«Não é tempestade, é mesmo furacão», a crónica do Sporting-Farense
Os fenómenos extremos do clima estão ordenados por ordem alfabética. Por enquanto vai na letra C, mas haverá o dia em que a letra G terá de ser batizada com o nome de Gyokeres. Mais que uma grande lufada de ar para o futebol português, este sueco é um furacão que promete arrancar as raízes mais profundas de qualquer defesa.
Esta noite, em Alvalade, não foram apenas três golos (o primeiro hat trick pelos leões) apontados ao Farense; foi mais uma demonstração de que com ele toda a equipa cresce em confiança. Porque as suas capacidades físicas convidam os colegas a subirem mais uns metros em campo e, consequentemente, pressionarem os adversários. Em resumo, permite um Sporting muito mais autoritário.
É certo que tudo está ligado. Gyokeres pôde mais uma vez expressar os seus atributos porque a equipa está sistematizada, respira muita saúde e sente-se muito confortável neste jogo feito de muita largura, variações rápidas de flanco, mobilidade e, acima de tudo, muita intensidade quer na procura de linhas de passe quer na reação à perda da bola.
Esta última característica esteve bem evidente na nova dupla de médios, feita de dois esquerdinos, com a particularidade de um deles ser Gonçalo Inácio, que já havia experimentado o lugar na pré-época. Numa equipa desconfiada de si mesma, uma adaptação destas poderia representar um engulho, mas não no atual líder do campeonato. O central foi um peixe na água, a fazer lembrar a mutação com sucesso de Miguel Veloso. Adicionalmente (e não numa ordem inferior) assistiu-se ao regresso da melhor versão de Trincão. Confiante, determinado, beneficiou da profundidade e linhas de passe longas que Gyokeres oferece. O primeiro golo nasceu assim, num contra-ataque em que o antigo jogador do Barcelona tirou Artur Jorge com requintes de malvadez e colocou a bola no espaço para a finalização, na passada, do ponta de lança.
Noutras circunstâncias (e com outros jogadores), a aceleração e passe na hora certa não teria o mesmo desfecho e provavelmente o esquerdino até faria mais contenção, procurando uma tabela ou entrando para dentro, aumentando as probabilidades de perder a bola. Não houve lance mais paradigmático do que este durante o jogo sobre o que é jogar com ou sem Gyokeres — o sueco faz emergir o melhor que há nos outros, no caso um jogador fantasista que beneficia de um referencial que ganhe metros e abra brechas no terreno para lançadores como Trincão ganharem mais objetividade.
Encher ou não a baliza
Apesar de o jogo ter terminado com seis golos, o resultado não resume a diferença entre duas equipas que tinham proporcionado um ótimo espetáculo na última vez que se encontraram, em Faro (vitória por 3-2 dos verdes e brancos). O Sporting foi sufocante na primeira parte (Israel só tocou na bola aos 38’ para receber um atraso de Matheus Reis) e não deu assim tanto espaço aos algarvios em todo o jogo. Mas em três remates perigosos os leões de Faro fizeram dois golos, com dois potentes remates de Matheus Oliveira (terceiro golo frente à antiga equipa em duas partidas) e Vítor Gonçalves, que apesar de todo o mérito na execução deixam algumas dúvidas sobre a capacidade de Franco Israel ser um daqueles guarda-redes que enche uma baliza.
Seja como for, e mesmo quando o Farense reduziu para 1-2, nunca o Sporting tremeu, ao contrário de outras ocasiões no passado. Porque, ato contínuo, lançou-se numa torrente ofensiva que teria uma conclusão óbvia: numas vezes a bola bateu nos defesas, noutras no guarda-redes. O 3-1 até nasceu num lance caricato, mas o marcador iria sofrer alterações de uma maneira ou de outra. Com as defesas do opositor já em baixo, ainda houve tempo para o golo que retrata este leão renovado: passe de 40 metros de Pedro Gonçalves para colocar Gyokeres no um para um contra Artur Jorge. É escusado contar o resto: para ele é como se fosse um penálti.