«Custa ter de desistir com 23 anos»
Fábio Coelho (Miguel Nunes/ASF)

«Custa ter de desistir com 23 anos»

TÉNIS05.12.202310:00

Tenista português viu-se forçado a desistir de uma carreira profissional, devido a falta de apoios

Com uma raquete Wilson numa mão e a outra a arrastar um carrinho carregado de bolas, Fábio Coelho está pronto para dar a primeira aula de ténis do dia. Com a energia e autoridade exigidas a uma sessão matinal, o ex-jogador profissional, recentemente reformado, aos 23 anos, vai dando as indicações de aquecimento a pupilos da mesma faixa etária do treinador.

Vindo de Oliveira de Azeméis, o jovem técnico começou no dia 13 de novembro a dar treinos de ténis na Cidade Universitária. Se antes batia com intensidade e chapado nas bolas amarelas revestidas a pelo, agora, da sua raquete saem correções pormenorizadas da técnica aos instruendos.

A mudança de atividade não foi, no entanto, planeada, mas antes um desvio forçado. Não foi por lesão crónica precoce que amiúde interrompe carreiras que anteviam duradouras e bem-sucedidas, que levou o português a parar. O motivo reside nas dificuldades financeiras inerentes a profissão marcada pela individualidade. 

No ténis não há equipas que cubram as despesas dos jogadores, seja o pagamento a treinadores, preparadores físicos, deslocações pelo país ou estrangeiro, mas também os custos associados à prática do desporto. Isto implica a compra de raquetes, a sua manutenção – grips, cordas e amortizadores –, roupa apropriada e, em alguns casos a própria disponibilização de campos para que possam treinar. 

«Este desporto, o ténis, é muito caro e envolve muito investimento. Por isso, tens duas soluções: ou tens mesmo muito dinheiro ou estás, neste caso, na Federação, em que eles te pagam a maior parte das despesas. Ou então tens de ter muitos apoios de patrocinadores ou pessoas que invistam em ti. E eu não tive nenhuma dessas coisas. Portanto, a médio e longo prazo acaba por se tornar numa coisa insustentável», diz-nos o agora técnico.

Fábio Coelho a dar instruções aos seus pupilos (Miguel Nunes /ASF)

O ninho da elite

A Federação Portuguesa de Ténis (FPT) tenta colmatar estas dificuldades, selecionando um grupo de elite para o CAR, cujo futuro no desporto é visto como muito promissor, comprometendo-se a assegurar o pesado encargo financeiro, que grande parte das vezes está em cima do que os familiares dos jogadores podem suportar.

No site da instituição desportiva, pode ler-se que «serão aceites [no CAR] para integrar a estrutura como residentes atletas masculinos e femininos, que terão apoio completo a nível de treino e programa competitivo». No total, a Federação aceita 12 competidores, mas, de acordo com a lista disponibilizada no site da federação, estão neste momento inscritos 11.

Durante um ano, dos 15 aos 16 anos, Fábio Coelho viveu no CAR, usufruindo destas ajudas para conseguir prosseguir a sua evolução, no entanto, saiu do programa de acordo com os critérios estipulados pela FPT, que se centram nos «resultados internacionais, nacionais, qualidade geral de acordo com a idade e potencial para o futuro». 

Acresce o facto de ainda haver o programa de Alto Rendimento, no qual a FTP divide os níveis de performance em três – A, B e C –, de acordo com a classificação mundial (ATP, ITF e TE), garantindo benefícios semelhantes aos que residem no CAR, desde que se mantenham na janela do ranking durante oito semanas consecutivas. 

O número de atletas presentes nesta lista é maior do que o restrito Centro de Alto Rendimento, já que conta com 60 inscritos. Dois deles estão no Nível A (João Sousa e Nuno Borges), seis no Nível B e os restantes 52 no Nível C. Apesar de o regulamento os dividir por níveis e as condições de acesso, não está claro no documento qual a diferença entre os apoios disponibilizados.

A BOLA questionou Fábio Coelho se alguma vez esteve inscrito neste programa. O antigo tenista abanou a cabeça, acrescentando que apenas gozou de Estatuto de Alta Competição, permitindo um maior número de faltas a dar no Ensino Secundário, assim como acesso a fases especiais de exames, permitindo uma maior concentração nos treinos de ténis.

Por outras palavras. «Por muito que sejas dos melhores jogadores nacionais, se não mesmo o melhor, ou então uma jovem promessa, para eles já não faz tanto sentido fazer esse investimento», conta-nos Fábio Coelho. Mesmo sendo campeão nacional? - perguntámos. «Exatamente, mesmo sendo campeão nacional»

Momento da conquista do campeonato nacional (Fotografia cedida por Fábio Coelho)

Um ano de sufoco

Foi apenas no ano passado que o agora ex-tenista se tornou campeão nacional de ténis, no escalão de seniores. Pelo caminho, derrotou Frederico Gil, o seu mentor e antigo número 1 português, José Ricardo Nunes, Jaime Faria - na altura, era o primeiro cabeça de série do torneio – e Francisco Rocha.

Jaime Faria é precisamente um dos que residem no CAR dispondo de todos os benefícios disponibilizados pela FPT. Já Francisco Rocha, finalista vencido, jogou com Fábio na Escola de Ténis da Maia, e durante o ano de 2022 ingressava a Universidade Estatal do Tennessee, nos Estados Unidos da América, a estudar Economia. 

Desde os 16 anos que Fábio Coelho não conta com nenhuma assistência monetária da Federação, contando apenas com o auxílio de quem estivesse perto dele, nomeadamente com transporte ou através da disponibilização de alojamento, e dos prémios monetários que ganha nos torneios onde participa.

Ainda assim, o novo campeão nacional estava determinado a dar os próximos passos na carreira e, após a conquista do torneio luso, conseguiu um importante patrocínio. No dia 18 de fevereiro de 2023, anunciou a sua parceria oficial. Com a Wilson, chegou a acordo para que fosse a sua fornecedora de raquetes, dispondo de sacos e grips para as mesmas, mas mesmo depois das ofertas iniciais, passava ‘apenas’ a ter um desconto de 50% nos produtos da marca norte-americana. 

«O único patrocínio real que tive foi das meias anti entorse que eu tenho, de uma empresa em Famalicão [a CMSocks, Peúgas Carlos Maia]», desabafa.

Fábio Coelho atento ao serviço do seu instruendo (Miguel Nunes/ASF)

Mas a «insustentável» vida de quem joga profissionalmente, começou a estrangular o seu percurso. Depois de um ano de 2023 menos bem-sucedido em termos de resultados, a asfixia monetária começou a colocar a hipótese de abandonar a competição na cabeça de Fábio Coelho. 

Por muito que poupasse nos custos, isto é, treinando sozinho, abdicando do mentor e preparador físico em viagens internacionais não é, como nos conta, a melhor opção do ponto de vista competitivo. 

«Ao estar a tentar poupar, e ao estar sozinho nos torneios, ao mesmo tempo estou a boicotar um bocado o meu processo - porque não estou com um treinador e não estou a investir na minha carreira -, não estou a ter ninguém que me ajude. Estou ali um bocado sozinho», sublinhou.

A inscrição nos torneios é sempre acompanhada de uma quantia a pagar, incluindo a entrada na fase de qualificação das competições, no entanto, os que são eliminados nesta fase não ganham qualquer dinheiro. Outra das formas de cooperação da Federação está na atribuição de wildcards, isto é, um convite que permite a entrada direta dos atletas no torneio.

«A FPT ainda me foi ajudando nesse sentido, como era dos melhores e o campeão nacional, e tinha o ranking internacional, o ATP, especialmente em pares», especificou o técnico. 

Segundo a ATP – Association of Tennis Professionals, que organiza o circuito internacional -, a melhor classificação de Fábio Coelho no panorama mundial de singulares foi 896.º, no dia 21 de março de 2022, e na vertente de pares chegou a 470.º, lugar conquistado a 6 de março de 2023.

«Mas, mesmo assim, fazia 300 a 400 euros por semana», continuou. «O nível [dos torneios] era bastante elevado. Acabava por perder sempre na primeira ou na segunda ronda, e às vezes, chegava aos quartos de final. Isso dá ao final da semana, no máximo, 500 a 600 euros. Para pagar as contas, não chega», afirma o jovem treinador.

O desejo de voltar a competir não desaparece facilmente e quando questionámos sobre esta possibilidade, não escondeu que, apesar de ter sido uma «decisão ponderada, custa ter de desistir com 23 anos». Talvez por esta razão ainda assuma a sua retirada como uma «pausa temporária», embora o risco associado ao regresso e aos comprometimentos exigidos no panorama nacional estão ainda mais presentes na cabeça do ex-tenista.

Assim, no court 3 do Centro Desportivo Nacional do Jamor, local de sabores agridoces para Fábio, Fábio Coelho foi derrotado por Rodrigo Fernandes, de 17 anos e campeão nacional de Sub-18 deste ano, por 6/3 e 6/1, naquele que seria o último encontro como profissional.