O futebol inglês em sentido contrário

O mundo tem vindo a observar, com espanto, as imagens de um parlamento inglês onde parece acontecer, dia após dia, um baile de baratas tontas. Os deputados ingleses andam a tratar da saída, já pouco limpa, da União Europeia. Chamaram-lhe Brexit, num tempo de eufórica arrogância, agora pedem, com a humidade possível, um adiamento da data de saída, não se percebendo bem o que possa mudar nos próximos meses, a menos que confiem, coisa que não é de todo disparatada, na insolvência moral dos negociadores europeus, que os leve a mudar, mais uma vez, de convicções e, sobretudo, de consciência.


Enfim, o mundo não estava habituado a ter, dos políticos ingleses, a imagem de incoerência e de desorientação que tantas vezes foram apontadas como lamentáveis características desses povos pobres do sul de Europa, que, de tanto sol e praias, acabaram por queimar as ideias e a sensatez.
Hoje em dia, os políticos ingleses parecem-se cada vez mais com os atores daquela antiga e fantástica série do Yes Minister e não raros são os que têm curiosas semelhanças com o Mr. Bean.


Mas - perguntará o leitor - que propósito terá a questão do Brexit e da salganhada política em que a Inglaterra se meteu, numa crónica supostamente desportiva?


E eu respondo: é que o futebol inglês tem caminhado em sentido contrário ao da política inglesa.
Também no futebol os ingleses foram arrogantes e aparentavam uma atitude detestavelmente superior. Porque tinham inventado o jogo, porque não tinham nada a aprender com os bárbaros do continente, porque os seus treinadores exportavam pelo mundo inteiro aquele futebol direto de todos a correr atrás da bola, como se não houvesse amanhã.


Mas o futebol inglês mudou. Primeiro, mudou pela vontade e determinação política de acabar com a violência e derrotar o flagelo do hooliganismo; depois, pela louvável inteligência de montar uma esplêndida máquina de negócio; por fim, criando um novo e apaixonante futebol, abrindo as portas dos clubes ingleses aos melhores jogadores do mundo e aos melhores treinadores da Europa, que, por sinal, também são os melhores treinadores do mundo. O resultado, está à vista de todos. Quatro clubes ingleses (Manchester City, Manchester United, Tottenham e Liverpool) nos quartos de final da Champions, e ainda mais dois clubes ingleses (Arsenal e Chelsea) nos quartos da Liga Europa.
Ora, se há situações em que o futebol dá exemplos, este é um deles. O exemplo vem, pois, de Inglaterra, onde o futebol atingiu um superior patamar de organização, de planeamento e, o mais importante, de rigor e qualidade. Virtudes em que, obviamente, a política inglesa se mostra, hoje em dia, manifestamente carente.


Poder-se-á dizer que o futebol em Inglaterra não é, apenas, um exemplo de sucesso para a Grã Bretanha. É verdade. Bem poderia ser um exemplo, também, para Portugal, onde as virtudes são, todas elas, singulares. Portugal é excelente na qualidade dos seus treinadores, dos seus jogadores e até já foi excelente na qualidade dos seus árbitros, embora, hoje, já não o seja. Dir-me-ão que falta a qualidade dos dirigentes. É uma meia verdade. Aos dirigentes do futebol português, em geral, nem sequer falta qualidade, o que falta, e muito, é cultura. Cultura desportiva e não só. São capazes de desenvolver modelos criativos e competentes nos seus clubes, mas são totalmente incapazes de entender que o futebol precisa de um modelo organizado e proporcional, que promova o crescimento coletivo, algo que se torna totalmente impossível quando o modelo assenta na destruição da concorrência.