João Pinheiro escolhido para apitar no Mundial de sub-20  Foto: IMAGO
João Pinheiro escolhido para apitar o Benfica-Santa Clara Foto: IMAGO

A bofetada de luva branca

'Livre e Direto' é o espaço de opinião semanal do jornalista Rui Almeida

Em dia de decisões na principal Liga portuguesa de futebol, as atenções voltam-se para jogadores, treinadores, golos, falhanços, e até para o público que, ávido de comemorações que possam disfarçar os problemas do dia a dia, aguarda (im)pacientemente que os apitos finais surjam e que os desfechos sejam favoráveis às suas cores.

A Team One (felicíssima designação encontrada pela FIFA para as equipas de arbitragem) vai querer, como sempre e em quaisquer circunstâncias, passar despercebida em cada jogada, em cada momento, em cada jogo, conferindo e concedendo o protagonismo a quem tem de o garantir pela sua capacidade competitiva e competência.

E aí está o termo essencial, também, para as equipas de arbitragem: competência. Termo e caraterística, modelo trabalhado ao longo de anos pelos mais cotados. De resto, e revelando um cuidado extremo para a última jornada da primeira Liga lusa, o Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol designou juízes com insígnias FIFA para a generalidade dos encontros em que a decisão está, de facto, em cima da mesa.

Dentro de portas como além-fronteiras, esse deve ser critério primacial para a indicação das equipas de arbitragem, compreendendo as particularidades de cada jogo ou jornada, o momento físico, técnico e psicológico dos árbitros envolvidos e a óbvia necessidade de garantir as melhores condições para a disputa limpa, clara e transparente dos objetivos a conquistar pelos diversos emblemas.

Quer a coincidência temporal que tenhamos, num curto espaço de tempo, desafios significativos para os juízes de campo e seus assistentes, mas também para os que ocupam as cadeiras de Video Assistant Referee, ferramenta que se tem vindo a revelar profícua, determinante, mas simultaneamente incompreendida e — reconheçamo-lo — passível de amplos melhoramentos no âmbito e na capacidade de intervenção em auxílio dos árbitros centrais (sempre os derradeiros decisores em cada instante do jogo).

João Pinheiro foi a óbvia escolha para a direção do dérbi entre Benfica e Sporting. Sê-lo-ia sempre, muito mais em circunstâncias de potencial decisão de uma liga, ou com influência significativa.

Questionado na generalidade, pressionado pelos media, o juiz de Braga isolou-se e concentrou-se numa só tarefa: fazer o melhor possível pela sua classe, no Estádio da Luz. Relembro a peregrina ideia de sugestão (apoiada por espaços mediáticos com audiência significativa) de árbitros estrangeiros para os jogos decisivos da Liga portuguesa.

Por si, é uma excelente ideia, se representar o equilíbrio e o compromisso de ser adotada por sete ou oito ligas europeias de idêntica representatividade e intensidade competitiva, oferecendo possibilidades diferenciadas às equipas de arbitragem e uma maior amplitude às suas nomeações na geografia do futebol.

Isolada — como foi sugerida — é uma ideia populista, sem qualquer sentido objetivo que não seja, como consequência imediata, a desestabilização e a colocação de um cutelo pressionante ainda maior sobre os árbitros, exacerbando (ou tendo, pelo menos, esse potencial…) comportamentos desviantes e agressivos por parte do adepto menos equilibrado e mais emocional.

A resposta à capacidade técnica e de avaliação do jogo dos principais árbitros portugueses chegou ato continuo, com a nomeação de João Pinheiro para integrar, como quarto árbitro, a equipa responsável pela direção da Liga dos Campeões, no dia 31 de maio, em Munique, entre Paris Saint-Germain e Internazionale. Pinheiro, que havia estado na segunda mão das meias-finais da Liga Conferência (no Chelsea-Djurgarden, em Londres), protagoniza assim um momento muito pouco habitual na arbitragem internacional.

A UEFA reconhece, fora de portas, a qualidade dos colegiados portugueses. Um país pequeno e periférico na Europa da futebol, mas a fazer valer os seus atributos também na arbitragem, depois de legados de grande significado e importância, como os de Vítor Pereira, Olegário Benquerença, Pedro Proença e Artur Soares Dias (apenas para sublinhar os nomes mais recentes, e ao mais alto nível internacional).

Quem dera a todas as profissões dispor de elementos a um nível qualitativo e de referência tão elevado, com o reconhecimento internacional dos seus pares. Muitos dos que invetivam a Team One, provavelmente, não farão sequer ideia de quantas e quais são as Leis do Futebol, mas são levados a fazê-lo pela paixão clubística (Portugal é um país onde se gosta muito mais do clube do que do jogo em si…), e pela imprudência de comentadores e opinion makers, que maculam o produto futebol ao organizarem charlas e tertúlias em que, sistematicamente, o centro da polémica e da discussão é transferido para as equipas de arbitragem, ao invés de se falar de futebol, de dinâmicas, opções táticas, estrelas do jogo e do treino.

Infelizmente, é o que temos no país, tantas vezes mesquinho e trucidante na crítica, tão poucas vezes elogioso do que faz bem, de quem o faz e como o faz.

A nomeação de João Pinheiro para a final da Liga dos Campeões é uma brutal bofetada em todos os sabichões. A UEFA — cujos parâmetros de recrutamento, avaliação, observação e premiação constituem ponto de honra da organização que gere o futebol europeu — dá, deste modo, um exemplo e um caminho a seguir para outro juízes, jovens e menos jovens.

Dá, resumindo e concluindo, uma extraordinária bofetada de luva branca.

Cartão branco
O Mundial de futebol de praia, terminado há seis dias nas Seychelles, foi o corolário de um processo competitivo que envolveu 72 seleções nacionais. O universo do beach soccer adotado e projetado pela chancela da FIFA é, pois, verdadeiramente global. Portugal, conseguindo o terceiro lugar e regressando ao pódio da principal competição mundial, mostrou a qualidade dos seus praticantes, numa modalidade exigente e imprevisível, e realçou nomes como Jordan Santos, Rui Coimbra, Léo e Bê Martins, nas areias do paraíso do Índico. Mais importante, projetou Mário Narciso como o melhor treinador do mundo.
Cartão amarelo
Mal assinou contrato com Carlo Ancelotti, o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) foi destituído. O Brasil do futebol replica um certo Brasil político e social: de mutações permanentes, inconsequente e pouco convincente na sua organização. Como se sentirá, agora, o veterano Ancelotti, preparado para dar o nó dourado à sua brilhante carreira? O contrato é valido, sim, mas as condições em que o treinador de Reggiolo segue para a América do Sul são bem mais imprevisíveis…