A transmissão dos direitos televisivos levanta várias questões legais
A transmissão dos direitos televisivos levanta várias questões legais - Foto: IMAGO

Concentrar Direitos de Transmissão? É Possível?

Esta Tribuna Livre é a da responsabilidade de João Correia, jurista

Li e reli, bastas vezes, o Decreto Lei 22-B/2021 de 22 de Março. Em cada leitura, um obstáculo, ora na coerência interna do diploma, ora nos alçapões legais e constitucionais que cria, quer mesmo em omissões gritantes de várias naturezas. Não sei se o legislador agia com reta intenção, mas para um intérprete médio, ficam por resolver e preencher omissões, ultrapassar contradições e, o que é mais sensível, contornar inconstitucionalidades. Vamos por partes:

1 — Diz o Art. 3º, n.º 1 do Decreto-Lei que «a titularidade dos direitos de transmissão televisiva … pertence aos clubes ou às sociedades desportivas participantes nas respectivas competições». E este é o princípio geral, e dele terão de ser extraídas todas as consequências. Como princípio geral, mostra-se incontornável e de capital importância na economia desta magna questão. Assim: é definitiva e intocável tal titularidade? Mais: tal titularidade é exclusiva dos clubes e das SAD´S? E ainda: os organizadores das competições (são dois, pelo menos) não detêm qualquer parcela nessa titularidade?

Segunda ordem de questões

2 — O DL 22-B/2021 não informa o intérprete sobre o destinatário das titularidades, deparando-se-nos uma norma fantástica que atribui à FPF o poder de identificar e definir o titular da “comercialização centralizada”, sem que se declare se é ela própria, ou qualquer outra instituição que será o destinatário dos direitos amputados aos clubes e às SAD´S. Ora o DL 22-B/2021 nada nos diz, nem sequer o pode fazer, como é evidente. Em suma: a transmissão dos direitos de transmissão, irá reverter a favor de que instituição? Pública? Privada? Já constituída? A constituir? Nacional? Estrangeira?

Terceira ordem de questões

3— Fica-se, ao ler o Diploma Legal, sem se saber, se a alienação dos direitos de transmissão será total, absoluta e para todas as competições. Assim: os Campeonatos Nacionais, as Taças de Portugal e as demais competições, mesmo as de carácter particular, ficam abrangidas pela transferência dos direitos de transmissão? Haverá excepções a identificar, qualificar e quantificar? E tudo isso será matéria de diploma regulamentar? Da Competência do Governo? Ou da FPF?

Quarta questão, mas não a última

4 — Como é sabido, o Sport Lisboa e Benfica e a sua SAD eliminaram judicialmente a intervenção da Olivedesportos e fizeram caducar o monopólio contratual que pré-existia e que emergia de um asfixiante direito de preferência em que vivem todos os clubes e SAD´S. E que solução jurídica resultou dessa destruição de direito de preferência? Foi simples, passou ele próprio – leia-se: o Benfica - a transmitir os seus próprios jogos. As consequências jurídicas e económicas do Universo Benfica são exteriores ao DL 22-B/2021 de 22 de Março e do seu âmbito de aplicação.

Na realidade, todos os Clubes e SAD´S, são titulares dos direitos de transmissão (capacidade de gozo) mas só o Benfica pode transmitir os seus próprios jogos (capacidade de exercício). Por consequência, quando aprecio as intervenções dos mais responsáveis dirigentes do Benfica, fico atónico quando admitem que a questão que se lhes coloca é puramente económica e quando se colocam no mesmo patamar jurídico de todos os demais Clubes e SAD´S, limito-me a penalizar-me pela sua própria e injustificada ignorância.

E assim não o é, nem económica, nem juridicamente, pois a dupla titularidade do Benfica, afasta-o jurídica e economicamente da mera quantificação da «concentração». Na verdade, o Benfica não pode alienar, sem mais, os seus dois direitos: o de transmitir e o de exercer o direito de transmitir. Convém apurar se juridicamente se prevenirá essa diferença, mas, acima de tudo, se os dirigentes têm consciência dessa dupla titularidade.

Questão: a inconstitucionalidade material do DL 22-B/2021 de 22 de Março

5 — Mas a mais sensível questão prende-se com a constitucionalidade material do diploma legal. Urge apurar, na verdade, sendo verdade que a titularidade exclusiva, jurídica e económica cabe aos Clubes e às SAD, será possível, por simples Decreto-Lei amputar tal titularidade, sabendo-se que só por via da expropriação se pode absorver e retirar do proprietário tal titularidade, mas sempre sob invocação de interesse público (Art. 62º, n.º 2 do CRP). Mas todas estas especulações são estranhas e colidentes com o DL 22-B/2021 de 232 de Março. Nada a fazer, senão revogá-lo.

Resumindo

O legislador de 2021, a meu ver, foi incompetente, superficial e precipitado. Mas, o mais grave, afrontou a Lei Fundamental. Vamos ver se e como se ultrapassam tais obstáculos.