Lembra carreira arruinada pelas drogas: «Gastava o dinheiro todo e a família passava fome em casa»
Flávio Donizete, agora com 41 anos, assume que destruiu a sua carreira e a vida pessoal por causa das drogas. O antigo defesa brasileiro chegou a vender a medalha que recebeu pelo título Mundial de Clubes, conquistado com o São Paulo em 2006, na final (1-0) contra o Liverpool, para arranjar dinheiro para cocaína.
Antigo vencedor da Copa Libertadores há duas décadas, Donizete relatou o seu calvário: o vício em drogas, contra o qual lutou durante sete anos. «Quando me apetecia cocaína, chegava a consumir 20 vezes por dia para matar o meu ego!», confessou o ex-defesa numa entrevista ao Globoesporte.
«Quanto mais consomes, mais ficas preso na armadilha. Vendi aquilo que tanto desejei conquistar», declarou Donizete.
«Quanto mais cocaína consumia, mais me afundava!»
O pesadelo do brasileiro começou por brincadeira: «Comecei a sair à noite com amigos e a beber. Depois de ficar embriagado, vi um grupo de pessoas a consumir drogas e experimentei também.» Este foi o início de um ciclo vicioso e angustiante que lhe virou a vida do avesso.
«Fui viciado em cocaína durante quase dois anos. Cada vez que a usava, afundava-me mais», recordou. Chegou a ficar sem dinheiro e a necessidade de alimentar o vício levou-o a tomar decisões desesperadas. Vendeu tudo o que tinha, incluindo a medalha de campeão mundial que conquistara em 2005!
«Vendi-a sem me aperceber. Claro que me arrependi mais tarde. Era algo conquistado com muito suor e que vendi por migalhas para satisfazer este desejo. Depois do efeito passar, pensei 'Mas que raio, o que é que eu fiz? Como pude fazer isto?'. É revoltante!. O meu corpo pedia a droga. Quando bebia um copo, automaticamente vinha-me a vontade de consumir drogas. Tive essa experiência. Depois de beber um copo de cerveja, a primeira coisa que fiz foi comprar droga», reconheceu.
Flávio Donizete terminou a carreira em 2019, na Portuguesa: «Podia ter ido mais longe se não fossem as drogas. Não seria um fenómeno, mas tive imensas oportunidades que deixei escapar.»
Cafu ofereceu-lhe uma réplica da medalha de campeão que vendeu
O período negro da sua vida ficou para trás, mas os fantasmas do passado perseguem-no. Cafu ofereceu-lhe uma réplica da medalha de campeão mundial que vendeu para o consolar, e a família tornou-se a sua prioridade, pela qual continua a lutar:
«Não preciso de chorar constantemente e relembrar o passado. Sei que, por vezes, é doloroso, triste, porque gostaria de estar numa situação diferente. Mas Deus moldou-nos de forma a que eu possa partilhar (este testemunho) com outras pessoas, para que façam o que é certo e sigam o caminho correto na vida".
«A Cibele andava atrás de mim na casa de banho, no lixo e em todo o lado!»
Na entrevista, Donizete contou como a sua mulher lutou para o salvar: «Não levava dinheiro comigo. Nunca. Se estivesse sozinho e tivesse 10 reais [cerca de 2 euros] na carteira, sabia que iria comprar droga. Se encontrasse 30 reais [5 euros] na carteira dela, levava-os todos. Um dia, a Cibele percebeu e disse-me 'A partir de hoje, só sais de casa com os bolsos vazios!' A Cibele vigiava-me 24 horas por dia. Se ia à casa de banho, se saía para deitar o lixo, ela estava sempre atrás de mim. Sem este apoio, a minha queda seria irreversível», lembrou.
Foram sete anos em que Flávio Donizete abusou da cocaína e viveu meses terríveis devido ao vício: «Lembro-me de uma crise de abstinência. Não queria sair de casa porque sabia que, se o fizesse, iria consumir droga.» Vivia numa favela em Itapecerica da Serra.
«Ali há muitos sítios onde as pessoas consomem drogas como se bebessem água. Consumi também e deu-me uma sensação... a língua ficou dormente, a garganta seca. Cheguei a casa e disse à minha esposa: 'Não me sinto bem. Preciso de consumir droga'. Ela impediu-me. Colocou medicamentos no sumo e eu desmaiei, não acordava por nada. Levantava-me à noite, inquieto, e bebia o sumo que me fazia dormir durante três dias. Acordava às 15h, comia e ela perguntava-me se me apetecia droga novamente. Eu acenava que sim. E recomeçava tudo. Passei mais de uma semana a dormir".
As drogas destruíram o seu futuro como futebolista e Flávio nunca mais conseguiu voltar ao nível em que estava. Nunca. Recusou propostas por medo de ser submetido a um controlo antidoping. «Comecei a engordar por causa da bebida, os joelhos começaram a doer-me e já não conseguia correr. Tudo isto juntamente com a cocaína. Foi então que disse a mim mesmo 'Vou desistir para sempre'», recordou.
«As minhas filhas só comiam arroz cozido e feijão em casa»
Antes do vício, Donizete levava uma vida confortável. Viajava com a família, organizava festas dispendiosas para as filhas e podia dar-se ao luxo de comprar qualquer presente à mulher, mas o nível de vida caiu e a vida mudou bruscamente para pior.
«Deixei de sair porque o dinheiro estava a acabar. Já não podia usar o cartão de crédito, comprar a bebida que queria, whisky importado. Comecei a frequentar os bares perto de casa, porque havia mais bebida e pagava menos. Depois, deixei de me dar ao trabalho de me deslocar. Comprava uma caixa de cerveja e mais cinco garrafas de Coca-Cola e ficava em casa. Faria tudo para comprar droga. Se recebesse 15 reais e não tivesse nada para comer, não pensava em levar o dinheiro para casa. A primeira coisa era a cocaína. Por vezes, as minhas filhas não comiam. De 20 reais, comprava ovos por 5 e gastava 15 em cocaína. Às vezes, nem sequer trazia os ovos. Deixava a minha família comer arroz e feijão sem mais nada», lamentou.
Para sobreviver, Donizete trabalhou como pedreiro e pintor ou encontrava trabalho em obras: «Sentia-me culpado porque muitas vezes estava desempregado. As pessoas apontavam-me na rua, dizendo que eu era um vagabundo, um canalha. Os amigos e a família começaram a afastar-se de mim.» A única pessoa que lhe permaneceu fiel foi a Cibele. Passaram-se quase 20 anos desde que lutam juntos.
«Ela é o meu anjo da guarda e amo-a muito. Posso fazer muitas outras coisas por ela, mas nunca a poderei recompensar por tudo o que fez por mim. Se a Cibele me abandonasse, comprava droga na primeira esquina. Se ela não estivesse comigo, estaria morto. As pessoas não sabem o que ela teve de passar ao meu lado!»
Cibele reconheceu o pesadelo, mas não se arrepende de ter ficado com ele: «Ouvia frequentemente pessoas dizerem 'Até quando vais ficar com este? É um canalha, um traidor, um drogado, um vagabundo'. É um canalha, mas é o meu canalha! É um drogado, mas é meu! Sabia que Deus o iria libertar. E aqui estou eu, com o Flávio, até hoje. Não consigo explicar, mas há muito amor por trás disso.»
Flávio trabalha hoje num projeto para meninos e meninas que têm o sonho de jogar futebol profissional.