O melhor em campo foi o VAR, garante da verdade desportiva (crónica)
Imagine-se que o Sporting-Marselha da Liga dos Campeões tinha tido o mesmo tipo de arbitragem do jogo anterior dos leões, em Paços de Ferreira, onde as decisões dos árbitros de campo foram soberanas. É um exercício curioso, especialmente para aqueles que continuam a dizer que o homem nunca foi à Lua, perdão, o que dizem mesmo, que é do mesmo calibre asinal, é que o VAR veio prejudicar o futebol.
Ora bem, o que tinha acontecido em Alvalade se prevalecessem as decisões de Rade Obrenovic e ‘sus muchachos’, era que tinha havido uma grande penalidade contra os leões, que perdiam por 0-1, ao cair do pano da primeira parte; simultaneamente o ‘marselhês’ Emerson não tinha sido expulso; o golo de Geny Catamo teria sido invalidado por fora-de-jogo; e Maxi Araujo tinha visto o cartão vermelho aos 89 minutos. Coisa pouca, não é? Seria o suficiente para andarmos durante várias décadas a falar de roubo de igreja e, muito mais grave do que isso, a verdade desportiva teria sido brutalmente assassinada. Por isso, viva o VAR e quem o apoiar. E apoiar o VAR não é elogiá-lo quando nos agradam as decisões tomadas, mas sim reconhecer a tremenda utilidade que tem na credibilização do futebol.
Vamos ao jogo
Para simplificar, devo começar por dizer que o Sporting levou um enorme banho de bola durante a primeira parte, frente a um Marselha que lhe foi superior em versatilidade, organização, velocidade de circulação da bola e densidade tática. E os leões até nem começaram mal, a pressionar alto e a dificultar as saídas de bola da equipa do sul de França, ganhando até um livre perigoso aos quatro minutos, que Trincão rematou por cima. Mas foi sol de pouca dura. Aos dez minutos já o Marselha mandava no jogo, graças a uma teia tecida sobretudo por Weah, Hojberg, Greenwood e Igor Paixão, que engoliu o meio campo do Sporting, deixou Hjulmand e João Simões extremamente vulneráveis à quebra sucessiva de linhas, que os franceses conseguiam, e permitiu que o perigo rondasse cada vez mais a baliza de Rui Silva. Depois de dois avisos, à terceira foi de vez para Igor Paixão, que assinou um golo de bandeira, dando verdade ao marcador.
O Sporting não se entendia com a plasticidade dos líderes da Liga gaulesa, capazes de jogar em 4x3x3 quando faziam subir Weah, ou em 5x4x1, quando este baixava no flanco direito, passando Pavard para central, ou ainda apelando à sistemática movimentação para zonas centrais do lateral Emerson, que não só abria o flanco a Igor Paixão, como ainda ia ajudar à festa no meio-campo, tornando mais nítidas as situações de inferioridade numérica em que os leões eram apanhados. Nesse período, sobretudo os ataques rápidos do Marselha tiveram muita qualidade, e podiam ter elevado o marcador para números quiçá à prova de reviravolta. E foi assim que chegámos ao lance em que Emerson, que tinha visto um cartão amarelo, por mão, aos 38 minutos, simulou descaradamente uma falta dentro da grande área do Sporting, alegadamente cometida por Maxi, que o árbitro considerou merecedora de grande penalidade. Foi então que o VAR vestiu, pela primeira vez, o fato de Super Homem e de uma penada fez ver a Obrenovic que não só não havia penálti, como era imperioso mostrar o segundo amarelo a Emerson. De uma penada, um Sporting que se arriscava a ir para o descanso com 0-2 e a ter de jogar a segunda parte contra onze adversários, viu-se a manter a desvantagem mínima e a defrontar, na metade complementar, uma dezena de opositores.
De Zerbi mal, Borges bem
Ao intervalo, as múltiplas costelas italianas do bresciano De Zerbi falaram mais alto, tirou Mason Greenwood, que segurava a bola e marcava tempos de jogo, recompôs a esquerda com Castillo, e só quis defender o 0-1, com um 5x3x1 sem brilho, que deixava Aubameyang votado ao abandono, e dependia apenas da teoria da destruição, em contraste absoluto com aquilo que foi o potencial demonstrado pela sua equipa na primeira parte.
Rui Borges viu a oportunidade e agarrou-a com unhas e dentes, depois de quase vinte minutos de meditação. Aos 64 minutos mandou a jogo Ioannidis e Catamo, baixando Pedro Gonçalves para zonas de construção, onde vestiu a pele do ‘oito’. De Zerbi, sem mexer nada na disposição da equipa, ainda refrescou as alas e o meio campo, com Angel Gomes, mas o registo do Marselha continuou medíocre, qual equipa pequena a defender-se como podia. Mas não pôde, porque aos 69 minutos Catamo empatou a partida, o assistente assinalou fora-de-jogo, e lá teve de vir o VAR colocar ordem na casa, mostrando que o moçambicano estava em jogo, graça ao pé esquerdo de Pavard.
Com o empate, o resultado ficava mais justo, mas o Sporting, já que o adversário parecia satisfeito por não perder, foi à procura de mais, e Rui Borges, que colocou Allison a fazer o flanco esquerdo e Maxi a fletir mais vezes para o centro, teve o prémio para a sua audácia quando o ex-Leiria, que estava em campo há seis minutos, bateu, após um desvio no braço de Balerdi, Rulli pela segunda vez.
Em desespero, o Marselha finalmente quis jogar, e até podia ter causado problemas se Maxi tivesse sido expulso aos 89 minutos, como ordenou o árbitro Obrenovic. Mais uma vez, o VAR mandou-o ao monitor e o vermelho, como que por magia, passou a amarelo, e foi ainda em vantagem numérica e à frente no marcador que o Sporting encarou os sete minutos de compensação, que terminaram em festa verde-e-branca.