Aumento do número de clássicos e dérbis permitiria audiências televisivas de outra escala. Foto Miguel Lemos/KAPTA+
Aumento do número de clássicos e dérbis permitiria audiências televisivas de outra escala. Foto Miguel Lemos/KAPTA+

A reorganização do futebol profissional

#Minuto92 é uma rubrica quinzenal de opinião da responsabilidade de Ricardo Gonçalves Cerqueira, jurista, gestor de empresas e sócio do FC Porto

A centralização dos direitos televisivos e multimédia das competições profissionais de futebol em Portugal foi sancionada pelo Governo através de decreto-lei, que determina que as sociedades desportivas da I e II Ligas deixarão de comercializar individualmente os seus direitos de transmissão a partir da época 2028/29. Em consequência, a comercialização dos direitos passará a ser realizada de modo integrado pela estrutura da Liga, nomeadamente pela sociedade criada para esse fim, a Liga Portugal Centralização.

O objetivo assumido é claro: valorizar os direitos televisivos das competições profissionais, aumentar o poder negocial perante os operadores de transmissão e plataformas de streaming — num mercado global e altamente competitivo — promovendo uma distribuição mais equitativa das receitas entre os diferentes clubes e contribuir, assim, para o incremento da sustentabilidade do futebol profissional em Portugal. O plano das intenções está perfeitamente identificado e alinhado com os desafios que o futuro colocará aos stakeholders do futebol profissional nacional.

De acordo com uma reavaliação realizada recentemente, o processo de centralização poderá gerar uma receita conjunta na ordem dos €200 a €250 milhões por época, com uma estimativa média de €225 milhões por ano. Uma projeção que representa um recuo face aos valores inicialmente apontados, na casa dos €300/350 milhões anuais, o que necessariamente exigirá um reajuste das expetativas dos diferentes clubes relativamente a proventos futuros.

Na última Cimeira de Presidentes, promovida pela Liga Portugal, foram pré-anunciados os «pilares essenciais» que deverão guiar a futura distribuição de receitas, a saber:

— O critério equitativo, que visa garantir uma base comum de distribuição equiparada entre todos os clubes;

— O critério de dimensão desportiva, que pressupõe uma vinculação à performance demonstrada dentro do terreno de jogo e os consequentes sucessos desportivos que daí advirão;

— O critério de índole social e de representatividade, que privilegia a implantação e penetração dos clubes no tecido social e o respetivo impacto na mobilização de adeptos;

— O critério audiovisual, que atenta à audiência gerada, à exposição mediática e ao respetivo share televisivo alcançado com a transmissão dos jogos;

E um último critério, relativo à modernização das infraestruturas, que pondera a qualidade, o conforto e a segurança dos estádios em benefício da experiência do adepto e a garantia de «condições ótimas» para a transmissão do espetáculo televisivo.

O modelo preliminar ora apresentado pretende encontrar um equilíbrio entre a componente financeira a ser distribuída entre os clubes de maiores dimensões e os de menor escala, com enfoque na valorização do mérito e da performance desportiva alcançada dentro do terreno de jogo. A intenção será promover uma formulação mais equitativa de redistribuição de receitas, reduzindo assimetrias entre os competidores e dessa forma garantir a sustentabilidade financeira e desportiva do futebol profissional.

A garantia de previsibilidade financeira plurianual facilitará o planeamento de investimentos a realizar em modernização e reconversão de infraestruturas, a aposta na formação e profissionalização das estruturas intermédias de gestão e o desenvolvimento de projetos desportivos mais consistentes, num horizonte alargado de médio/longo prazo, menos dependente de encaixes financeiros de curto prazo realizados com alienação sistemática de direitos desportivos de atletas.

A negociação da chave de repartição será provavelmente o tópico mais sensível de todo o processo, uma vez que pressupõe um entendimento alargado entre todas as sociedades desportivas participantes nas competições e o necessário reequilíbrio de expetativas entre os clubes com maiores audiências televisivas e engagement mediático e os de menor dimensão e expressão associativa.

Ademais, o processo de centralização não deixará de colocar também na agenda a necessidade de repensar e provavelmente reajustar o formato atual das competições profissionais, os comummente designados quadros competitivos.

Uma das ideias chave passa por segmentar a I e II Ligas em duas fases distintas: numa primeira fase, todos os clubes em competição poderão vir a disputar uma ronda de jogos entre si, ao que se seguirá uma segunda volta onde os clubes serão divididos em dois lotes de competição. O lote de clubes qualificados nos primeiros 9 lugares competirá pela atribuição do título de campeão nacional e o acesso às competições UEFA; os restantes 9 clubes da metade inferior da tabela classificativa competirão pela manutenção no respetivo escalão.

Com a adoção de um novo modelo, pretende-se aumentar o interesse sobre a competição e a dinâmica competitiva entre clubes desde logo pelo reforço do número de jogos de interesse relevante — clássicos e dérbis — o que invariavelmente permitirá alcançar audiências televisivas de outra escala, incrementando o valor comercial da Liga Portuguesa e beneficiando a receita global da competição.

A modernização e a atualização do modelo profissional de futebol em Portugal já começou. Saibam, os principais protagonistas pelo processo, conduzi-lo a bom porto, em benefício da qualidade do jogo e da consequente satisfação do consumidor final – os milhões de adeptos de futebol em Portugal.