Taça Libertadores: a glória entre coração e competência
Haverá brasileiros, claro, mas também argentinos, paraguaios, uruguaios, chilenos, colombianos, espanhóis, italianos, equatorianos. E portugueses. Abel Ferreira ganhou já a Copa Libertadores duas vezes seguidas (em 2020 e 2021), tornando-se, de resto, o primeiro treinador a consegui-lo neste século.
Ele e a sua equipa técnica perseguem um extraordinário historial de conquistas nos últimos cinco anos, o que faz do duriense o mais estável e vitorioso responsável do Verdão nos últimos largos anos. E, sobretudo, quando o comparamos com a generalidade dos clubes brasileiros.
A estabilidade é um trunfo, e a Presidente Leila Pereira tem sido, igualmente, um fator determinante: voz segura e marcante, trajeto estratégico, capacidade motivacional acima da média, fazem da empresária paulista, provavelmente, a dirigente de referência do futebol brasileiro dos últimos (largos) tempos.
Por outro lado, depois do consulado dourado de Jorge Jesus, que venceu a Libertadores há seis anos, justamente em Lima, sobre o Boca Juniors, o Flamengo dividiu louros com o seu rival paulista. O Mengão foi campeão continental, de novo, em 2022, e persegue o seu quarto título, agora com uma nova gestão, protagonizada pelo português José Boto, e com um treinador que conhece bem os meandros da competição ao mais alto nível, Filipe Luís.
Chegam, Palmeiras e Flamengo, ao jogo decisivo com comportamentos desportivos distintos, nos últimos tenpos.
Claramente em quebra, os paulistas vêem na final da Libertadores a sua própria libertação da temporada, percebendo que, de outro modo, a afamada constestação dos adeptos vai aumentar. Se o Palmeiras não vencer este sábado, aqui em Lima, o regresso a São Paulo será penoso e pode, até, ser muito negativo em relação à continuidade de Abel Ferreira e da sua equipa técnica, até ao final do contrato.
Já no rubro-negro o momento é de afirmação de Filipe Luís como treinador de primeiro plano. E se o jovem quarentão de Santa Catarina vê a atual situação como uma gigante oportunidade, perante a sua administração e os seus associados, não pode deixar de olhar a contratação de José Boto como uma espécie de arma secreta, longe dos holofotes e próximo das decisões, pouco mediático mas muito experiente.
Aos 59 anos, o português de Loures vive a sua quarta experiência como diretor desportivo (depois dos ucranianos do Shakhtar Donetsk, dos gregos do PAOK e dos croatas do Osijek). Sabe que vive num caldeirão permanente, e que, ainda que seja muito provável a conquista do Brasileirão, a torcida flamenguense dificilmente conseguiria digerir uma derrota continental para o Palmeiras.
Boto tem organizado nos bastidores o futebol profissional, com uma lógica de edifício empresarial que mescla estrutura vertical a partir da formação e responsabilidade compensada pelos lucros desportivos. É o outro português (para lá de Abel Ferreira e da sua equipa técnica), com interesse direto no jogo de amanhã, no estádio Monumental de Lima.
Aqui, onde se escuta a rebentação do oceano Pacífico, há identidades e paixões em jogo. E há, entre rivais das duas maiores cidades brasileiras, corações portugueses a jogarem toda a sua competência.
Cores unidas do Brasil
São milhares. Muitos milhares.
Vêem-se no aeroporto, revêem-se nos hotéis e encontram-se na Plaza de La Nación ou na Fan Zone que a Conmebol abriu ontem, ao final da tarde, no centro de Lima.
Os brasileiro adoram futebol fazem dele conversas de todos os dias, de todas as horas. Portanto, não é difícil ver-se palmeirenses e flamenguistas juntos, nas principais ruas da capital do Peru, prontos para o que (dizem) é o jogo do século para os seus emblemas.
Lima, diga-se, é uma cidade especial. Entalada geograficamente entre os Andes (a maior cordilheira do planeta começa aqui e termina bem a sul, no Chile) e o oceano Pacífico, permite percursos turísticos bem diferentes e curiosos. Por estes dias, todos eles têm um denominador comum: a língua portuguesa, falada com o sotaque sul-americano, mas paixão e devoção únicas pelo desporto-rei.
O futebol mistura, no português do Brasil, paixão, razão, convicção e devoção. E, até que a bola role no Monumental da capital peruana, une o verde ao vermelho e preto.
Cristiano Ronaldo a preto e branco
Bairro de San Luis, zona centro de Lima.
Vejo uma jovem de camisola branca e preta, a da Juventus. Sei que o futebol é global, e que a vecchia signora é símbolo que roda o mundo, por isso não me espanto.
A jovem olha a doçura de uma montra recheada de açúcar e de pecados da gula, e logo percebo que a sua paixão pela Juventus pode ter outra origem. É que, alguns anos depois, renasce Ronaldo, com a inseparável camisola sete, nas costas de uma peruana.
Sucedeu-me isso, há dois meses, nas ruas turísticas de Seul, e bem sabia que a Coreia do Sul era um dos países em que o jogador português tinha (e tem) uma especial dose de apoio popular. Agora, do outro lado do mundo, o Peru e a jovem com a camisola sete da Juve apenas confirmam que, se o futebol é global, a sua capacidade de gerar, cultivar e motivar gerações é incomparável.