O que não faz sentido em Rodrigo Mora
Em sentido contrário a tudo o que se tem passado esta temporada no Dragão, Rodrigo Mora tem, jogo após jogo — talvez seja melhor escrever golo após golo, ou ação decisiva após ação decisiva —, subido degraus rumo a uma afirmação relâmpago.
No meio do caos de ideias que não se dissipou nem sequer com um olhar para o futuro em castelhano com sotaque argentino ainda que tímido — Buenas noches, que tal? —, entre jogadores bem mais experientes que já não se sentem confortáveis com a bola a queimar muito tempo nos pés e estão pressionados pela maior probabilidade de fracasso, o miúdo absorve a responsabilidade de ter ser quase sempre ele a decidir. Não consegue fazê-lo sempre bem, porém não deixa de, por isso, estar muito mais perto de consegui-lo do que os colegas, amarrados aos próprios fantasmas e a outros, coletivos, de quem, após tudo somado, já não vê como tudo pode voltar a correr bem. Dificilmente, poderia.
Rodrigo Mora passou de merecer ser convocado a exigir minutos, de entrar para agitar a ter de ser titular, de ser um mais para ajudar a ter de resolver, de ter de resolver por falta de comparência dos seus pares até ser o centro da reestruturação do plantel. Não faz sentido.
Aqui entre nós, o miúdo não é mais jogador hoje do que há dez meses, o que nos confirma que continua a existir uma resistência absurda e incompreensível à juventude — olhem para que se passou antes com Vitinha e o que se passa a sul, por exemplo, com Prestianni e Schjelderup, ainda que estas últimas ideias sejam diferentes das que moram ao lado, em Alvalade, através de Geovany Quenda ou Conrad Harder —, que, depois, ao se perceber o inevitável, afinal é melhor do que quem já lá anda há mais tempo e passa a ter de levar os outros às costas.
Será que não se sabia há um ou dois anos que vinha lá alguém desta qualidade, pelo que já fazia com os das sua idade? Não o viram depois no estágio de pré-época e a seguir nos treinos na equipa principal? Pelo menos, ao ponto de arriscá-lo bem mais cedo em campo? Claro que sim. Por exemplo, no Benfica de que falámos ainda agora, onde está aquele «é o miúdo [João Félix] e mais dez» de Bruno Lage quando subiu pela primeira vez à equipa principal dos encarnados? Onde está, ao mesmo tempo, essa irreverência de jogar como se o mundo fosse acabar em instantes desse primeiro ano, em que o Benfica terá jogado o melhor futebol em muitos anos? A consciência do possível falhanço deita, quase sempre, tudo a perder, mesmo que as probabilidades de que aconteça sim ou sim sejam iguais para qualquer outra decisão. Amigos, até o teimoso do Roger Schmidt lançou (e bem) João Neves.
No entanto, quando leio que agora existirá toda uma reestruturação à sua volta, tocam perto de mim todos os alertas imaginários que possam caber na minha mente. Não tem que ver com o (enorme) talento ou com a capacidade de o jovem Rodrigo realmente poder ou não assumir esse papel de chefe de fila, mas sim com o que tal significa: o roubar-lhe a juventude que lhe garante uma espantosa irreverência, o queimar gradual de etapas e o injetar-lhe responsabilidade em demasia nas veias, o que poderá torná-lo então mais consciente dos riscos e inibi-lo. Enfim, transformá-lo em algo diferente, com bem menor percentagem daquilo que realmente o torna único.
Lembrem-se comigo de João Vieira Pinto, a quem tantos, incluído eu, comparam Rodrigo Mora — no toque, no drible e na explosão rápida, para lá do óbvio, o tamanho e a mobilidade —, e de todo aquele amadurecimento precoce, que já vinha dele, é certo — o casamento e a paternidade bem cedo, e a precocidade que lhe permitiu estar em dois Mundiais sub-20 —, mas a quem, aos 20 anos, quase 21, acrescentaram o peso da responsabilidade de ter de andar com um gigante como o Benfica às costas. Funcionou uma época em oito — e como funcionou naquele 3-6 em Alvalade! —, mas não foi suficiente para que tivesse marcado uma era no Estádio da Luz.
Pareceu sempre que lhe faltava companhia, qualidade à volta. Vale e Azevedo, com a cumplicidade do treinador alemão Jupp Heynckes, deixou a opinião dos adeptos, a de que mal treinava e pouco se aplicava, lhe entrasse gabinete dentro e justificasse de forma populista a sua decisão, já que afinal, era um vencimento alto. Libertou-o. Não só do contrato, mas de toda a carga que o perseguia, para poder ser grande figura de um Sporting mais distribuído. O menino de ouro passou a ser o grande artista.
Não há casos iguais, é certo. Todos o sabemos. Não só os casos, mas os contextos e, sobretudo, as pessoas são distintas. O resultado pode, claro, bem ser diferente. No entanto, o FC Porto tem mais a ganhar em rodear o miúdo de qualidade do que de escudeiros que o seguirão, mas pouco decidirão. Isso não rouba quilates ao diamante, não o diminui, apenas o protege para que valha mais no futuro. Ainda mais com um Campeonato do Mundo de Clubes que até pode servir como primeira grande montra.
O momento não é para grandes investimentos e há muitas dúvidas em torno do futuro imediato do FC Porto, olhando para o presente. O mais evidente continua a ser Martín Anselmi. Ainda que o argentino tenha tido poucos argumentos, ou seja, um dos piores planteis em muitos anos, para realizar um trabalho sólido, não terá esclarecido questões na forma como a equipa muitas vezes se organiza para lá dessa fraca qualidade individual. O rumo assumido com o ex-Cruz Azul foi o de uma equipa agressiva e dinâmica, porém, com Andoni Zubizarreta, poderá haver a tentação de regressar ao ataque posicional, seja com nomes como o de Imanol Algacil ou outros.
Mudar de filosofia, com outro treinador, significa ter de ajustar alvos no mercado. Há ainda reforços como Samu e Nehuén, que ainda não terão chegado ao nível exigível para as posições que ocupam, e outros que provavelmente nem conseguirão dar a profundidade que um FC Porto em várias frentes precisará. Há muito a fazer e pouco dinheiro, mas se até os monstros precisam de companhia, o que dizer que alguém que caiu do céu portista como Rodrigo Mora.