Hino ao futebol
Alguém me disse que para mim o futebol é um jogo de vida ou de morte, e eu respondi, 'ouve, é mais importante que isso'
Bill Shankly, treinador do Liverpool entre 1959 e 1974
Dizem que há momentos da vida que nunca se esquecem. Eu, que não me lembro de quase nenhum colega de escola que conheci com menos de 14 anos, tenho dificuldade em acreditar.
Sim, ainda me lembro do primeiro beijo à minha mulher, ou do nascimento da minha filha, mas as memórias começam a juntar-se umas com as outras, e vão ficando um pouquinho mais difusas com o passar dos anos.
Mas depois lembro-me do golo de Éder (sim, o golo de Éder, como se, coitado, só tivesse marcado um na vida... é assim que se vê a importância das coisas), e consigo reconstituir exatamente onde estava, com quem, os minutos anteriores, os seguintes.
«Das coisas menos importantes, o futebol é a mais importante», disse alguém um dia — Arrigo Sacchi ou Nélson Rodrigues, ninguém parece ter a certeza.
Também não há certezas absolutas de se ter jogado, em 1914, no Dia de Natal, nas trincheiras da Grande Guerra (só passou a ser a I Guerra Mundial em 1939, quando estalou a II), mas há indícios suficientes para acreditar que sim.
Às vezes, basta isso: o romance, o ideal, mesmo que a realidade não tenha sido bem assim. A frase de Bill Shankly, de que o futebol não é de vida ou de morte, é mais importante que isso, não é na verdade uma defesa do futebol — é um arrependimento pessoal por tê-lo levado demasiado a sério. Mas entre as coisas menos importantes para tornar uma obsessão, acho que dificilmente poderia ter escolhido melhor.