Tempestade Cian
Cian Uijtdebroeks e a Jumbo-Visma anunciaram acordo, mas a BORA-hansgrohe rejeita-o (IMAGO)

Tempestade Cian

CICLISMO10.12.202323:38

Tem 20 'aninhos', mas talento maduro e nome difícil de pronunciar. Cian Uijtdebroeks está no olho do furacão de polémica entre as equipas Jumbo-Visma e BORA-hansgrohe

O jovem corredor Cian Uijtdebroeks tem talentos que não enganam. Vencedor da Volta a França do Futuro em 2022, na sua temporada de estreia no WorldTour, em 2023, o corredor belga, de 20 anos, foi lançado às feras pela sua equipa, a alemã BORA-hansgrohe, na Volta a Espanha, em finais de agosto, e evidenciou ótimas qualidades para competir em grandes corridas por etapas, refletidas pelo oitavo lugar da classificação geral.

Uijtdebroeks [lê-se Uisdebrouques] teria contrato com a BORA até final de 2024, mas no último sábado a Jumbo-Visma, a equipa mais bem-sucedida do WorldTour na temporada finda, vencedora das três grandes voltas - Itália, França e Espanha -, anunciou a aquisição dos serviços do corredor, por um vínculo de quatro anos, até 2027. A equipa neerlandesa, que a partir de 1 de janeiro denominar-se-á Visma-Lease a Bike, no seguimento da substituição de um dos dois patrocinadores principais, informou que a contratação tem efeito imediato, alegando que a ligação de Uijdebroeks à BORA expirou a 1 de dezembro último. Fê-lo através do site oficial da ainda Jumbo-Visma.

«Seguimos Cian desde os seus tempos de júnior. Quando surgiu a oportunidade de o contratar a partir de 1 de dezembro, não hesitámos. Cian adapta-se perfeitamente à nossa equipa. Ele quer evoluir em todas as áreas», afirmou o diretor geral da equipa, o neerlandês Merijn Zeeman, em comunicado de imprensa. «Estamos felizes por ele nos ter escolhido e à nossa abordagem. Nos próximos anos, a tónica será colocada na melhoria e no crescimento. Ele pode aprender com os nossos melhores corredores, como Jonas Vingegaard, Wout van Aert e Sepp Kuss. Vemos o Cian como um futuro líder da nossa equipa».

A saída de Primoz Roglic, precisamente para a BORA, a partir de 2024, justifica desde logo o interesse da Visma na jovem promessa belga, que ocuparia, a médio ou mesmo curto prazo – dependendo da sua evolução – o estatuto do corredor esloveno, que venceu o Giro em 2023, além de três Vueltas (2019, 2020 e 2021) pela Jumbo-Visma.

Cian Uijtdebroeks também foi lesto a partilhar os sentimentos sobre a mudança de equipa. «Estou muito contente por me juntar à equipa Visma-Lease a Bike, que provou ser equipa líder nos últimos anos e absolutamente notável em 2023, vencendo as três grandes voltas. É uma honra aprender com pessoas como o Jonas, o Wout e o Sepp. Estou ansioso por começar com a Visma-Lease a Bike».

As relações entre o jovem prodígio belga e a BORA deterioraram-se nos últimos meses, com o corredor a tecer duras críticas à organização da equipa, como as que se seguiram à participação no Crono das Nações, em outubro, quando a acusou de não trabalhar no aperfeiçoamento do contrarrelógio e de o ter deixado desamparado nessa competição. Desde logo, surgiram rumores de que Cian Uijtdebroeks estaria a forçar a saída e do interesse de equipas como a INEOS Grenadiers e a Lidl-Trek, nunca a Jumbo-Visma, mas as suposições eram de que o ciclista apenas estaria livre depois de 2024.

Por isso, os mais recentes desenvolvimentos levam a crer que está a construir-se aquela que pode ser uma das polémicas mais explosivas da próxima temporada do WorldTour, uma vez que a BORA não demorou a reagir e os seus dirigentes emitiram uma declaração em que afirmam que Uijtdebroecks vai continuar a ser corredor da equipa.

«Cian é e continuará a ser membro da BORA-hansgrohe, também na próxima época de 2024. Ele está contratualmente ligado à nossa equipa até 31 de dezembro de 2024».

A agência do corredor, All Sports Sport Management Group, também emitiu um comunicado em que declara que o contrato com a BORA terminou no primeiro diz do corrente mês. «O acordo entre Cian Uijtdebroeks e a BORA-hansgrohe foi rescindido a 1 de dezembro de 2023. Os procedimentos legais já foram iniciados por Cian Uijtdebroeks e a UCI está ciente da rescisão do acordo», escreveu a agência em comunicado. «O Cian está confiante quanto ao resultado do processo pendente e abster-se-á de mais comentários nesta altura. Claro que Cian está entusiasmado e ansioso pela futura cooperação com a Team Visma-Lease a Bike a partir da próxima época». 

A história ainda agora começou e prevêem-se mais desenvolvimentos nos próximos dias e semanas desta pré-temporada que começa acesa em polémica, desde logo da União Ciclista Internacional (UCI), cujos regulamentos sobre transferências são conservadores, não permitindo rescisões unilaterais ou até contratações sem acordo tácito entre todas os intervenientes - as duas equipas envolvidas e o corredor.

Patrick Lefevere: «Denk que não chore agora!»

O caso Uijtdebroeks abriu hostilidades entre diretores de equipas do WorldTour. O mais lesto a reagir foi o sempre cáustico Patrick Lefevere, diretor geral da Soudal Quick-Step, que escreveu sobre o assunto que incendei os bastidores do ciclismo na sua conta no X: «Na minha opinião, Cian Uijtdebroeks tem contrato [com a BORA-hansgrohe] até ao final de 2024. Ele contratou um agente, Carrera, que conhecia a situação [do corredor]. A UCI tem de aplicar as regras. Só se três partes envolvidas concordarem é que qualquer transferência pode ser autorizada pela UCI», defende o dirigente belga, que, todavia, não perdeu oportunidade de lançar uma farpa ao homólogo da BORA, Ralph Denk, desenterrando questiúnculas mal resolvidas. Em causa, as negociações para a contratação de outro prodígio emergente: Remco Evenepoel, em 2021.

«No dia 21 de janeiro de 2021 conheci Ralph Denk em Bruxelas. Concordámos em esperar até, pelo menos, até fim de março para fazer uma oferta ao Remco Evenepoel, depois de eu ter dado liberdade aos meus corredores caso não encontrasse um patrocinador que nos garantisse o futuro. A 8 de março, ele fez uma proposta por escrito ao pai de Remco. Por isso, não chore agora!».

A maioria dos diretores gerais das equipas dirigiram as críticas ao homólogo da Jumbo-Visma, Richard Plugge, acusando-o de agir contra os princípios da AIGCP (Associação Internacional das Equipas Profissionais de Ciclismo), de que é presidente. Cedric Vasseur, diretor geral da Cofidis, apelou mesmo «em voz alta» a Plugge para se «demitir imediatamente» do cargo. «O que é isto, de um presidente do AIGCP?! Tem de respeitar as regras e demitir-se imediatamente! Saia!», publicou aquele dirigente francês em resposta ao anúncio, de Plugge, de boas-vindas a Cian Uijtdebroeks à equipa Jumbo-Visma. Brent Copeland, responsável máximo da australiana Jayco AlUla também não poupou o homólogo da formação neerlandesa: «Embaraçoso é um eufemismo!»

Intermarché ironiza sobre o caso

Na condição de observadores privilegiados deste caso, os responsáveis da Intermarché-Circus-Wanty recorreram ao humor e à fina ironia para comentar a controvérsia que envolve Cian Uijtdebroeks, a Jumbo-Visma e a BORA-hansgrohe. Na conta da equipa belga na rede social X, a formação em que competiu Rui Costa em 2023, em modo de brincadeira, decidiu candidatar-se à contração do jovem corredor no epicentro da polémica. «Declaração sobre Cian Uijtdebroeks: A Intermarché-Circus-Wanty aguarda para ver como as coisas irão desenrolar-se, porque não fazemos ideia para quem Cian irá correr em 2024».