Quando o FC Porto incomoda… é porque ainda existem fantasmas do passado
André Villas-Boas iniciou a sua presidência prometendo um FC Porto renovado, reconciliado com o tempo presente e livre dos excessos retóricos que marcaram certas fases da era anterior. Porém, nos últimos discursos, o presidente tem recuperado expressões que soam mais a regressão do que a evolução. A recente afirmação - «É por causa dessa força que continuamos a incomodar tanta gente» - é disso exemplo: ecoa bem entre os adeptos, mas transporta consigo uma carga de passado que parecia já ter sido ultrapassada.
O ponto de viragem surgiu, contudo, quando Villas-Boas introduziu novamente a ideia de uma alegada «Santa Aliança» entre Benfica e Sporting, insinuando que, em sede de Liga e Federação, existiria uma sintonia de interesses contrária ao FC Porto. O termo é pesado, histórico e, sobretudo, evocativo de um tempo em que o clube se alimentava dessa narrativa para reforçar a sua identidade combativa.
Numa era que se queria mais pragmática e menos épica, a invocação desta aliança imaginária soa deslocada. Não porque o FC Porto tenha perdido força ou relevância — muito pelo contrário - mas porque o futebol português já não funciona segundo esse mapa emocional que dividia o país entre “os de cá” e “os de lá”. A competição mantém rivalidades intensas, como é natural, mas transformar o quotidiano institucional numa espécie de palco conspirativo não ajuda o clube a projetar a imagem moderna que o próprio AVB disse querer construir.
A verdade é que o discurso da perseguição permanente tem uma utilidade limitada: une internamente, mas empobrece externamente. E, mais importante, desvia atenções do essencial. Hoje, o FC Porto precisa de solidez, estratégia e serenidade. Precisa de se afirmar pela qualidade do seu trabalho, e não pela sugestão de que forças externas se movem para o travar.
É justamente aqui que emerge a contradição mais evidente: Villas-Boas apresentou-se como o rosto de um novo ciclo, mas nos momentos mais recentes tem recorrido a fórmulas discursivas que pertencem a um vocabulário que se julgava encerrado. A “força que incomoda” é uma ideia compreensível - qualquer clube grande vive com esse peso - mas a reativação da “Santa Aliança” arrisca contaminar o projeto de renovação com um anacronismo que não favorece o FC Porto.
O Dragão não precisa de se ver como alvo de conspirações para ser competitivo. O clube incomoda porque ganha, porque tem história, porque tem ambição. Não porque Lisboa se reúne em conclave para o impedir.