Sandra Madureira foi expulsa de sócia do FC Porto — Foto: D. R.
Sandra Madureira foi expulsa de sócia do FC Porto — Foto: D. R.

Os associados do Futebol Clube do Porto e os tribunais

'Tribuna livre' é um espaço de opinião em A BOLA aberto ao exterior, este da responsabilidade de Pedro Mota Pinho, sócio da Art, Rock & Sports - Advogados e Consultores

Tal como esteve na ordem de trabalhos da Assembleia Geral Ordinária de 22 de novembro, também se mantém na ordem do dia a decisão de expulsão de três associados do Futebol Clube do Porto. Este não é um tema novo. Não há muito tempo, e noutras latitudes clubísticas, presenciou-se a expulsão de associados publicamente conhecidos. Não obstante, este é um tema que volta a colocar em evidência o enquadramento jurídico aplicável às sanções disciplinares impostas por clubes desportivos e os mecanismos de tutela disponíveis para os seus membros. Embora os clubes sejam associações privadas com autonomia estatutária, essa autonomia encontra limites no ordenamento jurídico português, abrindo espaço para controlo judicial sempre que estejam em causa direitos fundamentais dos associados.

Ao contrário das SAD e SDUQ que vemos jogar aos fins de semana, os clubes desportivos são, em termos jurídicos, associações reguladas pelo Código Civil, sendo os seus estatutos e regulamentos disciplinares a base normativa imediata para a aplicação de sanções internas. Todavia, estas decisões devem respeitar princípios gerais como o direito de defesa, o contraditório, a proporcionalidade e a exigência de fundamentação adequada. Quando uma medida disciplinar atinge o grau máximo — a expulsão — a necessidade de rigor procedimental torna-se particularmente exigente.

Ora, caso os três associados considerem que o processo disciplinar que conduziu à sua expulsão violou os estatutos, desrespeitou garantias processuais ou aplicou uma sanção desproporcionada, podem recorrer aos tribunais comuns. A ação declarativa nos tribunais cíveis permite pedir a anulação da decisão, cabendo ao juiz verificar a conformidade do procedimento com o regime legal aplicável e com os estatutos do clube. Os tribunais não se substituem aos órgãos sociais, mas podem invalidar atos disciplinares que revelem vícios formais, irregularidades processuais ou manifesta injustiça.

O que ocorreu na Assembleia Geral Ordinária do Futebol Clube do Porto consistiu, na verdade, na confirmação pelos associados de uma decisão previamente tomada pelo Conselho Fiscal e Disciplinar, órgão estatutariamente competente para instaurar, instruir e decidir processos disciplinares. A Assembleia Geral, ao pronunciar-se, não iniciou um novo procedimento, limitou-se a confirmar — nos termos previstos pelos Estatutos — a deliberação sancionatória já formada em sede disciplinar.

A partir deste momento, os associados expulsos têm essencialmente duas vias possíveis de reação no plano jurídico. A primeira consiste em recorrer aos tribunais civis, através de uma ação de impugnação destinada a apreciar a legalidade do processo disciplinar e da sanção aplicada. Nesta sede, podem invocar eventuais irregularidades procedimentais, falta de fundamentação, violação do contraditório ou inadequação da medida sancionatória.

A segunda via, de natureza interna, é a revisão da decisão disciplinar, prevista no artigo 40.º dos Estatutos do Futebol Clube do Porto. Esta faculdade depende da existência de factos novos, supervenientes ou impossíveis de apresentar durante o processo disciplinar, que possam alterar significativamente a apreciação feita pelo Conselho Fiscal e Disciplinar. A revisão não se destina a reabrir o mesmo debate, mas a permitir que circunstâncias relevantes e anteriormente inacessíveis sejam ponderadas em nome da justiça material.

Assim, apesar de os associados do Futebol Clube do Porto serem magnânimos e, por consequência, a Assembleia Geral ter confirmado a expulsão, o sistema estatutário e o ordenamento jurídico português asseguram ainda espaços relevantes de tutela dos direitos dos associados, garantindo o equilíbrio entre a autonomia interna do clube e a proteção das garantias fundamentais dos seus membros.

Sem prejuízo, cumpre perceber que, como em tudo na vida, há trilhos no sistema que apenas e só devem ser percorridos nos momentos em que a sombra do erro e da injustiça se torna demasiado pesada para ignorar...