Cafu, ou Marcos Evangelista de Morais, fez 142 jogos pela principal seleção do Brasil
Cafu, ou Marcos Evangelista de Morais, fez 142 jogos pela principal seleção do Brasil - Foto: IMAGO

'Cafupenia'

JAM sessions é o espaço de opinião semanal de João Almeida Moreira, jornalista e correspondente de A BOLA no Brasil

O Brasil enfrenta um problema central: a questão lateral. Desde 2023, isto é, no ciclo entre o Mundial-2022 e o Mundial-2026, já convocou, somando as gestões de Ramon Menezes, Fernando Diniz, Dorival Júnior e Carlo Ancelotti, 19 laterais, nove para a direita e 10 para a esquerda, segundo levantamento do site GE. Só o italiano chamou oito em duas convocatórias.

E, por mais contraditório que possa parecer, o que é... mau é que os 19 são... bons. Ninguém pode dizer que os laterais-direitos Danilo, Vanderson, Yan Couto, Emerson Royal, Wesley, Arthur, William, Dodô e Vitinho não têm qualidade. Nem que os esquerdinos Arana, Wendell, Abner, Lodi, Alex Sandro, Alex Telles, Ayrton Lucas, Carlos Augusto, Caio Henrique ou Douglas Santos não seriam quase de certeza titulares no seu clube da Liga Portugal — alguns deles até passaram pelo FC Porto com muito sucesso.

Mas nenhum é ótimo, excelente, formidável. Nas laterais, como em certa medida no meio-campo e na posição 9, os pentacampeões mundiais sofrem da maldição da abundância: há excesso de opções mas não existe aquilo a que os vizinhos argentinos costumam chamar de hierarquia — nenhum se sobrepõe aos demais, nenhum é indiscutível. Então, os selecionadores convocam um, depois outro, depois mais um, a seguir voltam à primeira opção, sem que um ou dois apenas se destaquem e criem raízes.

Na última pré-lista de 50 nomes, Carletto ainda se lembrou de Kaiki Bruno, do Cruzeiro, e de Paulo Henrique, do Vasco da Gama, ambos bons laterais mas não ótimos, excelentes, formidáveis.

O título deste texto usa uma palavra inexistente: Cafupenia é a junção de Cafu, o único jogador que disputou três finais de Mundial, as de 1994 e a 2002 ganhou-as, a de 1998 perdeu-a, e penia, o sufixo de origem grega para falta ou carência muito usado na medicina, por exemplo em leucopenia (diminuição de glóbulos brancos), mas também fora dos consultórios, em penúria e outros vocábulos.

Falta um Cafu ao Brasil: um lateral que marque uma era, que persista no tempo. Não é só Cafu porque o debate sobre quem é o melhor lateral direito de sempre do Brasil se confunde com a discussão sobre quem é o melhor lateral-direito de sempre do mundo todo: Djalma Santos, Carlos Alberto Torres, o citado Cafu, Maicon ou Daniel Alves rivalizam com Vogts, Zanetti, Thuram… E à esquerda a mesma coisa: Nilton Santos, Júnior, Roberto Carlos ou Marcelo disputam com Facchetti, Maldini, Breitner, Brehme…

Na atualidade, Ancelotti arrisca-se a experimentar, experimentar, experimentar até concluir que a seleção sofre de cafupenia. E, como no eixo da defesa tem opções — Marquinhos e Gabriel Magalhães — com hierarquia, no lugar que um dia foi de Cafu deve acabar por adaptar um central: o seu velho conhecido e também ex-dragão Éder Militão.