'Memórias de Vítor Cândido': Quando o Sporting não passa do Natal
João Pereira é a mais recente vítima do Natal leonino... (Foto: Sporting CP)

'Memórias de Vítor Cândido': Quando o Sporting não passa do Natal

OPINIÃO27.12.202409:00

Bastava que surgisse um mau resultado, em dezembro, para se ouvir «o Sporting não passa do Natal». Uma expressão que muitos utilizam sem conhecerem a origem...

Apropósito da crise súbita instalada no futebol do Sporting, por via da saída do treinador Ruben Amorim, o presidente Frederico Varandas, em discurso recente, recordou o trauma dramático que viveu na sua juventude, quando os rivais troçavam com o Natal do leão. Bastava que a equipa tivesse um resultado negativo, no mês de dezembro, para logo se ouvir «o Sporting não passa do Natal» ou «para o ano é que é»… Afinal, uma lengalenga criada no século passado e sustentada até hoje. E a verdade é que muitos utilizam a expressão sem conhecerem a sua origem. Mas eu vivi os momentos que ocasionaram essa frase de escárnio e mal dizer, vinda dos adeptos benfiquistas, sempre que o rival tropeçava… em dezembro.

Em 1970, com Fernando Vaz

Recordo, por exemplo, em 1970, quando regressado da guerra colonial, em Moçambique, continuei a viver o Sporting, no Estádio José Alvalade, com a emoção de quem ama o futebol. Na semana de Natal, o Sporting, comandado por mestre Fernando Vaz, seguia na liderança, sem derrotas (10V, 3E), a caminho da revalidação do título. E o mítico Vítor Damas tinha sofrido apenas dois golos. Quem diria que o Barreirense, último classificado da I Divisão, viria a derrotar (1-0) o campeão Sporting, na sua própria casa?

Chamava-se Serafim o avançado que teve o privilégio de bater Vítor Damas, em Alvalade. Incrível! A equipa de Fernando Vaz há mais de um ano que não sabia o que era uma derrota. Mas, como no futebol tudo é possível, naquela tarde de 20 de dezembro de 1970, o último venceu o primeiro, numa partida desigual, em que os adeptos sportinguistas desesperaram com tanto azar, tanta adversidade. Os leões dominaram insistentemente, atiraram cinco bolas aos postes e o guarda-redes Manuel Bento fez uma exibição espantosa.

E como se não bastasse, à impensável derrota com o Barreirense, uma semana depois, a 27 Dezembro, seguiu-se outra jornada desastrosa (1-5), no Estádio da Luz, diante do eterno rival. Para delírio e chacota dos benfiquistas e para desconsolo e raiva dos sportinguistas que viam, assim, interrompida uma carreira brilhante da sua equipa. Que desgosto! E logo na quadra de Natal...

Em 1971, repete-se a história

Um ano mais tarde, também na semana de Natal, repetiu-se a infelicidade dos leões, ainda comandados por mestre Fernando Vaz. Desta vez o adversário foi o modesto Beira-Mar que chegou a Alvalade, no dia 19 de dezembro de 1971, para vencer o Sporting, também por 1-0 (golo de Nelinho, aos 44'). A campanha do Sporting estava em alta (8V, 2E, 1D) mas, depois desta inesperada derrota, as coisas complicaram-se. Dias depois, novo desaire, em Alvalade (0-3), com o rival Benfica.

E a luta pelo título ficou por aqui. A coincidência de em dois anos consecutivos os leões terem sucumbido na quadra natalícia só veio confirmar a expressão, tornada popular, que os benfiquistas sempre utilizam para provocar sportinguistas: «O Sporting não passa do Natal.»

Em 1972, com Ronnie Allen

O consagrado Fernando Vaz acabaria por deixar o comando técnico dos leões em fevereiro de 1972 (substituído interinamente pelo seu adjunto Mário Lino). Para a época seguinte foi contratado o inglês Ronnie Allen mas a equipa desenvolveu temporada irregular. A fatalidade natalícia começou cedo: logo em outubro empate no Montijo (0-0), derrota no Estádio da Luz (1-4, quatro golos de Eusébio) e em Alvalade (0-1) com o Leixões (no célebre jogo da invasão, que valeu nove jogos de interdição do Estádio José Alvalade); em novembro perdeu com o Boavista (2-3), no Estádio do Bessa, e com a CUF (0-1), no Estádio Nacional. Na quadra festiva, um empate no Restelo (2-2) e derrota com o FC Porto (0-3). Portanto, depois de três épocas seguidas a ficar pelo caminho no Natal, não se falava de outra coisa.

Em 1977, com Paulo Emílio

Na época de 1977/78, o brasileiro Paulo Emílio tomou conta da equipa e estava tudo a correr normalmente quando chegaram os resultados do Natal: V. Guimarães-Sporting (1-1), Sporting-Varzim (0-0) e Boavista-Sporting (3-1)... E em janeiro, treinador despedido, entrando em ação o adjunto Rodrigues Dias, que viria a conquistar a Taça de Portugal (2-1 ao FC Porto). Aliás, os sportinguistas podem gabar-se de, na década de setenta, terem disputado sete finais da Taça de Portugal, vencendo por quatro vezes. E foram os campeões da revolução (com Yazalde) em 1974.

Em 1986, com Manuel José

Na época de 1986/87, com Manuel José no comando, a equipa do Sporting (já com 2E e 3D sofridas) proporcionou um feliz Natal aos seus adeptos, com os históricos 7-1, ao rival Benfica (quatro golos de Manuel Fernandes), no dia 14 de dezembro de 1986. Porém, logo a seguir a esse jogo veio a maldição, com o descalabro de seis jornadas seguidas sem o sabor da vitória: 1-3, em Guimarães, 1-2, em Chaves, 0-0, com Rio Ave, em Alvalade, 0-0, com o Salgueiros, em Vidal Pinheiro (já sem Manuel José), 1-1, com a Académica, em Alvalade, e 1-1, em Portimão.

Em 1988, com Pedro Rocha

Na temporada de 1988/89 a euforia instalou-se em Alvalade. Jorge Gonçalves, o popular bigodes assumiu a presidência do clube e mexeu com a nação leonina ao contratar as famosas «unhas do leão». Bancadas repletas, numa loucura em torno da equipa de futebol, comandada pelo uruguaio Pedro Rocha (até fevereiro).

Afinal, um campeonato para esquecer, já que o Sporting (com 9E, 11D) se classificou no quarto lugar (a 18 pontos do Benfica), muito por culpa de um terrível mês de dezembro, com cinco jornadas sem vitórias: Sporting-Marítimo (2-2), Farense-Sporting (1-0), Sporting-Belenenses (0-0), Benfica-Sporting (2-0, na semana de Natal) e Sporting-FC Porto (1-2, no último dia do ano). Mais uma vez a maldição e a fatalidade…

Em 1990, com Marinho Peres

Por muito que se quisessem abstrair da malapata do mês de dezembro, os leões viram esse fantasma, na sua máxima expressão, chegar na época de 1990/91. O treinador era Marinho Peres, a equipa estava numa onda vitoriosa fantástica, vencendo nas onze primeiras jornadas. O aviso para o descalabro chegou com a primeira derrota, nas Antas (0-2, a 25 de novembro). Depois: 0-2, com o Benfica, a 8 de dezembro, em Alvalade, 0-1, com o Marítimo, dia 16, no Funchal, 1-2, com o Gil Vicente, dia 30, em Barcelos, e 1-1, com o Vitória, a 6 de janeiro, em Guimarães. Começava a falar-se do sistema e das arbitragens… e lá se quedou o Sporting em terceiro lugar, a 13 pontos do Benfica (campeão) e a 11 do FC Porto (2.º).

Em 1993, com Carlos Queiroz

O mês de dezembro de 1993 ficou na memória dos sportinguistas porque, na sequência da eliminação do Sporting pelo Salzburgo (Áustria), na Taça UEFA, o presidente Sousa Cintra, instigado por alguém, segundo ele próprio revelou, decidiu despedir o treinador Bobby Robson, quando a equipa estava em primeiro lugar e a fazer um excelente campeonato (apenas uma derrota, com o FC Porto).

Carlos Queiroz assumiu o comando técnico e, a uma semana do Natal, marcada pelo trágico acidente com o futebolista Cherbakov, foi ao Estádio da Luz perder com o Benfica (1-2), num jogo marcado pela expulsão de Capucho (34'), quando o Sporting vencia por 1-0 (golo de Figo). Jorge Coroado foi o árbitro. A seguir, dois empates comprometedores atrasaram o leão, com o Marítimo, em Alvalade (1-1), e com o Famalicão, na Póvoa de Varzim (1-1).

No entanto, o Sporting de Carlos Queiroz lutou pelo título até final, mesmo tendo saído derrotado das Antas, onde Carlos Valente expulsou Juskowiak (35'), Vujacic (60') e Peixe (62'). Mesmo assim, para ser campeão, bastava não ter feito aqueles resultados em dezembro ou... ter ganho ao Benfica, no dérbi de 14 de maio de 1994. Mas perdeu. E logo por 3-6... Ainda hoje os sportinguistas perguntam como foi possível não ser campeão com aquele plantel.

Em 1998, com Mirko Jozic

Destaquemos agora os resultados negativos do Sporting na quadra festiva de 1998, no tempo do treinador croata Mirko Jozic, com a curiosidade de ter defrontado os dois principais rivais nacionais: na semana do Natal, FC Porto-Sporting, 3-2; na semana do Ano Novo, Sporting-Benfica, 1-2 (dois autogolos de Beto). Recorde-se que este campeonato, de 1998/99, por indignação dos leões com as arbitragens, foi denominado como o do «luto nacional pela verdade desportiva». O Sporting terminou a prova em quarto lugar, a 16 pontos do campeão FC Porto.

Em 2024, com João Pereira

Este ano, quando o Sporting liderava, só com vitórias, e toda a gente o considerava imbatível, a caminho de ser bicampeão, a substituição do conceituado Ruben Amorim pelo inexperiente João Pereira instabilizou a equipa. E os resultados negativos do mês de dezembro tiraram o Sporting do primeiro lugar. E voltou a pairar a maldição do Natal. Porém, nada está perdido. Agora, com Rui Borges, o novo treinador, basta vencer o rival Benfica no próximo domingo, em Alvalade, para recuperar a liderança. É, para já, um bom incentivo para animar os jogadores e um bom teste para as capacidades deste técnico.