Patrícia Sampaio: «Este ouro teve um gosto especial»
Até agora na história do judo nacional apenas dois judocas haviam conseguido chegar a n.º 1 do ranking mundial: Telma Monteiro, nos -52 kg e -57 kg, e Jorge Fonseca, nos -100 kg. A partir desta semana, passou a existir um terceiro, Patrícia Sampaio, nos -78 kg.
Arrasadora desde que, há um ano, conquistou o bronze nos Jogos de Paris-2024, a olímpica do Gualdim País, de 26 anos, contabiliza sete pódios em sete provas, com um título de campeã da Europa pelo meio e um bronze no Mundial.
Apesar da sequência, diz que chegou o momento de fazer umas férias prolongadas para regressar, em força, para a qualificação rumo ao Jogos de Los Angeles 2028. Mas, antes disso foi buscar a liderança do ranking à Mongólia numa jornada em que ganhou tudo por ippon e pintou de dourado a estreia do irmão mais velho, Igor, como seu treinador no Circuito Mundial.
— A vitória no Grand Slam da Mongólia marcou positivamente o seu regresso à competição depois de ter sido prata no Campeonato do Mundo de Budapeste?
— Sim, mas nem sei se se pode chamar a isto regresso, porque passaram apenas umas semanas…
— Mas o Mundial já foi há cerca de um mês e meio.
— Está bem, cinco, seis semanas. Ainda não houve foi uma verdadeira paragem, portanto não considero realmente um regresso.
— É isso, neste momento sente, aquilo que já havia referido no final desta prova, um certo cansaço da temporada e da forma como se tem preparado tão bem, provavelmente igual às outras épocas?
— É verdade, mas já na altura do Mundial, durante a preparação, sentia um cansaço mais geral. Normal numa tenporada que se vai arrastando. Mesmo não sendo uma época assim tão longa, foi muito intensa, com várias competições, estágios e viagens grandes. Obviamente que nesta fase já estou um bocadinho mais cansada e isso tem-se refletido sobretudo nas últimas semanas e nesta reta final.
— Mas, uma vez que diz que já sentia esse cansaço, era a terceira do ranking mundial com os bons resultados que foi conseguido, sempre no top, qual é que foi então o objetivo de fazer uma viagem tão longa até a Mongólia para ir lá combater e sem sequer ter depois um estágio internacional?
— A decisão deveu-se a várias razões que se juntaram para essa participação. Para já, havia na prova atletas novas com quem nunca tinha lutado ou contra quem já não lutava há muito tempo e é sempre bom ter a sensação do que é competir contra elas. Depois, vou ficar algum tempo sem combater porque agora o Circuito pára um bocadinho e depois seguem-se algumas competições a que não irei e talvez só volte a competir mais próximo do fim do ano. Assim, fazia todo o sentido ter mais uma competição, e depois sim, fazer uma pausa para regressar em força daqui a algumas semanas. Além disso, coincidiu com o momento em que o Igor [Sampaio, irmão e seu treinador no Gualdim Pais] já conseguiu ter a cédula de treinador e autorização para poder orientar-me em competições deste nível. Harmonizando com a agenda dele, deu para combinar fazer esta participação juntos, pois o Igor também pretende começar a ser mais participativo nestas provas. Reunindo tudo, havia já decidido há algum tempo prolongar a temporada e ir a esta prova na Mongólia para depois fazer umas férias maiores.
— O seu irmão, normalmente, não está nestas etapas do Circuito Mundial ou se está é só na bancada e não na cadeira a orientá-la [Patrícia costuma ser acompanhada pelo selecionar Marco Morais]. Como foi tê-lo lá e depois, quando ganhou o combate da final, ir a correr e saltar literalmente para cima dele e abraçá-lo?
— Tinha sido um dia muito bom de prova, sem grandes erros, e não havia muito para ele ralhar [risos]. Havia sido só com indicações positivas e mais de reforço das estratégias e atitudes. Senti que entre os dois tinha corrido muito bem. Uma relação muito boa todo o dia de competição. E mesmo nos que antecederam a prova ele foi bastante compreensível e ajudou-me muito. Mas, claro que foi especial a primeira vez que me acompanhou eu ter ganho a competição. Dá logo outro gostinho.
— Treinam juntos há muitos anos, ele é o seu treinador desde muito nova, não é?
— Desde 2013...
— A vossa relação nos treinos é, portanto, habitual. Como referiu da maneira como ele foi nos dias anteriores à competição significa que é também preciso uma adaptação para estas provas entre os dois? Aprenderem estarem ambos no Circuito Mundial?
— Sim, é sempre preciso uma adaptação, até porque, para os dois foi uma experiência diferente. E eu, não querendo dizer que é melhor ou pior, estou habituada a viajar e competir com o Marco [Morais]. Por isso, eu e o Igor também temos de perceber como é que funcionamos nestes dias, como as coisas se organizam… Tudo isto é uma aprendizagem. Mas é uma experiência que, obviamente, temos de adquirir e é preciso dar o primeiro passo para que exista. Mas foi uma dinâmica que correu muito bem.
— O braço esquerdo no ar, com o indicador apontado para o céu, quando saiu do tatami após o combate na final tinha alguma mensagem, porque, normalmente, os seus gestos no final são dedicados a alguém que esteja na bancada ou em casa?
— Foi como no Mundial, quis dedicar a vitória à minha avó. Não estava nada planeado, foi o que senti vontade de fazer.
— A japonesa a quem ganhou na final [Mami Umeki, 27.ª do ranking, derrotada em 37s], havia-lhe ganho uma vez em no Grand Slam de Tel Aviv em 2023. Essa derrota estava-lhe atravessada?
— Não, tinha bem noção como é que ela me havia ganho, qual é que é o tipo de luta dela e fui igualmente vendo-a ao longo do dia. Tínhamos a estratégia bem definida do que era para fazer. Sabia como tinha perdido da outra vez e aquilo que não podia fazer e as dificuldades que poderia enfrentar [Umeki foi três vezes medalhada em Mundiais, ouro em 2015]. A estratégia era não lhe dar espaço para ter essa atitude e impor-se no combate e eu impor-me sempre com a minha estratégia, especialmente de pegas. Foi o que aconteceu.
— Foi a sua segunda vitória num grand slam, a primeira aconteceu em fevereiro, em Paris. Tem 10 medalhas [2+1+7 ] em slams e 15 no Circuito contando com os grand prix. Ter sido na Mongólia, para além do facto do seu irmão ter lá estado como treinador, foi de alguma forma especial?
— É-o pela presença do meu irmão e pela medalha de ouro. Relativamente à Mongólia, não tenho nenhum gosto particular [risos]. Qualquer medalha de ouro que ganhe vou gostar, independentemente do sítio. A primeira foi o Paris, o que a torna numa das mais especiais, mas não me vou importar qual seja a cidade se, a partir de agora, tivesse só medalhas de ouro. O ponto marcante e mais especial foi o Igor ter estado presente e, por acaso, a medalha ser muito bonita.
— Não falha um pódio desde os Jogos Olímpicos de Paris-2024. São sete competições, incluindo o Europeu e o Mundial.
— Sim.
— Está verdadeiramente incrível, ainda mais do que aquele período que viveu um ano antes dos Jogos [janeiro e novembro 2023] em que ganhou sete medalhas em dez provas. Como é que é estar a viver este momento de constantes subidas ao pódio?
— Penso estar numa boa fase, em boa forma física e mental, e que continuo a crescer. A cada prova descubro alguma coisa que tenho para melhorar, volto para casa e trabalho nisso. Vou tendo adversidades e obstáculos e evoluo com eles, tornando-me mais forte. Acho que, felizmente, ainda possuo margem para evoluir. Ainda cometo erros, falho, por isso há bastante para melhorar. Mas tem sido uma fase muito boa, que espero que continue. Também em termos de saúde, tenho estado muito melhor do que tive há alguns anos e acho que isso permite-me trabalhar mais e de forma mais consistente, o que depois tem trazido os resultados.
— Na pausa que vai fazer, está a pensar regressar quando?
— Em princípio só vou voltar no final do ano, no campeonato nacional e no Grand Slam do Japão. Mas, até lá, só vou parar a competição os treinos não.
— Talvez vá ser a sua maior pausa dos últimos anos, sem ser por lesão?
— Provavelmente, mas também, a partir de agora, vou apenas competir quando estiver bem e para marcar, porque ainda são três anos [até aos Jogos de Los Angeles 2028]. Três anos para treinar, competir, aguentar o corpo. A partir de agora começa uma gestão muito particular do que aí vem.
— Uma gestão para os Jogos de 2028?
— Sim, é importante o percurso até Los Angeles, sabendo que o foco será essa competição. Obviamente que tenho de marcar até lá e quero fazê-lo o máximo possível, mas é preciso gerir o ciclo de forma inteligente.