Emendar a mão
Noite (de domingo) feliz e a Taça (das Nações) é nossa outra vez. Triunfo em muito marcado pela capacidade coletiva de reagir a golos adversários, com esforço, também sorte, mas grande mérito. Historiando a crítica: uma coisa é jogar na praia com os amigos, por divertimento e ocupando qualquer posição.
Outra bem diferente é defrontar uma das melhores seleções da atualidade, na final de uma competição europeia. Uma adaptação faz supor uma opção de recurso, tal como sucedeu esta época no Benfica, com Tomás Araújo a fazer de lateral direito, por lesão prolongada de Bah.
Convém lembrar, no entanto, que neste caso, Araújo é um defesa, central, mas um defesa, pelo que existe uma proximidade de princípios comuns aos defesas, mesmo que deslocados da sua posição natural. É certo que Portugal ganhou, mas começou a perder antes de iniciar o jogo pela mão do seu mister.
Tentar fazer caber os melhores jogadores num mesmo onze é uma tendência que alguns seguem, ignorando a sensatez que deve guiar a escolha equilibrada de um onze. Com Martínez, Portugal também já viu anteriormente a participação de Cancelo, mais por dentro, colaborando no início da construção ofensiva.
Porém, Cancelo jogou toda a sua vida como defesa. Integrava o ataque, mas depois defendia na sua posição de origem. Nesta final, com Nélson Semedo e Diogo Dalot frescos que nem alfaces, acabámos por ter uma defesa coxa até ao intervalo, sem culpa de João Neves, deslocado da sua função habitual.
Passando ao meio campo, o selecionador fez caber três jogadores dos mais perfeitos que temos, mas sem a importante complementaridade, fundamental em qualquer equipa. Arte, toque de bola, esforço, mas nenhum deles capaz de compensar, cobrir espaços mais atrasados ou integrar-se na linha defensiva quando a Espanha forçava. E os dois golos da Espanha foram semelhantes: aproveitamento do espaço existente entre a defesa e o meio campo português, provocando desequilíbrio central e inferioridade, pela criação de espaço experiente Oyarzabal.
Já aqui trouxe a ideia a propósito do duelo Carreras/Trincão, no Jamor, de que o sistema de três centrais permite um maior acompanhamento do avançado que baixa no terreno. Com dois centrais, a saída de um deles é bem mais perigosa e Portugal pagou por isso no primeiro golo sofrido.
A segunda parte trouxe outra realidade, bem mais ordenada. O ataque cumpriu, exaltado pela entrada de Rafael Leão e intuição goleadora de Ronaldo, mas a principal estrela dos dois jogos decisivos seria Nuno Mendes, coroado muito justamente como o melhor de todos. Marcando, assistindo e apagando o seu portentoso adversário direto. Distinção amplamente merecida num jogo inesquecível.
Fenómenos lusitanos
Éverdade que a presente geração escreve uma nova história do nosso futebol. A quantidade e qualidade dos nossos atuais representantes já assusta os mais poderosos. Incomparável a capacidade futebolística que hoje temos, relativamente àquela que conheci enquanto antigo internacional.
Hoje festejamos, mas também devemos atualizar dois heróis nacionais. Cristiano Ronaldo no campo e José Mourinho no banco representam, desde há muito, os dois maiores promotores do nosso futebol e fazem parte importante deste nosso crescimento. Donos de invulgar e indiscutível capacidade, mas com o temperamento de verdadeiros campeões.
Arrogância em comum nem sempre medida, mas que resulta da confiança sem limites que exibem e transmitem a quem os acompanha. Já sabemos que o sucesso gera inveja, mas esta é em muito superada pela admiração que as respetivas carreiras transportam.
A qualidade que hoje existe é muita, a jogar e a treinar, mas destronar estes dois astros históricos não vai ser nada fácil.
Dos 11 metros
Nas vésperas de finais ou eliminatórias, os jogadores treinam os penáltis, para se concluir quem serão os escolhidos para se chegarem à frente no dia seguinte. Neste processo de escolha não censuro quem pede para não bater. Uma coisa é treinar, outra bem diferente é viver o stress e sofrer o trauma de um falhanço. Há pouco a ganhar e muito a perder. Marcar é obrigatório. Falhar nunca é aceitável. Quando chega a altura, existe também o cansaço acumulado, o nervosismo característico da incerteza, e uma responsabilidade enorme.
A tortura começa, na prática, no trajeto que leva o escolhido, do meio campo onde os colegas se juntam, rumo à baliza onde tudo se decide. Deixar os colegas e ir sozinho em direção ao ocaso é desde logo uma violência — «estou lixado» será, por certo, um pensamento frequente.
Segue-se a proximidade do guarda redes, estrategicamente arrogante. Depois, a agonia do encher o peito e a expiração, em busca de um relaxamento impossível. Um pleno de variadas condicionantes e de tensão elevada, que no fim tem sempre um culpado principal. Nesta decisão foi Morata o infeliz contemplado. Diogo Costa e Rúben Neves, os heróis nacionais mais visíveis.
Presidente técnico
Longe vai o tempo, felizmente, em que alguns presidentes de clubes se sentavam no banco da sua equipa. Uns mais calmos, outros excessivamente opinativos, mas sempre um despropósito e, ao mesmo tempo, um natural incómodo para os profissionais de futebol que frequentam o banco de suplentes.
Percebi que pelo menos num dos clubes clássicos da nossa Liga tal foi recuperado, não sei se só pontualmente ou para continuar na época que vem. Ainda por cima, neste caso, ver um cartão vermelho não condiz com a presidência, nem faz sentido.
O futebol evoluiu, a exigência e profissionalismo cresceram e hoje as pessoas estão mais preparadas, quer para jogar e treinar, quer para dirigir.