«Tinha a convicção de que o Vitória ficaria no 4.º lugar»

Daniel Sousa assegura que o resultado com o Elvas na Taça de Portugal nunca foi utilizado como argumento para ter sido despedido do V. Guimarães

- Passados quatro meses da sua saída do SC Braga surge uma espécie de dominó: Ruben Amorim vai para Manchester, mais tarde Rui Borges vai para o Sporting e o Daniel substitui-o no Vitória. Não teve medo de entrar num clube em que saem e entram treinadores em catadupa?

- Depois do SC Braga surgiram convites muito interessantes, do estrangeiro e de Portugal, mas continuei a dar preferência a um clube em particular e esse clube em particular que me interessava muito era o Vitória. Por causa daquilo que representa em Guimarães e daquilo que representa como clube. No fundo, a essência do futebol. Aquela massa adepta é aliciante.

- Não teve medo, dada a rivalidade existente, de passar de Braga para Guimarães?

- Não, porque não tive o tempo suficiente no Braga para me conhecerem bem.

- Como foi a conversa com o presidente do Vitória?

- O André [Villa-Boas] disse numa entrevista que chegara a um momento em que começou a ser ele a entrevistar os presidentes que o queriam, mas o normal, claro, é os presidentes quererem conhecer o treinador e a pessoa. Era impensável reunir-me com um presidente sem conhecer o plantel de uma ponta à ponta e sem perceber qual o caminho a seguir. Depois vamos ajustando. Agora preciso de perceber se sou eu que tenho de fazer as perguntas sobre o que pretendem da liderança, treinador e equipa, porque às vezes não fica muito claro…

- Conversa muito diferente da que teve com António Salvador?

- Não muito. Nunca vou para uma entrevista de trabalho a querer enganar quem quer que seja. Quero ser o mais claro e o mais frontal possível para terem confiança total em mim. Faço-o com presidentes, jogadores e em casa com a minha esposa. Tento ser o mais honesto possível.

- Os seus dois primeiros jogos em Guimarães são marcados por golos sofridos no final, passando de duas vitórias para dois empates, com Farense e Sporting, sendo este último um jogo brutal. Como lidou com a perda destes quatro pontos?

- Tive necessidade de perceber porquê, até porque era algo que já vinha de trás. Não se pode atirar simplesmente à sorte ou ao azar aquilo que acontece no campo porque, ainda que tal aconteça, quando começa a ser repetido deixa de ser sorte ou azar e passa a ser outra coisa qualquer. Tive de trabalhar sobre aquilo porque, se assim não fosse, chegávamos aos 90’ e íamos começar a tremer outra vez. Identificámos um padrão e tinha a ver com a forma como estávamos a defender nos últimos minutos. Uma equipa, quando está à procura de resultados, acaba por meter mais jogadores na área e acaba por procurar mais situações de jogadas por fora e acaba por haver mais cruzamentos. As únicas formas de o evitar é fechando o corredor e, fechando o corredor, pode haver lançamentos laterais ou cantos e é preciso proteger a área. No jogo com o Sporting, não protegemos bem o corredor porque tentámos sair na pressão, a bola entrou pelo corredor, há um cruzamento e sofremos o golo. Com o Farense, defendemos bem o corredor, mas não defendemos bem o lançamento. Obviamente foi pancada muito forte, mas no final desses dois jogos eu disse que íamos ficar em quarto lugar e tinha a convicção de que íamos ficar em quarto.

- Algum dos empates foi mais frustrante?

- Talvez o do Farense porque estivemos a perder por 0-1, passámos para 2-1 e sofremos o 2-2 para lá dos 90. Foi um jogo em que tivemos grande controlo do jogo e fizemos quase 30 remates. O que fica, obviamente, é o 2-2 final, mas foi o jogo com o maior volume ofensivo da época. E isso foi fustrante, pois esses dois jogos podiam ter sido o clique para ficarmos colados ao 4.º lugar. O 4-4 com o Sporting também foi fustrante, claro, mas fizemos um grande jogo e depois a execução fenomenal do Trincão no 4-4 final foi de tirar o chapéu.

Cumprimentando Rui Borges antes do V. Guimarães-Sporting (IMAGO)

- A seguir dá-se a estranha eliminação da Taça de Portugal frente ao Elvas. Que aconteceu?

- Queríamos muito ganhar e sabemos que o Vitória tem aspirações legítimas na Taça. Foi uma frustração e, de certa forma, uma vergonha termos sido eliminados, ainda que o nosso adversário tenha tido o mérito de se manter bastante compacto e de acreditar que podia fazer bem as coisas. Marcámos muito cedo e, se calhar, adormecemos um pouco. A segunda parte não foi boa, pois sofremos um golo logo no seu início…

- E foi afastado. O que não deixa de ser estranho, apenas ao fim de três jogos.

- O resultado com o Elvas nunca foi utilizado como argumento para eu ter sido despedido. Se o fosse, era difícil aceitar, mas OK, a Taça era uma prova onde o Vitória tinha ambições. E de repente deixou de ter. Porém, não foi isso que foi utilizado como argumento. Foi usada a questão da estrutura e da instalação, quando sempre fui bastante elogioso para com a estrutura do Vitória. Não senti dificuldades e não quis fazer muitas alterações. Aliás, até fiz uma alteração que normalmente não faz parte dos meus planos: tirei o fato de treino e comecei a andar com a roupa de clube. Continuo sem encontrar justificação para ter saído.

- Alguma das duas saídas é mais marcante emocionalmente?

- As duas, porque foram no mesmo ano, na mesma época e em clubes rivais e grandes.

- Quando voltar a aparecer um clube, vai estar de pé atrás?

- O erro faz parte e até posso ter cometido erros, mas normalmente digo aos jogadores que têm de abraçar os erros para aprender com eles. Fazem parte da progressão, mas obviamente temos de os reduzir ao mínimo para ter sucesso. Não sinto que tenha falhado em nenhum dos clubes, mas não posso meter-me agora num projeto e correr o risco de falhar. E este está sempre inerente, até porque quem joga são os jogadores.