Fotografias utilizadas cedidas por Beyond T7nnis

Levar o ténis a África com uma moto a servir de rede

João Beltrão é arquiteto e apaixonado por motociclismo. Criou o projeto Beyond T7nnis. Na sua moto, foi de Leiria até Marrocos, onde doou equipamentos de ténis a crianças que não têm acesso ao desporto

João Beltrão sente que tem o espírito português de partir à descoberta. Foi esse espírito aventureiro que cultivou em si a paixão por motociclismo e pelas viagens de moto. Em abril de 2024, este arquiteto de 36 anos embarcou numa tour de moto até Marrocos. Foi nessa viagem que iria começar — ainda que na altura não soubesse — um projeto solidário com o qual conseguiu unir as suas principais paixões: o ténis e o motociclismo. Em visita à redação de A BOLA, em Lisboa, contou como nasceu o Beyond T7nnis.

«Eu gosto sempre de levar Portugal comigo nas minhas viagens para onde quer que vá. Não sei bem o porquê, mas, em 2024, antes de ir para Marrocos, decidi que ia levar comigo umas raquetes e umas bolas de ténis. Pensei: ‘certamente quero encontrar umas crianças e dar-lhes esse material’».

Foi a bordo da sua Yamaha que partiu de Leiria em direção ao continente africano. Na bagageira, levava quatro raquetes e quatro bolas de ténis, com o objetivo de levar a modalidade a lugares a que ainda não conseguiu chegar. Tinha preferência por partilhar os equipamentos com as comunidades mais remotas, onde o desporto era mesmo inacessível. E conseguiu.

Quando retirava as raquetes da bagageira da moto, em certas regiões, o olhar atento de muitas das crianças denunciava que nunca tinham visto tal objeto. «Algumas, pequeninas, começavam a dar passos para trás e a levantar os braços, como se de uma arma se tratasse», conta.

«Começava por explicar os primeiros toques na bola. E depois, obviamente, não levava uma rede, mas uma mota serve perfeitamente como uma rede», disse.

João Beltrão não conseguiu ensinar tudo o que sabe e o que há para saber sobre ténis, até porque a somar ao tempo da viagem havia ainda a barreira linguística que o separava das crianças. Mas diz que é nessa lacuna que coloca mais curiosidade.

«Quero voltar para perceber o que é que as crianças evoluíram e, acima de tudo, que desporto é que elas inventaram, porque elas vão inventar alguma coisa».

João com as três meninas a quem doou raquetes, em Amellagou, Marrocos (Foto: Beyond T7nnis)

Beltrão deixou África com uma promessa: iria voltar com mais raquetes. Conta-nos que não parava de pensar em como precisava de continuar a ação que tinha despontado. Por isso, exatamente um ano depois, em abril deste ano, voltou a Marrocos. Dessa segunda vez, levou dez raquetes e trinta bolas, tudo material usado ao qual resolveu dar uma nova vida.

João conta-nos que nesta segunda ida de moto às terras marroquinas, cruzou o seu caminho com o de três meninas. A cada uma, deixou uma raquete. Uma delas, recorda, parecia ter um talento natural para o ténis: «Era extraordinária a forma como ela era capaz de ler os ressaltos da bola, completamente malucos por causa da gravilha da rua. Ler a bola é das coisas que demora mais tempo no ténis. Por isso, eu saí dali... emocionado. Fui o resto do dia a pensar naquilo», recordou. «Ali senti que aquilo mudou mesmo, que elas gostaram e que vão utilizar aquilo. Quero lá voltar e quero ir lá deixar mais uma raquete, para poderem brincar quatro».

Foi quando regressou, há poucos meses, que trouxe a certeza de que estava na altura de elevar a iniciativa e lançar o projeto. Foi então que deu nome e cara ao Beyond T7nnis.

Neste momento, contou-nos, já está de partida para a próxima viagem, que será a primeira missão oficial do projeto. Consigo, irá levar 16 raquetes e 30 a 40 bolas.

Tem objetivos delineados para expandir a iniciativa e cultivar cada vez mais pelo mundo a adoração que ele próprio tem pelo ténis, mas deixa uma ressalva: «Algo que eu nunca quero que se faça, para mim está completamente excluído, é ir a um sítio deixar um caixote e dizer ‘até amanhã’. Está completamente fora de questão. O importante é ir e ter um contacto direto com a população. É fundamental, porque é esse o primeiro ensinamento, é aí que se criam as bases e o gosto.»

A dado ponto, durante a entrevista, João deixou de recorrer ao tu e passou a falar das ambições do Beyond T7nnis no plural e disse-nos: «Nós não levamos só um desporto às crianças. Estamos a levar uma brincadeira, estamos a levar esperança e sonhos. E isso são armas poderosíssimas para o seu desenvolvimento. Estamos a dar às crianças a capacidade de sonhar, de verem que há algo mais para elas do que aquela vida que conhecem.»

*Fotografias utilizados nos vídeos disponibilizadas por Beyond T7nnis