Jorge Costa partiu na terça-feira, 5 de agosto, aos 53 anos, vítima de paragem cardiorrespiratória
Jorge Costa morreu aos 53 anos, vítima de uma paragem cardiorrespiratória

Jorge Costa, o capitão

Hoje, no futebol moderno, globalizado e movido a transferências milionárias, no qual se confunde liderança com marketing pessoal, figuras assim são raras. 'Hat trick' é o espaço de opinião semanal do jornalista Paulo Cunha

Um amigo, «portista não dos sete mas sim dos cinco costados», como gosta de enfatizar para exasperar os benfiquistas com quem se cruza a lembrar-lhes derrotas traumáticas frente ao clube do coração, numa adaptação à expressão original, fartou-se de falar com Jorge Costa sem nunca ter estado sequer perto dele.

«Nem sonhas o número de vezes que lhe disse ‘tira, tira’, quando a bola rondava a baliza, jogos que vi na televisão, a maioria, ou até nos estádios», recordou, nostálgico, pedido para afastar o perigo com uma confiança que apenas se deposita em quem conhecemos bem.

A morte de Jorge Costa foi um trovão num céu azul e branco, aquela sensação de que parte alguém próximo embora tão distante, um paradoxo insanável que já todos vivenciámos. O FC Porto perdeu um pedaço de alma, os rivais disseram adeus a um opositor implacável que, mesmo insuportável para eles em campo, merecia respeito e desabafo em surdina: ‘Nós precisamos é de um jogador assim’. Em suma: o protótipo do futebolista que odiavam enfrentar, mas adorariam ter no respetivo plantel.

Jorge Costa era uma espécie em vias de extinção, um capitão à moda antiga. Não era só a braçadeira, era o peso e o brio de a usar. Jogava com a coragem de quem sabia que liderar é mais do que dar ordens — é dar o exemplo. Sim, uma vez atirou a braçadeira ao chão, nas Antas, partida a que assisti com a responsabilidade de analisar individualmente a equipa do Vitória de Setúbal, duelo referente ao campeonato disputado a 22 de setembro de 2001. A cinco minutos do intervalo, com nulo no marcador, Octávio Machado ordenou a saída do central para a entrada de Rúbens Júnior.

«Fui provocado. Quem me conhece sabe que fervo em pouca água dentro do campo. Houve ali uma provocação e eu deixei-me levar. Mas não atirei a braçadeira para o chão, atirei-a para o Capucho e ela caiu no chão. Não queria sair. Estava revoltado com a substituição», explicaria, em entrevista de vida ao Porto Canal.

Dois anos depois, sob as ordens de José Mourinho, ergueu a Taça UEFA, um ano mais tarde a Liga dos Campeões, outros dois momentos de glória que lhe garantiram o estatuto de eterno capitão. Ouvir os testemunhos de antigos companheiros, de futebolistas que trabalharam sob o comando dele e até de adversários, arrepia. Era a voz firme no balneário, o primeiro a dar o peito às balas e o último a abandonar o barco.

Hoje, no futebol moderno, globalizado e movido a transferências milionárias, no qual se confunde liderança com marketing pessoal, figuras assim são raras.

A identidade do FC Porto, o célebre ADN portista, construiu-se com conceitos como dureza, resiliência e espírito de conquista. Poucos encarnaram como ele estas caraterísticas. Soou o apito final, caro Jorge, mas os símbolos continuam sempre vivos e prontos para que lhes peçam 'tira, tira'...