«Há três coisas de que nunca abdicarei...»

Daniel Sousa revela quais os seus sistemas preferidos, a importância de um ponta-de-lança e de um número 10 na sua proposta de jogo

- Qual é o seu sistema preferido?

- Acredito que só há duas estruturas no jogo: 4x4x2 e 4x3x3. Depois acredito nos jogadores e na análise que é feita às equipas. Quando cheguei ao Gil a equipa estava habituada a pressionar de determinada forma e ajustei ao que eu gosto. Normalmente gosto do 4x3x3 com um 6 e um 10, caso exista no plantel. Parto muito a construção a partir do golo e penso o jogo a partir do golo e quando penso a partir do golo penso, por exemplo, no perfil do ponta de lança.

- Está a falar da sua baliza ou da baliza do adversário?

- Golo marcado, baliza adversária. Para marcar golos precisamos de todos os jogadores e todos têm responsabilidade em marcar golos. O ponta de lança e o seu perfil definem muito como pode ser a estrutura, pois uma coisa é ter um ponta de lança para jogar em 4x3x3 com dois alas abertos e em que vai jogar sozinho e que, se calhar, vai lá uma vez e falha, vai lá duas e falha, mas à terceira tens de ir lá na mesma. E se for um ponta de lança que não tenha perfil de resiliência ao erro, pode começar a desaparecer do jogo. É esse perfil que gosto de identificar. Tem esse perfil? Jogo com um 6 e um 10 mais próximo do ponta de lança para dar esse conforto de não estar sozinho em campo.

- Mas os 10 estão em vias de extinção, quase é preciso uma lupa para o encontrarmos…

- Sim, um bocadinho, mas já não é de agora. O 10 puro já não há muitos e continuo a achar que fazem muita falta. Alguns estão-se a deslocar porque encontram conforto noutras posições, em que o jogo lhes passa muito mais pelos pés, talvez mais por dentro ou nas alas.

- É fá de construir jogo através do guarda-redes e dos defesas?

- Praticamente todas as equipas têm ou querem sair através do guarda-redes. Acho que vai por tendências. Nada se inventa muito, o que se faz é reinventar. A saída curta foi o Barcelona do Guardiola que começou a ser utilizada. O Guardiola começou e depois começaram aqui em Portugal. O Rio Ave do Miguel Cardoso também saía muito com a bola controlada atrás. Outra coisa que é relativamente moda e que eu também não acho muita piada tem a ver com parar a bola com a sola do pé, para provocar e esperar que os adversários venham. Antigamente, se a bola parasse muito tempo nos pés dos centrais ou do guarda-redes, o estádio começava logo a assobiar.

- É possível vermos, um dia, uma equipa sua a jogar com três centrais?

- É difícil, porque acredito que apenas há duas estruturas e depois há variações. Para mim, há o 4x3x3 com um 6 e o 4x4x2, em que pode ser um 10 ou um segundo ponta-de-lança. São as estruturas que existem no futebol. A partir daí há evolução e alternativas. A alternativa do 4x3x3 com um 6 será um losango, ou seja, que mantém aquela linha de 4 mais os 3 médios e depois muda-se os 3 da frente, que são dinâmicas completamente diferentes, sobretudo feitos de corredores. Depois tem o 4x4x2 com um 10 e, em vez de ser com um 10, pode ser com dois pontas. Ou se for com um 10 passa a ser com dois pontas, porque a estrutura de 4 mais 2 mantém-se igual. A evolução pode ser o sistema de três. O 3x4x3, por exemplo, não tem necessariamente de ser com 3 centrais. Pode ser um médio a baixar, pode ser um 6 a baixar entre centrais, pode ser um 8.

- Li uma frase sua em que diz que «o posicionamento inicial é muito importante por ser o ponto de partida para a nossa dinâmica». Traduza lá esta ideia.

- Há três coisas, relativamente aos dois clubes, de que um treinador nunca pode abdicar e que vão influenciar tudo o que é a dinâmica da equipa: convocatória, onze inicial e substituições. Estas são as decisões do treinador e são as decisões de que jamais vou abdicar. Posso ser flexível no treino ou na gestão diária das coisas, mas nisto nunca o serei. O que pode ser definidor de sucesso de uma equipa é colocar os jogadores nas posições certas. Não é a mesma coisa jogar com um ala num 4x3x3 ou jogar com um ala num 4x4x2. São coisas completamente diferentes.

- Há pouco disse que dificilmente veremos uma equipa sua jogar com 3 centrais. E jogo direto?

- Sim, sim. Há uma forma melhor de chegar a um caminho para o golo, mas o caminho nem sempre é do ponto A para o ponto B. Às vezes desenhamos aquelas linhas todas, mas o mais direto pode mesmo ser uma linha reta. E não podemos esquecer que a linha reta está lá e é preciso utilizá-la. Sair curto ou sair longo pode ser uma ideia importante, mas a alternativa de jogar direto é sempre válida.

- Como antevê o futuro a curto prazo?

- Até final desta época, não vou trabalhar, porque ainda não consegui absorver tudo o que tinha para absorver e ultrapassar tudo. Portugal ou estrangeiro? Potencialmente, estrangeiro.

- Última pergunta: se eu fosse presidente de um clube e o quisesse contratar, o que é que o Daniel quereria saber?

- No fundo, perceber o que espera do treinador e como perspectiva a sua liderança. Porque há várias formas de liderar e há perfis diferentes de liderança. Tal como disse, há três pontos que são inegociáveis para mim: convocatória, onze inicial e substituições. A vida de um treinador depende muito delas.