9 junho 2025, 14:21
Proença com dedicatória para Martínez: «Habituem-se»
Presidente da Federação Portuguesa de Futebol convicto de que a Seleção vai continuar a ganhar
Espanhol tornou-se o primeiro estrangeiro a levar a Seleção Nacional a um título, ainda que o menos importante, o da Liga das Nações, que deveria servir sobretudo como preparação para o Mundial
Roberto Martínez entrou para a final four com a corda ao pescoço. Era ao selecionador nacional exigido que ganhasse a Liga das Nações, caso contrário seria despedido. Não houve qualquer desmentido de Pedro Proença desde o dia em que chegou à Cidade do Futebol, e foram várias as notícias que apontaram José Mourinho ou Jorge Jesus, o primeiro até presente em Munique, como prováveis sucessores.
Para não parecer simples fezada ou uma mudança job for the boy (os seus consigo, se quisermos traduzir, que consistia em colocar responsáveis da cor política vencedora nos vários departamentos de um Governo e cargos de empresas públicas), expressão que já não se houve assim tanto no quadro político por se ter embrenhado profundamente na cultura nacional, o dirigente precisava do peso dos resultados do seu lado. Ou, melhor, das suas consequências: mais uma grande Seleção que não atingia o seu potencial por culpa de não ter selecionador à altura.
Bater a Alemanha em Munique ou a campeã europeia e detentora do troféu Espanha foi vulgarizado por Proença ao ponto de se tornar uma obrigação, algo tão natural como o próprio presidente da federação, horas depois, à chegada a Lisboa, dedicar o troféu ao técnico que ele próprio colocara entre a espada e a parede, e quisera despedir.
Que não haja dúvidas: era clara a intenção de aproveitar o esperado descalabro em Munique, na sequência dos resultados e exibições no Campeonato da Europa e no apuramento para a fase final, que fizeram elevar o tom da crítica, para rescindir o contrato e retirar do lugar, fosse por razões desportistas ou meramente egocêntricas, a escolha do antecessor Fernando Gomes para o cargo. A equipa técnica e o próprio Martínez sabiam-no, calculo que os jogadores se tenham apercebido do que se passava à sua volta. Essa pressão terá sido, depois, fundamental para que o tiro tenha saído pela culatra.
Hoje, o risco de mudar é tremendo, tanto que o discurso tocou pela primeira vez no nome do técnico. Nada estranho, é política e a memória política é sempre a primeira a desaparecer. Curiosamente, aquele «habituem-se» faz lembrar a capa de António Costa na Visão – ainda que protestada posteriormente pelo então Primeiro-Ministro – meses antes de deixar o cargo ou até o tom daquele post da conta oficial da Liga Portugal quando Portugal perdeu para os Países Baixos o 6.º lugar do ranking da UEFA: «Aproveitem enquanto podem…» Estão a aproveitar até hoje…
Ainda antes de ser confirmado, em janeiro de 2023, Roberto Martínez trazia consigo um problema. Era estrangeiro. Pior, era espanhol, o que levou a que de imediato se soltassem vozes de discordância. Afinal, o nosso chauvinismo, de onde tantas vezes retiramos a conclusão de que temos os melhores treinadores do mundo – basta olhar para quem ocupa os cargos nos principais clubes para vermos que já não é bem assim; até aquele que mais sucesso internacional granjeou e que certamente veria com muito bons olhos a entrada na Cidade do Futebol treina hoje o vice-campeão da Turquia –, não nos permitia encaixar bem a ideia de que o selecionador não fosse português. O técnico ganhou alguns pontos ao se expressar na língua de Camões e com a sua contagiante simpatia, mas teria sempre menor margem que um da casa. Ou começava a golear os maiores ou a tolerância desapareceria rapidamente.
9 junho 2025, 14:21
Presidente da Federação Portuguesa de Futebol convicto de que a Seleção vai continuar a ganhar
Não o podemos comparar com o contexto de Fernando Santos, porque o engenheiro ganhou logo no início, e ainda que cedo se tenha percebido que esse rumo não o levaria a ganhar outra vez ainda hoje muito boa gente o veria com melhores olhos no cargo do que ao espanhol. Já Paulo Bento passou 1452 dias ao leme contra os 882 de Martínez e Scolari – sim, estrangeiro, mas brasileiro, o que faz muita diferença para a psique coletiva do país – chegou aos 1756, mesmo depois de um Maracanazo em casa com a Grécia no primeiro troféu que disputou. Temos melhores jogadores hoje? Posso admitir que sim, mas os outros não ficaram propriamente mais fracos. Exceto os gregos, claro.
Não há, obviamente, treinadores perfeitos e é verdade que Roberto Martínez se destaca em determinados aspetos e noutros ainda não convence. Comecemos pelos positivos:
1. Ligação aos jogadores
Se algo se percebeu nesta Liga das Nações é que os jogadores estão com Roberto Martínez e que, se for preciso, escolherão o seu lado, seja o que for que isso valha. Não terá sido agradável a quem o queria fora do cargo ver Cristiano Ronaldo a sair de forma tão veemente em sua defesa (e por duas vezes). Depois, a resposta dos jogadores à pressão que colocavam sobre o seu líder foi exemplar. Uma primeira vez, diante da Alemanha. A segunda, definitiva e até dogmática perante os espanhóis. Sempre a reagir às desvantagens, aos momentos de maior infelicidade e a conseguirem recuperar-se primeiro a si próprios e depois nos resultados. Terão sido as exibições mais coletivas de que me lembro da equipa das quinas, ainda que não haja harmonia coletiva nos diversos momentos, o que tem que ver com as decisões tomadas. Mas todos sabemos a importância que é obter o compromisso dos atletas para que haja sucesso. Isso Martínez conseguiu, algo que nenhum dos alegados candidatos ao lugar pode garantir na mesma medida.
2. Mentalidade
Portugal quer jogar. Quer ter bola e atacar. Ainda que na final four tivesse sido preciso estar em desvantagem para assumi-lo, esse ADN tem de ser o desta equipa. Só que não se defrontavam adversários vulgares. Eram Alemanha e Espanha, que também gostam de ser dominadoras e, sobretudo a Roja, são competentes com bola. Por isso, foi preciso saber sofrer. Se a mentalidade se mostrou ofensiva qb, foi sim 100% vencedora. Portugal esteve sempre dentro do jogo, mesmo quando perdia, e os rivais sofreram. Terá sido este o clique que Portugal persegue há anos para se assumir de vez entre os maiores?
3. Comunicação e inteligência emocional
Roberto Martínez tem boa presença na sala de Imprensa e comunica de forma tranquila, para fora e para dentro. Se não criasse empatia com os jogadores não os teria do seu lado, uma vez que a forma como gere o grupo, colocando o núcleo duro acima de todos os outros, é propensa a criar fraturas, como aconteceu nos últimos anos na Bélgica – e não, amigos, não falhou à frente da Geração de Ouro dos Diables Rouges, já que foi terceiro no Mundial de 2018 depois de eliminar o Brasil e perder nas meias-finais com vencedor França; eliminou Portugal no Euro-2020 para cair nos quartos diante da vencedora Itália; e apenas soçobrou, já com uma equipa envelhecida, no Qatar, aí sim, demasiado fiel a um Eden Hazard muito longe do seu melhor e sem força para colar um balneário a desfazer-se.
No entanto, para já, em Portugal não se vislumbram fissuras. Em alguns momentos, pareceu, apenas, que está demasiado isolado do resto do mundo, sobretudo naquelas declarações sobre as 10 vitórias em outros tantos jogos na qualificação, que passaram claramente ao lado do que o povo quer realmente ver: triunfos diante de Alemanhas, Espanhas e Franças e nas maiores competições, que são o Mundial e o Europeu.
4. Estratégia
É acusado de inflexibilidade tática, mas o problema não está no esquema, seja com dois ou três centrais, dois ou três médios, um ou dois avançados-centro. Em Munique, apresentou-se em 4x3x3, sistema em que a Seleção Nacional joga há muitos anos, depois de nos primeiros tempos e até no Europeu ter usado outros bem mais agressivos, com apenas três defesas. Já experimentou vários médios defensivos, centrais e extremos e só parece fiel mesmo a Diogo Costa e Cristiano Ronaldo, com o círculo de confiança alargado ainda a Bruno Fernandes e Bernardo Silva. Ou seja, tirando os seus, não tem receio em mudar ou renovar dentro dos mais experientes e, diante de Alemanha e Espanha, adaptou-se ainda aos rivais, sem ser demasiado submisso. A insistência em João Neves na direita não caiu muito bem e querer aproveitar Francisco Conceição de início diante da Roja foi muito mais prémio pelo jogo anterior do que decisão lógica perante quem torna muito difícil jogar de costas para a baliza. No entanto, não concordo com a parte da inflexibilidade tática.
5. Integração de jovens
A chamada de Rodrigo Mora, tal como antes de Geovany Quenda, mostram que há preocupação desde cedo em ambientar os jovens aos contexto dos AA. O que não quer dizer que, logo a seguir, a aposta seja imediata. Os degraus são bem altos de se subir. A primeira parte do trabalho é feita, falta o resto.
9 junho 2025, 00:24
Capitão da Seleção Nacional elogiou a atitude do técnico espanhol
Depois, há o lado menos bom de Martínez:
1. Excessivo receio dos estatutos
Roberto Martínez não é um homem de roturas, tal como não era Fernando Santos. Também por isso foi o escolhido. A permanência de Cristiano Ronaldo nas convocatórias e depois no onze é um dado adquirido, tal como será com os outros elementos do núcleo duro – Diogo Costa, Rúben Dias, Bernardo Silva e Bruno Fernandes – independentemente da forma que apresentem. O capitão sairá quando não aguentar mais, é essa a premissa que o faz diferir dos outros, o que tapa a óbvia consolidação de outros nomes, que seriam importantes para o presente e futuro imediato da Seleção. Ter o grupo do seu lado, ao manter a confiança dos seus líderes, é para o selecionador mais importante do que o processo que se procura criar ou até o rendimento individual integrado no coletivo.
2. Avaliação e gestão dos jogadores
Roger Schmidt experimentou João Neves como lateral-direito numa pré-época do Benfica por culpa das lesões e não voltou à solução. Tirando o efeito surpresa do desdobramento em algo que não a função de um lateral-direito, não se vê qualquer utilidade na ideia, porque depois lhe falta a capacidade de dar profundidade com bola, o que lhe mais natural no miolo. Vitinha como suplente de Rúben Neves, Francisco Conceição a titular diante de uma equipa com forte e numerosa reação à perda, a obrigar a receber de costas para a baliza que se quer atacar, Leão a embater de frente com blocos baixos, Ronaldo a jogar como falso 9 sem qualquer envolvimento coletivo só porque precisa de tocar na bola são situações que mostram decisões pouco lógicas e racionais e também, sobretudo no caso do ponta de lança e capitão, permissividade nos comportamentos que este deve adotar durante as partidas.
3. Ataque posicional
É talvez a grande lacuna desta Seleção. Não ajuda quando se resiste à tentação de receber, de braços abertos, o transplante da espinha dorsal do campeão europeu PSG (João Neves e Vitinha lado a lado), mas não explica tudo. Tem um pouco a ver com o rumo que Martínez adotou, de apostar em velocistas nos flancos, com lançadores atrás, e depois não basta Vitinha e Bernardo Silva para ligar todas as pontas.
Para que os ataques rápidos resultem é preciso espaço, o espaço que teve com a Alemanha e encontrou nos buracos da pressão espanhola. Sem este, perante blocos baixos, a equipa está obrigada a trabalhar para o destapar. E essas dinâmicas estão por criar. Diante da Espanha, no entanto, registe-se um dado positivo: uma maior química entre um monumental Nuno Mendes (por dentro) e Rafael Leão (na linha) sobre a esquerda, o que até então ainda não se tinha alcançado.
4. Aposta sem continuidade nos jovens
Jogam nos clubes, brilham e são chamados. Só que depois não é fácil somar minutos. Francisco Conceição conquistou o seu espaço, mas terá sido o único e ainda assim é intermitente. Os outros vão precisar que Martínez arrisque algo novo, o que não é muito frequente, tão ligado que está aos seus. Falta essa frescura, essa confiança que outros treinadores têm muito mais rapidamente nos mais jovens. Porque apostar é muito mais do que simplesmente convocar e deixar no banco. Basta olhar para o que se passava do outro lado do campo, na final de Munique.
5. Experimentação excessiva
Pessoalmente, a experimentação não é algo que me choque ou que não me agrade. Se não fosse por aí, o futebol não teria evoluído e alguns jogadores poderiam ter passado ao lado de brilhantes carreiras. No entanto, manter Martínez é, muito provavelmente, ter a porta aberta para um João Neves de vez em quando como lateral-direito, à procura de algo que só o selecionador vê. Ou Nuno Mendes como terceiro central. Se num clube, a situação pode ser trabalhada, numa Seleção alterações em demasia originam invariavelmente perda de consistência. O que pressupõe um risco mais elevado.
Tudo indica que vai ser com Roberto Martínez que Portugal irá atacar o próximo Mundial. O espanhol tem oportunidade ainda de corrigir os problemas que não se apagaram com a conquista de uma Liga das Nações – e que deveria ser principalmente uma rampa de preparação para o Campeonato do Mundo, ainda que, mal ou bem, vá ser julgado pelos resultados aí conquistados, na América do Norte. Só resta saber se, até lá, é Martínez que faz evoluir a Seleção ou Proença quem muda mesmo de treinador. A julgar pela amostra, nunca se sabe.