Soccerex: conheça o português por detrás do maior congresso da indústria do futebol
Miami volta a ser a capital do futebol. Do negócio futebol, sublinhe-se. Entre 14 e 15 de novembro, o centro de convenções Mana Wynwood recebe, pela quarta vez, a Soccerex, evento criado em 1996 por Duncan Revie, filho do lendário antigo treinador inglês Don Revie, e que rapidamente se transformou no evento de negócios do futebol mais prestigiado do planeta.
Direitos de transmissão televisiva, streaming, novas ligas, sociedades anónimas desportivas (SAD), tecnologia e tendências e ainda branding são alguns dos temas e conteúdos que vão estar agora em análise pelos mais de dois mil delegados já confirmados para acompanhar as 140 intervenções previstas no programa de um certame que reunirá representantes de cerca de 60 países, 600 agentes (clubes, empresas, praticantes), 80 expositores e que terá um alcance calculado, através dos media e redes sociais, de 80 milhões de pessoas.
Na prática, e uma vez mais, a Soccerex propõe-se «conectar os principais players da indústria do futebol, reunindo uma verdadeira seleção de profissionais, empresas e stakeholders em eventos que contribuem, direta e indiretamente, para o crescimento e o desenvolvimento contínuo do setor em todo o mundo», destaca a organização, onde desde 2018 sobressai na liderança um português, na proposta para Miami.
49 congressos e 21 cidades
O antigo estádio de Wembley, privilegiado salão de festas do futebol inglês, recebeu a primeira edição. Desde então, a Soccerex manteve-se como referência internacional na área dos negócios do futebol, organizando eventos físicos de grande escala em todo o mundo (esta será a 50.ª edição), «proporcionando oportunidades de networking, partilhando liderança e conhecimentos, transmitindo eventos digitais para mais de 100 países e garantindo uma plataforma para ligar os clientes aos principais intervenientes no jogo», pode ler-se numa breve apresentação da organização.
A cumprir o 27.º ano de atividade, a Soccerex orgulha-se da organização de 49 congressos em 21 cidades de todo o mundo, tendo reunido, nesses certames, «mais de 75 mil delegados e proporcionado aos principais profissionais do sector uma variedade de plataformas formais e informais de estabelecimento de contactos, ajudando-os a construir, manter e reforçar as relações no âmbito do futebol a nível global», pode ainda ler-se na página online da empresa responsável pelo evento.
De Wembley a Copacabana, no Rio de Janeiro, da África do Sul a Miami Beach, da China a… Oeiras (2019), em Portugal, e depois, pela primeira vez em 2020, online com os eventos digitais globais, a trilogia Soccerex Connected, a organização tem contado com lendas do desporto-rei, executivos dos clubes, líderes de opinião, marcas globais e estudantes do fenómeno futebol que, mercê de uma participação regular, se tornaram membros da Família Soccerex, com participação direta em roadshows na Europa, Ásia, África, Médio Oriente ou Américas.
Da Damaia para o Mundo
Desde 2018, altura em que a marca Soccerex foi adquirida pela holding norte-americana Kapital Football Group, há um português por detrás da organização do maior congresso da indústria de futebol.
Trata-se de Hugo Varela, 48 anos, que começou por ser cliente da Soccerex, presença assídua nos eventos um pouco por todo o mundo desde a edição no Dubai, em 2005, e tornou-se, mais tarde, vice chairman da KFG e da própria empresa responsável pela organização do certame.
Hugo Varela viveu a infância e adolescência na Damaia, emparedado entre a cidade-grande Lisboa, logo ali a partir das portas de Benfica, e a significativa revolução de betão que transformou, em poucos anos, a Amadora numa das maiores cidades-satélite da capital portuguesa.
Como em todos os bairros dormitório no subúrbio de Lisboa, não é difícil de imaginar, lá pelos anos 80 e 90 do século XX, que também Hugo Varela passou dias inteiros na rua a jogar de futebol, campeonatos entre bairros ou prédios do nascer ao por do sol, com balizas improvisadas e muitas vezes com o alcatrão das estradas a tingir de negro aqueles jeans de marca que tinha recebido de prenda no aniversário.
Apaixonando pelo jogo, Hugo Varela tentou ser futebolista. Começou no Futebol Benfica, logo ali, perto de casa, o popular Fofó. Era guarda-redes. Também passou pela formação do Sporting, Damaiense, Palmense e Estrela da Amadora. Entre um voo na baliza e um sonho no futebol, ainda tentou, já em idade adulta e fora da zona de conforto, jogar no Amora, no Quarteirense e no Ribeirão, de acordo com os registos disponíveis.
Hugo Varela terá percebido cedo que o profissionalismo no futebol, como praticante, não seria solução para o seu futuro e passou a ajudar conhecidos e antigos companheiros de balneário na gestão das carreiras. Empresário de jogadores era a designação em voga, hoje agentes de futebolistas.
Sempre com a bola por perto, Hugo Varela reforçou ligações, cimentou amizades com jogadores, treinadores e dirigentes e mais tarde arriscou uma parceria internacional com o Benfica, então liderado por Luís Filipe Vieira, e levou o modelo das escolas Geração Benfica (Benfica Soccer Schools) para os Estados Unidos da América. Começou por Newark, New Jersey, e rapidamente alargou a ideia a outros estados (Arizona e Florida), inclusive ao Canadá (Toronto), reunindo mais de dois mil jovens praticantes.
Com Jesualdo Ferreira em Málaga e Atenas
Mas é no regresso à Europa que a carreira de Hugo Varela volta a transformar-se. Estávamos em 2010 e o português tinha sido o escolhido pelo xeique Abdullah Bin Nassar Al-Thani, membro da família real do Catar, para negociar a aquisição, por 36 milhões de euros (à época, um dos maiores negócios do futebol mundial), das ações do Málaga então detidas pelo ex-futebolista Fernando Sanz, filho de um antigo presidente do Real Madrid.
Responsável, na ocasião, pela reestruturação da gestão desportiva e financeira do clube espanhol, Hugo Varela apostou em Jesualdo Ferreira, um amigo de longa data, para treinador do Málaga. Juntos seguiriam, depois, para Atenas, para um projeto de três épocas no Panathinaikos, patrocinado pelo bilionário Yanis Alafouzos, dono da SKY TV.
Com carta branca para alterar o paradigma de gestão do Panathinaikos, toda a política desportiva e de aquisições do popular clube grego passava, nos gabinetes, por Hugo Varela e, no campo, por Jesualdo Ferreira. Três presenças consecutivas na Liga dos Campeões foi o resultado do trabalho desenvolvido.
Em paralelo, no início de 2016, Hugo Varela promove a intermediação entre a Liga Portugal e a empresa chinesa de iluminação Ledman Optolectronic, que passa, então, a ser o patrocinador principal da Liga 2.
A aposta no Bordéus e… o Botafogo
Mais tarde, e já ao lado de Joseph DaGrossa, chairman da KFG, Hugo Varela participa diretamente na aquisição e na gestão do Bordéus (2018). É o português que lidera todo o futebol do clube francês e que assume a contratação de Paulo Sousa para treinador. É também o português que, meses antes da pandemia ter paralisado o mundo, promove a venda da participação da empresa no Bordéus, com um resultado líquido de mais de 30 milhões de euros na venda dos passes de jogadores.
Nos últimos sete anos, Hugo Varela especializou-se na aquisição de clubes e criou a estrutura de um fundo de investimento. Tornou-se ainda sócio da GACP Sports que, em 2018, adquiriu, por sua sugestão e iniciativa, os direitos da Soccerex e, como já referido, do Girondins de Bordéus.
Há muito atento à nova realidade das SAF (o equivalente a SAD em Portugal) no Brasil, Hugo Varela negociou, durante meses, a potencial aquisição dos direitos do América Mineiro, por exemplo, e intermediou, em janeiro último, o maior patrocínio da história do Botafogo e o terceiro maior patrocínio da história do futebol brasileiro, garantindo ao líder do Brasileirão um encaixe na ordem dos 11 milhões de euros.
No último verão, o vice chairman da KFG intermediou a aquisição dos ingleses do Charlton FC (League One) e esteve envolvido na aquisição do Brooklyn FC (USL One League) pelo Grupo N6. A Soccerex é, agora, o projeto que se segue no calendário, com Miami a aproveitar o balanço de Lionel Messi e David Beckham para vender os ideais do beautiful game.