Jorge Costa, o capitão
Um amigo, «portista não dos sete mas sim dos cinco costados», como gosta de enfatizar para exasperar os benfiquistas com quem se cruza a lembrar-lhes derrotas traumáticas frente ao clube do coração, numa adaptação à expressão original, fartou-se de falar com Jorge Costa sem nunca ter estado sequer perto dele.
«Nem sonhas o número de vezes que lhe disse ‘tira, tira’, quando a bola rondava a baliza, jogos que vi na televisão, a maioria, ou até nos estádios», recordou, nostálgico, pedido para afastar o perigo com uma confiança que apenas se deposita em quem conhecemos bem.
A morte de Jorge Costa foi um trovão num céu azul e branco, aquela sensação de que parte alguém próximo embora tão distante, um paradoxo insanável que já todos vivenciámos. O FC Porto perdeu um pedaço de alma, os rivais disseram adeus a um opositor implacável que, mesmo insuportável para eles em campo, merecia respeito e desabafo em surdina: ‘Nós precisamos é de um jogador assim’. Em suma: o protótipo do futebolista que odiavam enfrentar, mas adorariam ter no respetivo plantel.
Jorge Costa era uma espécie em vias de extinção, um capitão à moda antiga. Não era só a braçadeira, era o peso e o brio de a usar. Jogava com a coragem de quem sabia que liderar é mais do que dar ordens — é dar o exemplo. Sim, uma vez atirou a braçadeira ao chão, nas Antas, partida a que assisti com a responsabilidade de analisar individualmente a equipa do Vitória de Setúbal, duelo referente ao campeonato disputado a 22 de setembro de 2001. A cinco minutos do intervalo, com nulo no marcador, Octávio Machado ordenou a saída do central para a entrada de Rúbens Júnior.
«Fui provocado. Quem me conhece sabe que fervo em pouca água dentro do campo. Houve ali uma provocação e eu deixei-me levar. Mas não atirei a braçadeira para o chão, atirei-a para o Capucho e ela caiu no chão. Não queria sair. Estava revoltado com a substituição», explicaria, em entrevista de vida ao Porto Canal.
Dois anos depois, sob as ordens de José Mourinho, ergueu a Taça UEFA, um ano mais tarde a Liga dos Campeões, outros dois momentos de glória que lhe garantiram o estatuto de eterno capitão. Ouvir os testemunhos de antigos companheiros, de futebolistas que trabalharam sob o comando dele e até de adversários, arrepia. Era a voz firme no balneário, o primeiro a dar o peito às balas e o último a abandonar o barco.
Hoje, no futebol moderno, globalizado e movido a transferências milionárias, no qual se confunde liderança com marketing pessoal, figuras assim são raras.
A identidade do FC Porto, o célebre ADN portista, construiu-se com conceitos como dureza, resiliência e espírito de conquista. Poucos encarnaram como ele estas caraterísticas. Soou o apito final, caro Jorge, mas os símbolos continuam sempre vivos e prontos para que lhes peçam 'tira, tira'...