André Villas-Boas foi eleito presidente do FC Porto em abril de 2024 - Foto: Imago
André Villas-Boas foi eleito presidente do FC Porto em abril de 2024 - Foto: Imago

O presidente do FC Porto e o candeeiro novo da aldeia

'Verde à Vista' é o espaço de opinião semanal de Carmen Garcia, enfermeira, sportinguista e autora do blogue 'Mãe Imperfeita'

Permitam-me os leitores do Verde à Vista que comece esta crónica com uma história que, um dia, a minha professora primária — sim, sou uma pessoa antiga e não me consigo acostumar a dizer primeiro ciclo, me contou. Ora então, era uma vez, há muitos anos, uma aldeia perdida nas montanhas onde existia apenas um candeeiro na Praça Central. Era um candeeiro muito antigo, ainda do século XIX, e a luz que emanava era fraca e trémula. Os habitantes da aldeia, é claro, queixavam-se da quase total escuridão no seu centro e os visitantes não percebiam como é que ninguém fazia nada para mudar. Um dia, porém, o velho candeeiro estragou-se e o presidente da aldeia não teve outro remédio se não substituí-lo. Quando a notícia chegou, os habitantes rejubilaram: agora sim as coisas mudariam e o centro da aldeia seria finalmente luminoso. E realmente, nos primeiros cinco dias, o novo candeeiro funcionou na perfeição. Os habitantes, habituados à quase escuridão, estavam tão felizes que organizavam serões na praça central só para desfrutarem daquela luz tão clara e brilhante. Acontece que ao sexto dia, o candeeiro novo deixou de funcionar e a praça ficou mergulhada na maior escuridão de sempre. Foi aí que o presidente decidiu chamar um técnico com urgência. E quando ele chegou fez um diagnóstico que a todos surpreendeu: o candeeiro tinha sido trocado, mas a instalação não fora mexida e, por isso, era a mesma instalação antiga e corroída de sempre, incapaz de suportar o novo modelo. Nesse dia, os habitantes da aldeia voltaram para casa cabisbaixos enquanto se perguntavam 'como é que queriam resultados diferentes se mudaram o candeeiro, mas deixaram os mesmos fios?'.

Imagino que por esta altura, história contada, o caro leitor esteja a questionar qual o meu propósito com a mesma. Pois bem, esta foi a história de que me lembrei assim que comecei a sentir desilusão com André Villas-Boas que é, metaforicamente, o novo candeeiro da aldeia (a instalação elétrica antiga será, no mesmo registo, a estrutura, mentalidade e vícios internos do Futebol Clube do Porto).

André Villas‑Boas venceu as eleições internas do FC Porto a 27 de abril de 2024, com aproximadamente 80% dos votos, encerrando o longo ciclo da presidência de Pinto da Costa. Com um discurso de rutura em relação à direção anterior que, como todos sabemos, teve um estilo de liderança muito centralizado, dominador e marcado pela necessidade de fidelidade interna, o novo presidente parecia trazer consigo a modernidade e o ar fresco de que há muito se sentia falta. Mas as últimas semanas mostraram-nos que, afinal, há comportamentos demasiado enraizados.

Reparem, eu percebo que Villas-Boas se meteu numa camisa de onze varas quando gastou mais de cem milhões de euros em reforços para a equipa principal do Futebol Clube do Porto. Porque com um investimento desta dimensão só uma hipótese pode ser considerada: o Porto tem forçosamente de ser campeão nacional. Não o sendo, a posição do presidente fica muito, muito frágil. E se há umas semanas parecia que o Futebol Clube do Porto seria imbatível esta época — até porque o Sporting ainda não se tinha encontrado e o Benfica estava, tal como agora, com um futebol agónico —, a verdade é que as últimas exibições da equipa azul e branca fizeram perceber que, afinal, a equipa não está tão brilhante como inicialmente pareceu. E sim, mesmo com as vitórias (que ainda este domingo, contra o Estoril, foi profundamente sofrida).

Não foi por acaso que o discurso de André Villas-Boas endureceu e que esta semana tenha voltado o triste registo do orgulhosamente sós e do Sporting e Benfica unidos contra o Porto. Esta ideia de Lisboistão, sei eu e sabe ainda melhor o presidente do clube portista, funciona lindamente com os adeptos azuis e brancos. Porque enquanto eles, espicaçados, se juntam para defender o clube de um ataque inexistente supostamente perpetrado por parte de uma dupla que naturalmente desprezam, a posição do presidente portista fica acautelada. É que, se correr bem, Villas-Boas dirá que foi contra tudo e contra todos. E se correr mal dirá que avisou e Sporting e Benfica funcionarão como bodes expiatórios perfeitos.

Já agora, talvez alguém já o tenha feito, mas gostava de relembrar o presidente azul e branco que o Sporting, esta época, jogou a 26 de outubro com o Tondela, a 28 com o Alverca para a Taça da Liga e a 31 novamente com o Alverca, mas desta vez para o campeonato. E ganhou os três jogos por 0-3, 5-1 e 2-0, respetivamente. Portanto sim, é possível ter sucesso jogando com poucas horas de intervalo e não, o Futebol Clube do Porto não está a ser vítima de nenhuma tentativa de sabotagem.

Mas não foi só o discurso que me fez acreditar que Villas-Boas se transformou no novo candeeiro da aldeia. A televisão, impossível de desligar, a passar ininterruptamente lances polémicos da primeira parte do jogo contra o SC Braga no balneário da equipa de arbitragem, foi uma prova de que os fios elétricos não foram todos mudados e que, como tal, há uma parte do pior do Futebol Clube do Porto que subsiste e cujo modus operandi parece ser agora aceite pelo presidente que, esperávamos todos, viesse colocar um ponto final nestas situações.

E antes que me venham com desculpas de mau pagador: é possível defender o clube com determinação sem cair neste tipo de comportamento. Um presidente pode ser aguerrido sem apelar ao ódio (mesmo que de forma indireta) e lutar por justiça sem tentativas descaradas de condicionamento.

Sempre gostei de André Villas-Boas. Do que podia ver da sua postura e intervenções públicas, tinha a ideia de estar perante um homem íntegro, inteligente e com verdadeira vontade de mudar para melhor. Hoje acho que gosto menos um bocadinho. A aldeia já passou tempo suficiente na escuridão. Era suposto que um candeeiro novo trouxesse consigo mais luz.

No pódio
2025 foi um ano de ouro para a geração de Sub-17 que, futebolisticamente falando, dominou a Europa e o mundo na sua categoria. Com exibições consistentes, resiliência e qualidade coletiva, os miúdos portugueses mostraram ter garras e nervos de aço. Veremos agora se estes talentos serão aproveitados pelos clubes que os formam ou se, daqui a uns anos, os vamos ver relegados para segundo plano, preteridos em detrimento de jogadores estrangeiros que custam muitos milhões. Porque a formação pode ser ótima, mas perde o sentido se não der muitos e bons frutos para as equipas principais.
Na bancada
Durante o jogo com o Estrela da Amadora, nas bancadas de Alvalade, cantaram-se/gritaram-se frases anti-Benfica — eu não estive no estádio, mas foi perfeitamente audível através da transmissão televisiva. E se isto já me parece descabido quando até jogamos contra o clube da Luz, torna-se surreal quando o nosso adversário não é sequer o Benfica. Os nossos cânticos devem apoiar sempre o Sporting. Tão só e apenas isso. Os outros, mais ou menos rivais, não cabem na nossa casa, nas nossas letras ou nas nossas vozes. Temos a obrigação de ser maiores, muito maiores, do que isso.