vezes do limite. É como se fossem Jedi perdidos para o lado negro, e usassem a Força, muito forte em ambos, para fins menos próprios.
Essa perda de foco terá contribuído para não ter chegado a tocar o céu. Depois, vieram as lesões. Várias traumáticas, algumas musculares e as piores, as que envolvem ligamentos estilhaçados, ausências longas e recuperações dolorosas. Por talvez se sentir injustiçado pelos deuses, que não lhe terão devolvido o que acha que deu ao jogo, teria, aos 33 anos, pouco por que voltar, porém, ainda assim, reuniu todas as suas forças num único objetivo. Estar no próximo Campeonato do Mundo, a sua última oportunidade para um grande título.
Não sei se os últimos meses fizeram com que Neymar finalmente focasse na estrada à sua frente. Não sei se há um novo Neymar, confesso, já que a amostra é pequena num percurso longo praticamente todo feito no sentido contrário. No entanto, aquele que o Vila Belmiro viu na vitória diante do Flamengo foi um aparentemente diferente. Correu praticamente a todas as bolas descobertas, pressionando de forma incansável do primeiro ao último minuto, quando não jogava 90 seguidos há mais de cinco meses. Pareceu pesado, a camisola branca algo justa e guardou toda a expressividade com que se quer diferenciar para o novo penteado. Serviu inúmeras vezes de porto de abrigo para a sua equipa, criou transições praticamente do nada e não perdeu um duelo ofensivo, focando-se na objetividade, algo que tantas vezes lhe faltou ao longo da carreira.
Foi puro talento. Mesmo mais redondo e menos veloz, carregou o Santos aflito na tabela durante todo o encontro. Aos 85 minutos, recebeu a bola na área e segurou-a com facilidade. Fugiu ao adversário direto, ajustando para o pé direito e rematou forte. Era o golo que coroava o melhor em campo. Era o golo do Menino da Vila. E que nos faz desejar, mesmo a quem o recordará sempre a uma dimensão diferente dos maiores, que não se perca outra vez. Honestamente.
No Mundial tripartido do próximo ano, o Brasil precisará do líder que Neymar nunca conseguiu ser até aqui, entre muitas outras coisas. Seja no Escrete ou nos clubes por onde passou, foi muitas vezes o melhor jogador, porém raramente aquele que os colegas seguiriam cegamente para as batalhas.
Talvez seja demasiado ingénuo encontrá-lo em escassos 90 minutos, só que, para já, é o melhor que conseguimos. O melhor que ele tem para nos mostrar. É que, além de o dever ao seu país, também está em falta consigo próprio, e se não for agora não será nunca. Vinicius, Raphinha, Matheus Cunha, e também Estêvão e outros que estão a aparecer, iriam agradecer. Até o treinador, Don Carletto, parece ser apropriado. Ainda que a distância competitiva para os melhores do planeta, incluindo a rival Argentina seja grande, o Brasil espera, enfim, ver o Neymar que sempre quis e dizer-lhe, mesmo que tarde, que chegou a tempo.