Um lince ibérico anulado por um centímetro
Esta semana alguém escrevia no X que a inteligência artificial (IA) está a levar a que sejamos ou tenhamos um VAR constante na nossa própria vida.
Já não posso ver um vídeo com bebés e cães a confraternizar, pessoas a cair de barcos, ou qualquer outro insólito que em tempos servia para encher programas de televisão como o ‘Isto só Vídeo’ (os quarentões entenderão a referência) sem me questionar se será mesmo verdade. Onde foi parar essa inocência? E não conta perguntar a uma IA se aquilo é IA. Se temos de perguntar é porque já se foi longe de mais.
Na semana passada, ao ver o vídeo de um lince ibérico branco (o termo certo é leucístico, com algumas diferenças do albino), que alegadamente nunca tinha sido observado, primeiro fiquei maravilhada. Foi filmado em Jaen, no sul de Espanha. Depois, com o passar dos dias, pensei ‘não pode ser verdade’ - e quanto mais via o vídeo, o animal, de tão grande, já parecia mesmo uma pessoa com um fato, como aqueles vídeos de má qualidade que alegam ser o ‘Pé Grande’, ou alguém a fazer uma audição para o musical Cats. Por fim, o jornal El País apresentou uma terceira via: o lince – uma fêmea chamada Satureja -, embora verdadeiro, não é leucístico: o branco da penugem tem causas ambientais ou é stress, de acordo com programa de recuperação do lince ibérico na Andaluzia, que monitoriza os animais da região. Não há ainda explicação.
“No es albinismo ni leutismo, estamos investigando qué es lo que ha podido ocurrir y pensamos que podría estar relacionado con la exposición a algo ambiental”. Un fotógrafo graba por primera vez a un lince ibérico blanco: el misterioso color de ‘Satureja’ https://t.co/iNEK8iuwvv pic.twitter.com/qq0omsRNTT
— EL PAÍS (@el_pais) October 29, 2025
Quem também deve sofrer com stress e não acredita no que está a ver serão as pessoas que veem um golo anulado por um fora de jogo de um centímetro. Aconteceu ao Benfica, com golo de Sudakov, já aconteceu a outros clubes e vai continuar a ser assim quanto mais afinada for a tecnologia de fora de jogo usada pelo VAR, que chegou a Portugal em 2017.
Fazendo de advogada do diabo, quem é que beneficia de uma fora de jogo de 1 centímetro? Ou 5? Podemos defender, sem exceções, a tolerância zero, ou admitir, por exemplo, que 50 centímetros seria um número aceitável - mas aí, por outro lado, quem fosse apanhado com 51 centímetros ou 49 não continuaria a ter o mesmo sentimento? A alegria de festejar um golo, e sobretudo mantê-la, foi manietada aos adeptos em benefício, é certo, de mais verdade desportiva, mas qualquer dia nem com um inédito lince ibérico branco se pode vibrar.