Benfica, FC Porto e Sporting, obrigado pela melhor silly season!
Junte-se o defeso à mudança de status quo — um Sporting bicampeão e a prometer novo paradigma, um Benfica em crise de resultados e a meses das eleições, a presidentes que não conseguem lidar com as críticas dos seus e a sentir necessidade de afirmação, tanto no Dragão como na Luz — a um Gyokeres a lembrar que a uma promessa que vá um vão todos e a um Mundial que só faz sentido para o vencedor e mais para os cofres do que para as pernas e temos uma tempestade de verão. Perfeita, mas idiota. A maior silly season de sempre!
É no verão que nascem os sonhos. O control+alt+delete faz o reset à máquina, limpa memórias e, mesmo em processador de processos lentos, ganham-se minutos de uma nova vida. Já com uma ou outra nova peça, chega-se mesmo a prometer competência onde não havia. No entanto, por vezes, o problema é profundo. Há máquinas com muitas vidas, o que facilita, mas a maioria não é assim.
No futebol, há verdadeiras máquinas e nunca é preciso mudá-las muito, a não ser que a ideia também mude. Os adeptos sabem que, com ajustes, as coisas podem funcionar, ainda que não se jogue sozinho e esse não seja exercício simples. Há outras, dependendo da arquitetura, que podem melhorar e agigantar-se. É isso que faz o mercado importante. Há apenas um senão: se não for privilegiado o racional, e todos sabemos o quanto isso é difícil para o adepto, sobretudo se se sentar na cadeira do presidente, tudo pode descambar.
No FC Porto, o tempo dirá se Villas-Boas geriu o clube com o seu lado de adepto ou o de gestor. Terá preferido arriscar em vez de fazer o controlo de danos, expondo-se em definitivo. Não está em causa o que pode trazer Farioli e as diferenças para o antecessor, desde logo a experiência europeia e a maior adaptabilidade — ainda que o colapso no Ajax vá ser fantasma até que o sucesso se confirme —, porém as fraquezas do plantel irão obrigar «ao maior mercado de sempre» em tempo de constrangimentos financeiros e sem Champions. Mais uma vez, não baixou expetativas, contrariamente ao aconselhável. Poderá sair muito penalizado se foram desajustadas ou sairá em ombros se virar do avesso a atual ordem (desordem noutros significados) do futebol português.
A sul, o Benfica do quase — vice por curta distância, finalista em vantagem até aos 90'+11 no Jamor — não se ficará por ajustes. Por detrás da revolução estão as eleições, seguindo o princípio de que às vezes basta pavimentar estradas ou ter bom fogo de artifício na festa da aldeia para se garantir a vitória. Ao apresentar nova estrutura sobre as cinzas da eleita, Rui Costa diz aos adeptos que tudo vai mudar. Se é verdade que parte do problema era quem o rodeava, tendo-se dizimado praticamente todos os alicerces da tomada de decisão — scouting, formação, finanças, lideranças intermédias... —, a outra foi a incapacidade de o próprio ser líder.
Pelo caminho ficam Lourenço Coelho e um antigo comentador que nunca conseguiu ser diretor desportivo com assinatura própria, porque essa tanto a deixou em Enzo Fernández como em Meité. Em Arthur Cabral e em Pavlidis. Em Kaboré, Brooks, Radonjic, Tengstedt e ainda em Rollheiser, Prestianni, Carreras, Dahl ou Neres. Nunca fez sentido.
À revolução nos bastidores – e para a silly season se acentuar só faltará mesmo o regresso de Vieira e de um passado pelo menos sombrio, depois de outro candidato querer financiar-se com o dinheiro dos adeptos através de matemática estranha –, soma-se a rebelião contra a centralização. Consigo perceber que o produto não garanta os valores projetados e que há muito mais a fazer do que repartir. Em Inglaterra, em 2023/24, o campeão Man. City recebeu mais 76 milhões do que o último, o Sheffield United (€203,9M para €127,1M), e o diferencial entre Liverpool e Southampton em 2024/25 deverá aumentar para 81M (€205,6M para €125M). Isto porque a uma primeira parcela comum são acrescentas duas de mérito (classificação) para os direitos nacionais e internacionais. No caso dos primeiros, há ainda uma terceira para o número de jogos televisionados. Os clubes do melhor campeonato ganham muito, mas não recebem o mesmo. O problema é que ninguém quer saber da Liga, talvez nem mesmo nós. A centralização, por si só, vale pouco. É preciso projeto consolidado e ontem já foi tarde para aplicá-lo. Mais do que adiar é preciso trabalhar e em conjunto. Rui Costa esperou pela pressão das eleições para querer parar tudo, depois de anos a fio com tudo parado com o candidato a que todos juraram aparente fidelidade eterna: Pedro Proença.
Não se estranha ainda a revolução no plantel precisamente pela falta de liderança. Como escrevi, o caso Kokçu nunca teria fumo branco com Lage e Rui Costa e, por isso, depois da paz podre, só lhe resta sair. Sem o compatriota, Akturkoglu já não se sente adaptado. Florentino, jogador útil que nunca teve substituto à altura, está no mercado. Amdouni já foi, Cabral, Belloti e Renato também. Dedic e Obrador têm potencial, ainda que o lado mental do primeiro preocupe, prometem-se ainda Almada e Félix (que não substituirão Kokçu, nem resolverão problemas de sempre: resistência à pressão na construção e criação de malha de pressão alta eficiente) num novo all-in, sem plano, de Rui Costa. Sem que se responda a estas perguntas: com Lage, que Benfica será? O do Mundial ou um dominador, à-Benfica?
Varandas poderá estar perto de garantir mais milhões com a intransigência, mesmo que alguém da dimensão de Gyokeres merecesse outra saída, sobretudo se há algo que não se esteja a cumprir. O exemplo poderá ter custos mesmo num futebol desmemoriado. Não fosse o Arsenal e o Sporting teria um problema. Há o Arsenal e não é claro que não se crie um. O sueco sairá para tentar abalar a Premier e não se sabe o quanto poderá abanar também Alvalade, tanta a influência teve. E mudar não tem sido fácil para Rui Borges, apesar dos finais felizes.
Enquanto por cá os grandes se debatem com a própria identidade, o PSG continua espantoso. A transbordar talento, espírito coletivo e confiança. Mágico. Com sangue português.