No jogo da saúde mental, vencer também conta!
Outubro é o mês da Saúde Mental e não poderia passar sem assinalar a data, ou não fosse o desporto o palco mais paradoxal para falar de saúde mental. Pois, por um lado, a prática de exercício físico é uma das ferramentas mais eficazes na promoção do bem-estar psicológico: reduz sintomas de ansiedade e depressão, melhora o humor, a autoestima, a regulação emocional, a sensação de controlo e, ainda nos ensina a lidar com o esforço, com a dor e com a frustração promovendo competências psicológicas essenciais para a vida. Para a população em geral, o movimento, a superação e a pertença fazem do desporto um remédio poderoso. Mas do outro lado da moeda fica a alta competição, um terreno que se pode tornar tóxico e fértil para o sofrimento psíquico, onde a busca pela excelência pode transformar-se numa prisão invisível.
A alta performance vive num ecossistema onde o valor da pessoa se confunde com o resultado e é aí que reside a maior armadilha. A cultura do ganhar a qualquer preço, o controlo extremo sobre o corpo e a ausência de espaços seguros para expressar vulnerabilidade fazem com que o desporto de elite possa deixar de ser promotor de saúde e se transforme num risco para ela. Existem cinco grandes fatores que tornam o desporto de alto rendimento um terreno perigoso para a saúde mental dos atletas.
Em primeiro lugar, a pressão permanente e o mito da invulnerabilidade criam o clima ideal para que o/a atleta aprenda a silenciar emoções e a vestir uma máscara de força. Esse silêncio, prolongado, abre espaço para sintomas de depressão, distúrbios de sono e crises de ansiedade.
O segundo grande fator, a identidade reduzida ao desempenho, pode ser inconsciente, mas a verdade é que muitos(as) atletas crescem a acreditar que o seu valor pessoal depende do que conquistam. Quando a identidade se resume a ser atleta (mais comum do que se possa imaginar), qualquer lesão, derrota ou pausa competitiva pode provocar uma sensação de vazio e perda de sentido que pode doer mais que qualquer lesão física. O perfeccionismo e o corpo levados ao limite são o terceiro fator. O desporto de alta competição valoriza o detalhe, o rigor, a superação constante, mas tudo em demasia pode tornar-se veneno. O treino exaustivo, a autocrítica permanente e a busca pelo controlo absoluto sobre o corpo podem gerar burnout, distúrbios alimentares e desregulação emocional. A fronteira entre disciplina e compulsão é tão ténue que é difícil perceber onde uma começa e a outra termina. Junte-se a isto a exposição mediática e o impacto das redes sociais. A visibilidade que acompanha o sucesso trouxe um novo tipo de pressão: a de viver permanentemente sob observação e, mais do que isso, sob julgamento, entre aplausos e verdadeiros linchamentos digitais.
O que antes era um espaço de motivação tornou-se também uma fonte de crítica, invasão de privacidade e desgaste psicológico. E, por fim, mas igualmente importante, a ausência de recuperação mental. Na alta competição, a recuperação física está planeada ao milímetro, mas a recuperação psicológica nem por isso. Calendários saturados, a exigência mediática e a cultura do sempre mais deixam pouco espaço para a pausa. Mas a mente, tal como o corpo, precisa de descanso, precisa de desligar e reconectar. Ignorar esta dimensão transforma o treino num ciclo de stress acumulado, que mais tarde ou mais cedo terá o seu preço.
Proteger a saúde mental no desporto de elite exige uma mudança cultural profunda. Exige deixar de ver o atleta apenas como um corpo de rendimento e reconhecê-lo como uma pessoa integral, com emoções, fragilidades e necessidades psicológicas.
Os próprios atletas precisam de reaprender que pedir ajuda não é desistir ou ser/estar débil, é apenas resistir com inteligência e maior probabilidade de sucesso.
Afinal, o desporto ensina-nos a cair e levantar, a persistir quando o corpo quer parar, mas talvez já seja hora de aprender uma outra lição: a excelência não se mede apenas em medalhas ou títulos, mas também na capacidade de manter a mente saudável, pois só assim o sucesso será sustentável a longo prazo.