Martínez ganhou o direito de tentar ser campeão do mundo
Diogo Costa: A distância entre o erro frente a Marrocos nos quartos de final do Mundial 2022 e a segurança que mostra em todos os jogos é muito maior que onze metros. Além de um especialista de elite na arte de defender penáltis, o guardião do FC Porto pegou no legado de Rui Patrício, embrulhou-o com manta de lã e algodão e promete levá-lo a outro nível. E só tem 25 anos.
João Neves: Teve, frente à Alemanha, uma espécie de mentor involuntário. Porque é o mais parecido que Portugal tem com Joshua Kimmich. Pode ser discutível a sua utilização a lateral-direito, mas a decisão de Roberto Martínez só foi possível porque o ex-benfiquista é um jogador total, daqueles que o futebol moderno entroniza. Percebeu-se também o dilema do selecionador: entre não ter o jogador do PSG num meio-campo com Bernardo Silva, Bruno Fernandes e Vitinha (final com a Espanha) ou não tê-lo de todo no onze, o técnico optou pela solução salomónica. E se calhar faz sentido.
Rúben Dias: É profundo a falar e um mestre a controlar a profundidade. Nasceu com a palavra líder colada na testa, anotou todas as lições de Pepe, vai continuando a aprender com Pep e assume-se com toda a naturalidade como o grande patrão da defesa. Um capitão sem braçadeira.
Gonçalo Inácio: Se houvesse dúvidas sobre a capacidade de jogar numa linha de quatro defesas, aqui está a prova. A tática é só um detalhe quando há qualidade. Dois grandes centrais, um destro e outro canhoto e com saída de bola de veludo. O que se quer mais numa dupla de centrais?
Nuno Mendes: O melhor lateral-esquerdo do mundo da atualidade. Tem muito de Luis Enrique a evolução do ex-sportinguista: defende melhor e está mais criterioso nas subidas. Se com 22 anos já sabe tanto do jogo é possível imaginá-lo a comer na mesma mesa de Maldini e Roberto Carlos.
Bruno Fernandes: Mantém a extraordinária capacidade de se adaptar ao contexto. No Manchester United frágil é obrigado a estender o seu jogo quase para lá dos limites físicos, na Seleção (onde a qualidade é outra) é-lhe pedido que jogue em espaços mais curtos. E aí revela um requinte que vai aprimorando com a idade. Jogar com um a dois toques não é para quem pode, é só para quem sabe. Aquela triangulação com Nuno Mendes no 2-1 frente à Alemanha é um tratado de simplicidade.
Rúben Neves: Não é um jogador consensual, mas foi eficaz a travar o meio-campo alemão e entrou muito bem diante da Espanha. O jogador mais questionado foi aquele cujo pontapé deu o título a Portugal. São estas ironias que fazem o futebol um desporto maravilhoso.
Bernardo Silva: Desgastado física e mentalmente, faz-nos por vezes esquecer que é um mestre de filigrana de tanto bater com o martelo. Qualquer candidato a futebolista deve pôr os olhos nele para saber o que é compromisso e valorização dos interesses coletivos acima das características individuais. Tocar bombo quando muitos só querem violino não é apenas um ato de solidariedade, é um sinal de enorme inteligência.
Vitinha: Só foi possível jogar olhos nos olhos frente à melhor equipa do mundo porque se Espanha tem Pedri, Portugal tem Vitinha. Não ter uma resposta pronta sobre quem é melhor diz tudo sobre o maestro que tanto cresceu com Luis Enrique.
Francisco Trincão: Não aproveitou a oportunidade conquistada no play-off frente à Dinamarca, mas talento e tempo não lhe faltam para criar dúvida na cabeça de Martínez.
Cristiano Ronaldo (o futebolista e o capitão): Ao contrário do que aconteceu no Euro 2024, a equipa mostrou saber conciliar as limitações de um avançado com 40 anos e explorar o que de melhor CR7 ainda tem para dar. Que se limita apenas a isto: mesmo frente às melhores equipas do mundo, ele vai ter pelo menos uma oportunidade de golo. E marca. Esta pele de Jardel, aliada à gravitas que lhe sai por todos os poros e que tanto impacto continua a causar nos adversários, fez dele um indiscutível. Se tivesse 25 anos e possuísse estas características já seria algo notável, fazê-lo aos 40 anos é um daqueles fenómenos que só a sabedoria do tempo irá encontrar as palavras certas. Fora do campo, mostrou o que deve ser o capitão: defendeu Martínez de uma maneira a não deixar outra via a Pedro Proença que não a confiança total no espanhol. Longe vão os tempos em que diria ‘falem com o Roberto’…
Pedro Neto: Faz falta a qualquer equipa um extremo de carril à antiga, com a determinação de quem recupera o tempo perdido em lesões, a fibra de um sprinter e o atrevimento de quem sabe que vai passar pelo adversário mesmo que este saiba o que ele vai fazer. É na diversidade que se fazem as grandes conquistas.
Nélson Semedo: É quase sempre chamado quando as coisas não estão a correr bem. É preciso ter uma estrutura mental forte para personificar a condição de jogador upgrade. Dificilmente será um titular (até foi ultrapassado na hierarquia por João Neves), mas quase sempre entra bem. O que teria sido para o resto da sua carreira se aquela bola frente à Espanha tivesse entrado e decidisse a final?
Francisco Conceição: O modo como revolucionou o jogo frente à Alemanha, o golo à Lamine Yamal, os dribles, a reação à perda e todo um mundo de impetuosidade e virtuosismo reunidos num corpo só fazem dele um jogador muito especial. Mas tal como Trincão (apesar de já ter tido mais oportunidades que o sportinguista), ainda não atingiu o estatuto a titular porque as marcas deixadas nos adversários ocorrem na condição de joker, como suplente utilizado. Quando se tornar um ás, Portugal voa.
Gonçalo Ramos: Tem a inglória missão de aproveitar as sobras de Cristiano Ronaldo, mas por se tratar de quem é representa de certa forma um privilégio: só não é titular porque no lugar dele atua o melhor futebolista português de sempre e um dos melhores que este desporto já viu. Colocar questões a Roberto Martínez ou dar sinais para o futuro é a sua missão: jogue 30, 20 ou 5 minutos, é a ele que se pede fogo nas botas, um pouco à semelhança do que já faz (e que tantos elogios recolhe de Luis Enrique) no PSG, onde não é titular. Daqui a um ano o lugar na Seleção será dele, por isso há que aprender o mais que puder com um mestre que irá deixar saudades quando já cá não estiver.
João Palhinha: Chegou a ser ele e mais dez na fase inicial de Martínez na Seleção, mas o jogo da Seleção evoluiu para outra direção (inclusive tática). Tal como acontece no Bayern, o craque dos roubos de bola tem perdido espaço para jogadores com outro perfil, capazes de tornar o jogo mais rápido nas transições ofensivas. A decisão que o ex-jogador do Sporting tomar neste defeso será decisiva para o futuro imediato neste grupo tão seletivo.
Diogo Jota: Tal como Gonçalo Ramos, é um jogador com uma excelente relação com a baliza mas que tem pela frente um monstro. Joga a seu favor o facto de poder atuar em zonas exteriores à área e mantém aquele traço raçudo na reação à perda de bola. Além de saber tudo o que um extremo tem de fazer em ações defensivas, mantém bem vivas as ações das transições ofensivas do Liverpool. Uma seleção que tem um titular (sem lesões) do campeão de Inglaterra no banco tem efetivamente a obrigatoriedade de pensar em grande.
Renato Veiga: A saída para a Juventus fez-lhe bem. Não se tratando do gigante de há 10 anos, é uma equipa cujos defesas jogam em bloco baixo, facilitando a integração de quem estava habituado às linhas pressionantes de Enzo Maresca, como é o caso do esquerdino cuja polivalência lhe dá mais relevância do que muitos pensam.
Rafael Leão: Em condições normais seria titular, mas a Seleção só pode ter um jogador que não defende (Ronaldo) e não dois. Quando (e se) mudar esta parte do seu jogo será sempre um candidato a melhor da equipa ou da competição onde jogue. Caso contrário arrisca-se a ser cada vez mais visto como o suplente que ajuda à revolução. Para ele é pouco.
Roberto Martínez: O Euro-2024 deixou um rasto de dúvidas quanto à sua capacidade de liderar a melhor geração de sempre do futebol português (em quantidade) e os quartos de final da Liga das Nações com a Dinamarca não ajudaram a dissipá-las. No momento em que mais sentiu o lugar apertado, coincidindo com a mudança de Direção na Federação Portuguesa de Futebol, melhor foi a resposta: no planeamento e abordagem tática frente à anfitriã Alemanha e à campeã europeia Espanha, nas alterações durante os jogos e no discurso. Mais importante que a qualificação imaculada para o Europeu é o facto de nas últimas quatro vezes que Portugal defrontou equipas de topo mundial (Croácia, França, Alemanha e Espanha) em todas a Seleção bateu-se de igual para igual, na maioria dos casos superiorizando-se. É por isto, e não só pelos resultados, que o espanhol merece tentar ser campeão do mundo.