300 km a sul do Porto

Quem tem mais responsabilidades: adeptos que assobiam um jogador ou pessoas que utilizam expressões medievais?

I MAGINEM, por absurdo, que têm um compasso com pernas cujo alcance chega aos 300 quilómetros e podem manejá-las sem problema. Agora coloquem o bico do compasso em cima da cidade do Porto, estiquem o carvão da outra perna até aos 300 quilómetros e façam um círculo: 300 km a norte do Porto, 300 km a sul do Porto, 300 km a este do Porto, 300 km a oeste do Porto. Que localidades estão exatamente a 300 km do Porto? Vigo? Não. Está apenas a 150, embora seja cidade bem atraente para uma escapadela. A 300 km a norte do Porto só há mar. Não interessa para o nosso caso, pois no mar só há pescadores, que não são inimigos de ninguém. A oeste e sudoeste do Porto, igual: mar, mar, mar. Logo, sem inimigos. A este e sudeste, sim, há pessoas: espanhóis, sobretudo. De Cáceres, Plasencia, Salamanca ou Zamora. Apesar do velho ditado que assegura que, de Espanha, nem bons ventos nem bons casamentos, não parece que um ventinho mais forte ou um casamento que termina mal possam ser considerados inimigos. Logo, resta o sul como possibilidade de inimizade. Ou antes de inimigo, pois inimizade parece ser palavra demasiado soft para o conceito. Que está, então, a 300 km do Porto? Lisboa, por exemplo. E, nas suas redondezas, sete Estabelecimentos Prisionais: Caxias, Linhó, Monsanto, Montijo, Sintra, Tires, São João de Deus. Talvez sejam estes os inimigos a que o senhor se refere.

O S assobios que João Mário ouviu na parte final do Portugal-Liechtenstein não deveriam ter acontecido, claro que não. Mas não façamos deles um caso nacional, merecedor que o presidente da Federação Portuguesa de Futebol escreva um comunicado a condenar o ato. Assobiar alguém, nem que seja o Presidente da República ou o Primeiro-Ministro, é um direito de todas as pessoas. Eu, sinceramente, não o faria, nem que fosse o senhor que diz que o inimigo está a 300 km do Porto (e eu estou a 300 km do Porto). O futebol é um jogo de emoções: palmas, assobios, apupos, encorajamento. Alguns jogadores da Seleção insultaram, há quase um ano, um dos maiores clubes portugueses e, por extensão, alguns jogadores da Seleção. Esses insultos deveriam ter acontecido? Não! O senhor que diz que o inimigo está a 300 km do Porto deveria tê-lo dito? Não! Mas em nenhum destes casos, sobretudo neste último, o presidente da Federação Portuguesa de Futebol fez um comunicado a condenar os atos. E quem tem mais responsabilidade no futebol português: meia dúzia de adeptos a assobiar um jogador da Seleção, jogadores da Seleção a insultarem clubes portugueses ou alguém que tem 40 anos disto a usar uma expressão quase medieval?