Rafa, Djaló, Hulk e mais: as novelas de mercado que ficaram 'para a última'
O mercado de transferências é, por natureza, volátil e imprevisível. Ao longo de meses, os clubes planeiam movimentos, sondam jogadores e afinam estratégias, mas, muitas vezes, tudo se decide nas derradeiras horas. O último dia da janela é um verdadeiro espetáculo paralelo ao jogo jogado: telefones ao rubro, negociações em simultâneo, dirigentes a viajar de um lado para o outro e adeptos colados às notícias em busca da próxima bomba.
É nesse ambiente frenético que nascem as grandes novelas do mercado - histórias de negócios que falharam por segundos, reviravoltas que mudaram carreiras e contratações que, contra todas as expectativas, se concretizaram no apagar das luzes. Alguns desses episódios tornaram-se parte da memória coletiva do futebol português e europeu, lembrados sempre que chega a hora de fechar a janela.
Eis algumas das maiores novelas que marcaram as últimas horas do fecho em Portugal e no estrangeiro.
Yannick Djaló e o falhanço de Nice
Em 2011, Yannick Djaló protagonizou uma das novelas mais conturbadas do futebol português. Na altura ao serviço do Sporting, a atacante tinha tudo acertado para reforçar o Nice, mas o processo complicou-se, arrastando-se até às últimas horas do mercado e acabando por falhar devido a problemas na inscrição, que já foi feita após o fecho da janela. O caso ganhou proporções tais que chegou à FIFA e ao Tribunal Arbitral do Desporto, que confirmaram a decisão.
O jogador, que tinha deixado os leões, viu-se sem clube e acabou por viver um longo período de indefinição na carreira. O clube francês considerou que o médio deveria regressar a Alvalade, enquanto o verde e brancos argumentaram que já haviam rescindido com o atleta. Djaló chegou a treinar com a formação da Côte d'Azur, mas nunca se estreou oficialmente pelo clube. Em janeiro de 2012 e depois de seis meses sem jogar, assinou... pelo Benfica.
Adrien Silva e a novela Leicester... dois anos seguidos
Poucos casos são tão emblemáticos (e bizarros) como o de Adrien Silva e o Leicester. Em 2016, o médio do Sporting esteve muito perto de rumar ao Leicester, depois de assumir publicamente o desejo de rumar à Premier League. Contudo, os leões revelaram-se inflexíveis e, apesar da proposta dos foxes, não aceitaram a saída do jogador, que era o capitão verde e branco.
Um ano depois, em 2017, a história repetiu-se, mas com contornos ainda mais caricatos: o clube inglês acertou tudo com o Sporting, mas enviou a documentação para a inscrição do internacional português… 14 segundos depois do fecho do mercado. A FIFA não aceitou a inscrição fora de prazo e Adrien ficou impedido de jogar até janeiro de 2018, altura em que se estreou (finalmente) pelo novo clube.
Rafa Silva: do FC Porto ao Benfica à última da hora
Uma das grandes transferências do último dia de mercado na história do futebol português. No verão de 2016, Rafa Silva foi o nome mais falado no mercado nacional. Dado como praticamente certo no FC Porto, com a negociações encaminhadas, houve espaço e tempo para um volte-face épico nas últimas horas do mercado
O Benfica avançou de forma decisiva e assegurou a contratação do extremo ao SC Braga ao cair do pano naquele que foi, na altura, a maior transferência entre clubes portugueses, avaliada em 16 milhões de euros. A contratação surpreendeu adeptos e imprensa, marcando um dos episódios mais intensos da rivalidade entre águias e dragões. Rafa acabou por tornar-se peça-chave do Benfica nos oito anos seguintes, validando a aposta de última hora.
Siqueira: Benfica bateu Real Madrid com Coentrão ao barulho
No mesmo espírito de negociações intensas, a chegada de Guilherme Siqueira ao Benfica tem muito para contar. No último dia do mercado de verão 2013, o lateral brasileiro esteve entre a Luz... e o Real Madrid. Depois de já ter sido sondado pelos merengues, as águias entraram em cena para conseguir os serviços de Siqueira. No entanto, em poucas horas, muita coisa aconteceu.
Com o jogador já em Lisboa, o Real Madrid voltou à corrida para contratar o defesa, visto como a solução ideal para colmatar a iminente saída... de Fábio Coentrão para o Manchester United. No aeroporto da Portela, Siqueira chegou mesmo a assinar contrato com o emblema blanco, no entanto, nas derradeiras horas do defeso, recebeu a informação de que a LaLiga não aceitoy um documento do United para o Real Madrid, por uma questão de horário.
Coentrão ficou em Madrid e Siqueira acabou mesmo por rumar ao Benfica, onde esteve uma época, cedido pelo Granada, e teve uma temporada marcante na Luz, ajudando na histórica época de 2013/14, com triplete nacional e final europeia. Curiosamente, no ano seguinte rumou ao Atlético Madrid, um dos rivais diretos dos merengues.
Witsel e Hulk: dupla bomba do Zenit... depois da hora
O verão de 2012 ficou marcado por uma dupla transferência histórica. O Zenit de São Petersburgo assegurou, no mesmo dia, Axel Witsel (Benfica) e Hulk (FC Porto), dois dos maiores talentos do futebol português na época. Com uma particularidade: os negócios aconteceram após o fecho do mercado nacional, mais precisamente, a 3 de setembro.
Isto foi possível graças aos regulamentos do futebol russo, que permite inscrições até à segunda semana de setembro, uma semana após o fecho do defeso em Portugal. As negociações foram intensas e os valores envolvidos - cerca de 40 milhões por ambos - causaram enorme impacto no mercado nacional e europeu. Foi um autêntico abalo, que deixou Benfica e FC Porto sem duas das suas estrelas maiores e sem oportunidade para as substituir.
As novelas lá fora
Naturalmente, as novelas do fim do mercado não são exclusivas ao futebol português e ao longo dos anos têm marcado também alguns dos maiores clubes europeus. Em 2004, Wayne Rooney trocou o Everton pelo Manchester United no fecho da janela, numa das transferências mais sonantes do futebol inglês naquela altura. No mesmo ano, Zlatan Ibrahimovic deixou o Ajax para se juntar à Juventus no último dia do mercado de verão.
Em 2005, Sergio Ramos saiu do Sevilha para o Real Madrid, onde brilhou durante 16 anos e se tornou uma lenda. No ano seguinte, Ashley Cole protagonizou uma das mudanças mais polémicas do século XXI ao forçar a saída do Arsenal para o rival citadino Chelsea.
Já em 2011, Luis Suárez chegou ao Liverpool vindo do Ajax no último dia de mercado, e, nesse mesmo deadline day, Fernando Torres trocou o Liverpool pelo Chelsea numa transferência milionária (€58 milhões), a segunda mais cara da história do último dia do defeso, apenas superada pela ida de Pierre-Emerick Aubameyang para o Arsenal, em 2018 (€63 milhões).
Mas também existem inúmeros exemplos de novelas que não tiveram final feliz: em 2008, Robinho falhou a mudança para o Chelsea e acabou no Manchester City; em 2009, Kaká esteve prestes a rumar ao City, mas o negócio colapsou; e em 2015, David de Gea ficou a minutos de assinar pelo Real Madrid, mas um fax atrasado travou a transferência do guarda-redes espanhol, com os documentos a chegarem ao escritório da LaLiga 28 minutos após o prazo final.